terça-feira, 21 de julho de 2009

Justiça e cidadania

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Justiça e cidadania

João Baptista Herkenhoff *
20-Jul-2009

A criação do Conselho Nacional de Justiça foi uma vitória da cidadania. Não se construirão as circunstâncias que garantem a cidadania sem que se tenha uma Justiça digna, reta, competente, respeitada pelo povo, acima de qualquer suspeita.

O CNJ não foi uma iniciativa do Poder Judiciário, mas sim, da sociedade civil. No início houve oposição, principalmente da cúpula da Justiça, a um controle externo, sob o argumento de que esse controle comprometeria a independência do Poder.

Mas a tese foi finalmente acolhida, inclusive com o apoio de magistrados que não viam qualquer arranhão na independência da Justiça pelo fato de haver um controle externo, público e democrático das instituições judiciárias.

António Braz Teixeira diz que a Ética tem por objeto a interrogação e a reflexão sobre o valor da conduta humana, tendo como princípio orientador a idéia de Bem.

Na edificação de estruturas judiciárias que estejam a serviço da Ética, tarefa fundamental está reservada aos juristas e aos agentes da Justiça em geral.

Não adianta termos bons códigos, leis perfeitas, se os juristas forem despreparados, míopes na visão que tenham do Direito, desprovidos de condições morais para o exercício das profissões jurídicas.

O Direito para exercer sua função social depende dos seus operadores, que preferimos chamar de operários do Direito. Essa expressão operário do Direito me parece muito simpática e adequada porque retira de quem atua no mundo jurídico qualquer laivo de vaidade. São todos, desde o ministro do Supremo Tribunal Federal até o porteiro dos auditórios de uma comarca do interior deste imenso Brasil, operários do Direito.

De que forma o juiz cultuará a Ética? Vejo o juiz... juízes, desembargadores, ministros... vejo o juiz como alguém cujo papel é estar a serviço. Que não ocupe apenas um cargo, mas desempenhe uma missão.

Será desejável um juiz aberto ao universal, que tenha do Direito uma visão sistêmica, que não se feche no estreito mundo do jurídico e menos ainda no estreito mundo dos códigos.

Vamos agora tratar do advogado, a linha ética que deve nortear essa profissão, diríamos melhor, esse ministério. Destaco três pontos na ética do advogado: seu compromisso com a dignidade humana; seu papel na salvaguarda do contraditório; sua independência à face dos Poderes e dos poderosos.

É a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia uma escolha existencial. É uma bandeira de resistