quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Eric Hobsbawm: A crise do capitalismo e a atualidade de Marx

-
Eric Hobsbawm: A crise do capitalismo e a atualidade de Marx

Filosofia e Questões Teóricas
Marcello Musto
Ter, 21 de outubro de 2008 10:52

Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do "marxismo-leninismo", não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: "O pensador do terceiro milênio?". Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de "relevância atual".

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título "Ein Gespenst Kehrt zurük" (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa "In Our Time" da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, "são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx" e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal George Soros a seguinte frase: "Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz". Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova "demanda de Marx", do ponto de vista político?

Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da "sociedade burguesa", cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.

A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados "novos movimentos sociais", como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o "proletariado", dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.

Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?

Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer "retorno a Marx" será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.

Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias "socialistas" foram organizadas sob o chamado "socialismo realmente existente". Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de "O Capital". Como mostram os "Grundrisse", aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.

Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os "Grundrisse". Escritos entre 1857 e 1858, os "Grundrisse" são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?

Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no "Capital", como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).

Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: "Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos "Grundrisse", menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev". Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os "Grundrisse" "trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na "Ideologia Alemã". Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos "Grundrisse" hoje?

Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?

Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.

[Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano]
[Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer]


Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do "longo século XIX": "A Era da Revolução: Europa 1789-1848" (1962); "A Era do Capital: 1848-1874" (1975); "A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro "A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.

http://www.socialismo.org.br/portal/filosofia/154-entrevista/593-eric-hobsbawm-a-crise-do-capitalismo-e-a-atualidade-de-marx
-

sábado, 18 de outubro de 2008

Curso de Filosofia


Curso de Filosofia
Antônio Rezende – organizador
Jorge Zahar Editor e SEAF


A obra consta da relação do MEC, em Editoras, Autores e Obras - Relação Condensada da Portaria 958

Para professores e alunos dos cursos do ensino médio e graduação. Verdadeiro manual reunindo a história da filosofia – porque não há aprendizado de filosofia sem a sua história – e uma seleção de textos significativos dos grandes filósofos, ilustrando os temas básicos da matéria. Os diversos autores que participam desta obra são (ou foram) professores em faculdades de filosofia e trabalham com os temas e autores sobre os quais se dispuseram a escrever.

Autor - - - - - - -----------Título
Antonio Rezende
- A filosofia no Brasil
Danilo Marcondes - O empirismo inglês
Eduardo Jardim de M. e Kátia Muricy - Visões da modernidade
Franklin Trein - Hegel e a dialética
Gerd Bornheim - O existencialismo de Sartre
Hilton Japiassú - O racionalismo cartesiano
José Américo Motta Pessanha - Platão e as idéias
José Silveira da Costa - A filosofia cristã
Leda Miranda Hühne - O irracionalismo de Kierkegaard
Maria Célia Simon / M. de Moraes - O positivismo de Comte
Maria do Carmo Bettencourt de Faria - O realismo aristotélico
Maura Iglésias - Pré-socráticos: Físicos e sofistas
Maura Iglésias - O que é filosofia e para que serve
Valério Rohden - O criticismo kantiano
Vera C. de A. Bueno e Luiz Carlos Pereira - A filosofia analítica
Vera Portocarrero - Nietzsche: Uma Crítica Radical
Wilmar do Valle Barbosa - O materialismo histórico

Língua: Português (Brasil)
Editora: Jorge Zahar / Ano: 1986 - Edição: 13ª
Nº de páginas: 312 / Medidas: 14X21 / Encadernação: Brochura

sábado, 4 de outubro de 2008

Fazer Filosofia


Em 3ª edição.

Organização: Leda Miranda Hühne
Prefácio: Ana Maria Felippe Garcia
Ilustração: Millôr Fernandes

Textos de Olinto Pegoraro, Ricardo Jardim Andrade, Maria Célia M. de Moraes, Vera Portocarrero, Leda Miranda Hühne, Eliane Portugal, Dirce Eleonora N. Solis, Sidney S. Solis, Regina Maria Lopes van Balen

Sinopse:

Fazer Filosofia aborda uma nova didática. Não segue o caminho tradicional que inicia o estudo a partir de idéias, teorias, tratados e sistemas. Problematiza os temas da vida cotidiana: Corpo, Trabalho, Cidade, Cidadania, Arte, Ciência e a própria Filosofia. Analisa o modo pelo qual os temas-problema foram se constituindo ao longo da história do pensamento.

Fazer Filosofia tem por fim fazer pensar: O que significa chegar a compreender "que as coisas não são com são, porque têm de ser".

Escrito por uma equipe de professores universitários e do ensino médio e ilustrado por Millôr Fernandes com o humor de suas charges, desmitifica o sentido ideológico dos temas-problema que trata.

O livro estrutura-se em sete unidades e a cada unidade apresenta um texto-base, onde o autor problematiza criticamente o tema, à luz da história da filosofia. Textos para leitura, temas para debate, glossário e bibliografia complementam o texto base.

Ao final do livro, são apresentadas duas sinopses: uma com a cronologia da História da Civilização Ocidental e outra com esquemas das doutrinas dos pensadores.

Sumário

Unidade I: Filosofia
1 - Fazer Filosofia - Olinto A. Pegoraro

Unidade II: Cultura
2 - A Cultura: O Homem como Ser no Mundo - Ricardo Jardim Andrade

Unidade III: Ciência
3 - A Revolução Científica Moderna - Maria Célia M. de Moraes
4 - O Surgimento das Ciências Humanas - Vera Portocarrero

Unidade IV: Arte
5 - Arte e Estética - Leda Miranda Hühne
6 - Arte e Modernidade - Eliane M. Portugal

Unidade V: Cidade e Cidadania
7 - Cidade e Cidadania - Dirce Eleonora Solis

Unidade VI: Trabalho
8 - Pensando o Trabalho - Sydney Solis

Unidade VII: O Corpo
9 - O Corpo - Regina Lopes van Balen

Apêndice
I - Quadro Histórico da Filosofia no Ocidente
II - Quadro Esquemático da História da Filosofia Ocidental

Um exemplo: A problematização do tema "Trabalho"
http://www.uape.com.br/download/o_trabalho.pdf


Tributo a Maria Célia Marcondes de Moraes

-

Maria Célia Marcondes de Moraes
(16 de junho de 1943 - 10 de abril de 2008)

Amiga, mãe, avó, esposa, intelectual, guerreira,
fundadora da SEAF

Extratos de Entrevista com gosto de "quero mais":

Quando defendi minha tese, eu trabalhava no Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que naquele momento acabara de abrir seu curso de mestrado. Foi lá que iniciei minha trajetória na pós-graduação, com a disciplina filosofia da ciência econômica. A rigor, vim trabalhar na pós-graduação na área de educação aqui na UFSC, em anos muito recentes, a partir de 1996. No doutorado, só a partir de 1998, quando abrimos a linha de pesquisa "Educação, história e política". Assim, minha história na pós-graduação, apesar de intensíssima, é muito curta. Talvez por isso seja tão intensa, por ser tão condensada no tempo. Não vem ao caso mencionar aqui por que fui parar em um curso de economia...
..............................
Eu tive o privilégio de estudar com um professor de filosofia, uma pessoa maravilhosa, o José Américo Pessanha, que dizia: em filosofia tudo parece muito difícil; mas é só até obter a chave do código lingüístico. Uma vez que se tem a chave do código lingüístico, entende-se.
..............................
Lembro que os alunos me olhavam completamente atônitos, porque eles também não tinham a chave do código lingüístico do texto. E eu pensava: mas como não entendem Derrida? Mais ainda, perguntavam - aliás, esta é a pergunta que eu mais ouvi aqui -: o que isso tem a ver com a educação? No começo eu tentava explicar, mas hoje eu digo logo que não tem nada a ver. Hoje eu respondo: nada! Aliás, sempre digo que minhas disciplinas não servem para nada, só para pensar. E como pensar hoje em dia caiu em desuso, elas são de uma total inutilidade, não é uma disciplina utilitarista; portanto, é totalmente inútil. E aí essa pergunta, o que tem a ver com a educação? Eu tentava explicar, e as pessoas, claro, não viam porque não tinham o código. Mas com o tempo conseguiam a chave e destrinchavam o texto; e era aquela satisfação enorme.


BIANCHETTI, Lucídio e MACHADO, Ana Maria Netto. Entrevista Maria Célia Marcondes de Moraes. Rev. Bras. Educ., maio/ago. 2008, vol.13, no.38, p.369-386. ISSN 1413-2478.

íntegra em:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n38/13.pdf

ou em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782008000200013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

para conhecer toda a Revista
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=1413-247820080002&lng=pt&nrm=iso

para saber mais sobre a ANPEd e conhecer os outros números da Revista:
http://www.anped.org.br/inicio.htmhttp:/www.anped.org.br/inicio.htm
-

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Pressupostos do ensino de filosofia no segundo grau: alguns aspectos históricos

-
Celso João Carminati

Professor de Filosofia da Educação na
Universidade do Vale do Itajaí e Doutor em Educação na
Universidade Federal de Santa Catarina.

Resumo

O presente texto apresenta uma discussão contextualizada dos desafios que o ensino de Filosofia no segundo grau está enfrentando. A lei 9.394/96 redimensionou o papel da filosofia nos currículos escolares. Diante disto, proponho que as práticas dos professores devam se fundamentar em pressupostos teóricos, cujo movimento intelectual possa transformar a experiência imediata numa experiência compreendida.

A "atual" LDB e o ensino de filosofia

Estas reflexões fazem parte do quarto capítulo da minha dissertação de Mestrado, intitulada "O ensino de Filosofia no Segundo grau: do seu afastamento ao movimento pela sua reintrodução. A Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficos - SEAF". Florianópolis, 1997.


Um movimento de educadores, principalmente entre aqueles ligados à área da Educação, durante e após a ditadura militar brasileira, vem realizando importantes discussões sobre a realidade política em geral, educacional e cultural no Brasil, sobretudo a partir da desatenção de muitos deputados constituintes para com a educação, quando da elaboração da atual Constituição.

As discussões realizadas na cidade de Porto Alegre - RS em 1988, pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação - ANPED, foram importantes para se pensar um projeto de LDB para a educação nacional. Tais discussões impulsionaram o início dos trabalhos para uma 'nova' LDB. O projeto 1258 - c/88, teve origem na Câmara dos Deputados, e foi uma iniciativa conjunta do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, dos deputados de oposição, além de um acordo suprapartidário entre diversos deputados federais.

Porém, desde aquele ano, entre muitas discussões, redações, negociações, emendas, com vários avanços e também retrocessos, a esperada 'nova' LDB somente foi votada e aprovada na Câmara dos Deputados no ano de 1993. No referido projeto, em seu artigo 48, inciso IV, o texto aprovado contemplava a inclusão das disciplinas Filosofia e Sociologia como obrigatórias, aos currículos de segundo grau.

Depois de muitos debates, a inclusão da disciplina filosofia no segundo grau, então aprovada na Câmara dos Deputados parecia consensual. Porém, derrotado, o governo não tardou em se articular e alterar o projeto no Senado Federal. Outro projeto de lei foi apresentado pelo Senador Darci Ribeiro - Partido Democrático Trabalhista - PDT - RJ em substituição, para não dizer imposto, àquele aprovado na Câmara dos Deputados. Esse seu projeto, nº 1258 - d/95, nem sequer fez menção à disciplina de filosofia e, uma vez aprovado no Senado, retornou à Câmara dos Deputados, tendo como relator o Deputado Federal José Jorge do Partido da Frente Liberal - PFL - PE. Na Câmara, diante da pressão de vários setores, inclusive do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, o projeto passou por algumas emendas.

Sem garantias de sua obrigatoriedade nos currículos desde 1971, o texto da atual lei que rege as diretrizes e bases da educação nacional, lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, também se isenta dessa responsabilidade. O artigo 36, parágrafo 1º , inciso III da lei apenas afirma que, "os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: o domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania".

Desse fato, pode-se (re) afirmar pelo menos dois aspectos: o primeiro, de que o sistema de ensino brasileiro continua desarticulado nos diversos níveis e que a inclusão da disciplina de filosofia como obrigatória nos currículos de segundo grau parece estar cada vez mais distante, embora o texto diga que uma formação filosófica seja um dos objetivos a ser alcançado pelo aluno de segundo grau; o segundo, diz respeito ao aspecto político da lei: a não inclusão da filosofia parece atender os princípios gerais que hoje norteiam o processo de aproximação do setor educacional ao mercado. Assim, deduz-se que se houver redução do mercado de trabalho para os formados em filosofia, terá pouco sentido o investimento ou a manutenção desta área de saber a nível superior, o que poderá representar, na prática, o fechamento de muitos deles.

Pode-se entender também, de acordo com a redação do texto da lei, que a filosofia não tem mais sentido como disciplina específica no currículo, mas que, a partir disso, seja possibilitado àqueles professores que irão lecionar no segundo grau (insinua que todos os graduados tenham alguma formação filosófica) conteúdos filosóficos e sociológicos capazes de ajudá-los na formação dos estudantes secundaristas. Ou seja: a formação filosófica passa a ser papel e dever de todos os professores e não de um profissional específico.

Além disso, a formação dos alunos de segundo grau poderá também se restringir à conteúdos mais técnicos em detrimento dos políticos e culturais, além de não se investir em capacitação dos professores que lecionam a disciplina.

Assim, parece-me que a sua ausência nos currículos escolares permite a seguinte dedução: se os cursos de filosofia não têm demanda e pouco produzem, se justifica o não investimento na formação desses profissionais. Além disso, diante da aparente valorização de outras áreas, sobretudo as técnicas, há uma tendência à diminuição dos cursos da área humanística oferecidos no nível superior. Mas, será isto mesmo?

Sem desmerecer ou simplificar este debate, penso que ainda é cedo para uma avaliação definitiva dos rumos da questão aqui discutida, por isso fico na expectativa de poder observar em que medida essa lei contribuirá para que se repense o segundo grau e o lugar da filosofia nos currículos escolares, mesmo onde ela existe como disciplina obrigatória, como é o caso da rede de ensino pública do Estado de Minas Gerais.

Vale lembrar que a sorte dos cursos universitários de filosofia depende em parte dos cursos de filosofia no segundo grau. Assim, esquecer a importância da formação filosófica nesse nível de ensino, seria tão indefensável quanto, no sentido inverso, exagerar essa importância a ponto de supor que um segundo grau forte em filosofia possa justificar a supressão dos cursos de graduação em filosofia.

Por que filosofia no segundo grau?!

Diante das discussões levantadas acima, e dos pré-conceitos que rodeiam a filosofia e sobre ela se propagam, vale a pena perguntar se de fato tem sentido defender a presença do seu ensino nos currículos escolares de segundo grau. Se levarmos em conta a posição de grande maioria dos participantes das entidades, sociedades e grupos de filosofia que se mobilizaram pelo seu retorno nas últimas décadas, a resposta será positiva. Salvo uma ou outra postura contrária, houve e ainda parece haver uma certa unanimidade em defendê-la enquanto disciplina obrigatória nas escolas de segundo grau.

No discurso governamental, principalmente a partir do fórum de debates realizado em outubro e novembro de 1968 (auge da ditadura militar), denominado "A Educação que nos convém" (Fórum organizado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais com patrocínio da PUC/RJ.) , o então Ministro Roberto Campos falou sobre "Educação e Desenvolvimento Econômico", em cuja exposição ficaram claras as intenções de reorganizar o ensino médio a fim de que ele cumpra mais eficazmente a função de discriminação social. Segundo Warde (1979:79), ao longo da conferência ficou evidente o sentido político e econômico de um ensino que se articula com o mercado de trabalho: um ensino para a segurança e para o desenvolvimento econômico. Assim, foi-se percebendo, aos poucos, que os ditos excedentes profissionais eram filhos da escola humanista e percebeu-se também que a educação secundária de tipo humanista devia ser modificada, através da inserção de elementos tecnológicos e práticos. A partir disso, não é difícil deduzir qual seria o futuro da filosofia e das demais disciplinas da área de ciências humanas.

No aspecto das resistências a esse processo, desde a lei 5.692/71 que afastou o ensino de Filosofia do segundo grau, pode-se dizer que elas tem acontecido por parte daqueles envolvidos diretamente, quais sejam, os professores de filosofia que tiveram seu campo de trabalho restringido e principalmente pelos membros e participantes da Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficos - SEAF.

Mas, não somente os professores participantes do movimento defenderam a disciplina de filosofia como obrigatória no Segundo grau; alguns órgãos de imprensa no início da década de 80, por pressão dos grupos organizados, foram obrigados a ceder espaço e divulgar alguns artigos ou pequenas notas sobre as discussões que ocorriam em torno da temática. Esse foi o caso do Jornal do Brasil, aliás, um dos fortes críticos da SEAF que publicou em 28 de dezembro de 1981, um editorial comentando as deficiências do ensino de segundo grau. Segundo o referido jornal, essas deficiências se davam principalmente pelo processo de múltipla escolha do vestibular, que desprezava o cultivo do raciocínio. Assim dizia o artigo: "é essa deformação pedagógica que o estudo da filosofia pode ajudar a corrigir. Eis um estudo que não tem finalidades imediatas e nem chega a resultados quantificáveis. Também não é capaz de propor soluções instantâneas para os problemas do nosso tempo." (Jornal do Brasil, 1981:2)

Porém, sua intenção em defesa da filosofia tropeça no momento em que apenas a apresentava como uma disciplina na condição de "motivação profunda das ações humanas". Além disso, é interessante estar atento para o fato de que esse editorial foi publicado logo após a divulgação do "Documento de Brasília" (Documento elaborado por um grupo importante de filósofos brasileiros e que pelo seu caráter crítico repercutiu muito nas universidades, escolas de Segundo grau e também nas diretrizes e objetivos do ensino de filosofia a partir de 1981.), configurando-se como uma oposição às propostas do seu texto final, no qual se enfocou a necessidade de uma filosofia crítica, engajada e preocupada em fazer dos problemas do cotidiano dos alunos um importante objeto de análise.

Diante dessas discussões, é afirmativa a resposta à questão levantada acima. Acredito que a filosofia tem um lugar no ensino de segundo grau. O processo educacional humano é mediado pelas diversas relações sociais e é fruto de um conjunto de contradições e conflitos que constituem as mesmas relações concretas. Assim, a forma que o processo educativo assume em cada momento histórico será sempre o resultado provisório de relações conflituosas. O ensino de filosofia não foge dessa realidade e os seus professores não podem ficar indiferentes a ela, uma vez que se encontram envolvidos nos limites e possibilidades da ação exercida pelo sistema institucionalizado do ensino. A tensão do contraditório e a necessidade da reflexão desafiam-nos a intervir nessa realidade.

E essa atuação não pode ser entendida no sentido de recuperar o ensino em geral, para que se dê uma tintura de "humanidades" no segundo grau e, tampouco, no sentido de que a filosofia seja a salvação para a educação, pois a responsabilidade por um bom sistema de ensino diz respeito a todos os que estão envolvidos no processo educacional. Ora, o que significa então? Um dos elementos importantes é a diversidade de temas com que lida a filosofia. Isto fará com que o aluno possa, diante de um problema, ter uma visão muito mais enriquecida do seu próprio universo para resolvê-lo.

Não poderá a filosofia ser apenas mais uma disciplina na grade curricular para "atrapalhar" a vida do aluno, como afirmam alguns intelectuais de plantão, mas deverá contribuir para aumentar sua concepção de mundo, para que possa melhor situar-se no seu contexto político, social e histórico. É na mediação do processo educacional, no trabalho conjunto com as demais disciplinas, que alunos e professores podem perceber a importância da filosofia como disciplina do currículo de segundo grau. Não poderá prescindir do ensino de filosofia a realização de um projeto educacional que tenha por base a formação ampla dos estudantes, considerando-se que a presença da filosofia pode contribuir efetivamente para a vida cultural e política das pessoas.

Um elemento importante a ser tomado em conta para fundamentar o significado de sua presença nos currículos de segundo grau é a dimensão crítica atribuída à filosofia. Embora muitos textos e documentos oficiais apelem para essa tão decantada função crítica da filosofia, na maioria das vezes entendida como espírito lógico, em oposição ao pensamento mecânico, preferimos tomar a perspectiva da filosofia crítica, apresentada por Marilena Chauí, segundo a qual o pensamento crítico não é apenas privilégio da filosofia, mas, sem dúvida, é uma das suas tarefas específicas.

Em seu artigo intitulado "Filosofia e Cultura" (Referenciado por Simon, 1984:19) Chauí apresenta, a partir de uma leitura de Maurice Merleau-Ponty, a filosofia como trabalho do pensamento, trabalho para transformar uma experiência imediatamente vivida numa experiência compreendida, quer dizer, num saber a respeito dessa experiência. A filosofia é trabalho, isto é, negação interna da experiência imediata, negação do caráter abstrato da experiência, em busca da gênese e da produção daquilo que apenas está dado.

A idéia de que, de um lado, existam as experiências e, de outro, a reflexão/trabalho do pensamento, que de fora converteria uma experiência qualquer em verdadeira, é veementemente recusada por Chauí. Ao contrário, a filosofia é a capacidade de fazer com que a reflexão sobre a experiência seja, ela própria, enquanto reflexão, uma experiência. Não algo que vem de fora como uma consciência que se deposita sobre uma experiência inconsciente, mas como uma experiência, ela própria, de se tornar mais significativa.

A partir dessas considerações, a autora mostra o movimento da filosofia como sendo realizado de duas maneiras. Em primeiro lugar, ao negar dialeticamente a experiência imediata, o trabalho do pensamento revela que esta experiência está carregada de sentido. E em segundo lugar, a filosofia é um trabalho com gêneses, isto é, com a busca pelo conhecimento da origem de uma experiência e do sentido que essa experiência tem a partir de sua origem.

Assim, partindo da concepção apresentada entendo que a perspectiva crítica da filosofia é aquela em que as coisas não são dadas, e sim aquela que indica para uma necessidade dos indivíduos decidirem por si mesmos, para aquilo que se deve fazer, e que os seres humanos são responsáveis pelos acontecimentos em seu meio. Por conseguinte, a crítica deve ser entendida enquanto trabalho do pensamento, e não como um conjunto de conteúdos verdadeiros e acabados. A crítica enquanto contradiscurso deve fazer falar o silêncio contido nos discursos. Desse modo, podemos compreender por que interessa aos discursos oficiais o esvaziamento do sentido da palavra "crítica" e também da presença e importância da filosofia no ensino de segundo grau. Ao mesmo tempo - e isso é importante que seja ressaltado - procura-se afastar a idéia de "crítica" como mera negação do discurso dominante.

Para reforçar as reflexões acima expostas, Gramsci (1989), afirma que a verdadeira crítica é aquela mediante a qual o intelectual destrói em si mesmo a velha concepção de mundo, que inclui, em geral, o preconceito segundo o qual devemos preferir um compromisso passivo com a situação dada ao incômodo de nos responsabilizarmos mais por aquilo que somos e fazemos; é aquela mediante a qual se busca reduzir a distância entre teoria e prática, promovendo a unidade entre ciência e vida, entre o filósofo e o seu espaço de atuação na medida em que é daí que ele retira os problemas que se propõe solucionar.

Apontando algumas perspectivas

Antes de prosseguir nas discussões em torno das perspectivas para o ensino de filosofia, gostaria de ressaltar algumas considerações sobre o exposto acima. A primeira diz respeito à uma posição em favor da introdução da disciplina de filosofia como obrigatória no segundo grau. Talvez não seja tão fácil justificá-la, mas acreditamos que há algo maior que a simples abertura de mercado de trabalho. Há algo maior que a preocupação com a possibilidade de os alunos terem capacidade de opinar. Há algo maior que o seu papel na interdisciplinaridade. Há algo maior que a contribuição para uma pretensa nova educação. Não se trata apenas de formar o homem enquanto homus faber mas sim do homem como "conjunto de relações sociais", como "síntese das múltiplas determinações", ou seja, o sujeito da história.

Talvez um exemplo como o da França, onde o ensino de filosofia é obrigatório desde o século passado, e que ajuda a entender a formação cultural daquele povo, possa servir para enfatizar nossa convicção de sua presença no segundo grau. De acordo com a reportagem de André Lahós, no jornal Folha de São Paulo, de 1º de maio de 1994, os franceses estudam um ano de filosofia, o correspondente ao terceiro colegial, com uma carga horária semanal que varia de oito a duas horas, dependendo do curso. Os alunos fazem a opção no ano terminal, de acordo com a faculdade que querem cursar. No curso A, chamado de literário, a filosofia é a matéria mais importante, com oito horas semanais. No curso B, no qual a matéria é a economia, a carga horária é de cinco horas. Nos cursos científicos, a carga é de três horas semanais e nos cursos técnicos, de duas horas. Ainda segundo a mesma reportagem, o programa do Ministério da Educação é traçado em linhas bem gerais, cada professor desenvolve como desejar e é dividido em três partes: a) o homem e o mundo; b) o conhecimento e a razão e, c) a prática e os fins. Tudo isso, aliás, indica que a filosofia foi devidamente reconhecida, ao lado de outros conhecimentos importantes, como a história, a geografia, entre outros, etc.

A segunda consideração, que desejo retomar, diz respeito a uma concepção crítica de filosofia, tanto nos trabalhos escritos por Gramsci, quanto por Chauí. Nas concepções defendidas por esses autores, o ensino de filosofia não deve ser neutro, mas deve apontar para um compromisso político-social. A filosofia deve ser entendida como formadora de consciência crítica e, embora não seja seu privilégio exclusivo, sem dúvida esta é uma de suas tarefas específicas. Nessa perspectiva, a crítica deve ter elementos de "radicalidade", na medida em que procura alcançar a "raiz" dos problemas; ser rigorosa, porque deve ter um método, o qual deve propiciar uma superação do senso comum, mesmo daquele que vulgarmente é entendido como senso crítico e que apenas se confunde com o "ser contra"; ter princípios de globalidade, para que a filosofia não se perca nas particularidades dos conhecimentos, que restringem o horizonte de compreensão do mundo e do homem. Mesmo que não se possa aspirar a uma filosofia como sistema, como construção de um todo auto-compreensivo, parece que se trata ainda de insistir ao encalço de uma melhor compreensão do todo. Como afirma Assmann, ao discutir o tema, "é preciso não desistir da busca da compreensão do todo, mesmo que se saiba que esta compreensão do todo nunca vai poder ser definitiva".

A terceira e última é a de que o ensino de filosofia deve estar articulado com o conjunto de disciplinas das ciências humanas e com as demais disciplinas, para que possam dar sentido às discussões sobre a interdisciplinaridade. De acordo com Severino (1995:6), se aceitarmos que a educação é mediação das mediações histórico-sociais da existência real dos homens, e que o currículo é uma mediação de nível simbólico, da educação, impõe-se que, no caso do segundo grau, as mediações curriculares assegurem elementos que subsidiem a formação dos adolescentes de modo que eles possam entender e vivenciar sua inserção na realidade histórico-existencial.


Referências Bibliográficas

CARMINATI, Celso João. O ensino de filosofia no segundo grau: do seu afastamento ao movimento pela sua reintrodução. (A Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficos).Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. 1997. Dissertação de Mestrado.

2. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia e Ciências Humanas no ensino de grau: uma abordagem antropológica dos adolescentes. São Paulo: 1995 (mimeo).

3. HEGEL, Georg W. Friedrich. Escritos Pedagógicos. México: Fondo de Cultura Econômica, 1991.

4. MACHADO, Renato. Filosofia no segundo grau. Florianópolis, 1995 (mimeo).

5. MONTEIRO, João Paulo. Razões e ações da Filosofia. 1983 (mimeo).

6. FAVARETTO, Celso J. Notas sobre ensino de filosofia. In: ARANTES, Paulo E. et alii. A Filosofia e seu ensino. São Paulo: Vozes/EDUC, 1995.

7. SILVA, Franklin Leopoldo e. Por que filosofia no segundo grau? Estudos Avançados. São Paulo: 1992.

8. CHAUÍ, Marilena. O regresso da razão. Folha de São Paulo, 01 de maio de 1994.

9. DOCUMENTO DE BRASÍLIA. Sugestões de roteiro alternativos do ensino da Filosofia no segundo grau. Brasília: 18 novembro de 1981 (mimeo).

10. SIMON, Maria Célia. A política da filosofia no segundo grau. Rio de Janeiro: 1984, mimeo.

11. NUNES, César A. A Construção de uma nova identidade para filosofia no segundo grau: contradições e perspectivas. São Paulo: Universidade Estadual de Campinas (SP), 1990. Dissertação de Mestrado.

12. WARDE, Mirian J. Educação e estrutura social. A profissionalização em questão. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

13. JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro: 24 outubro de 1994.

14. GRAMSCI, Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.

15. ---------- . Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

16. FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo: 01 de maio de 1994.


extraído de:
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0014.html

para mais, de Celso João Carminati,
Professores de Filosofia: Crise e Perspectivas
clique sobre a figura, para mais
-
-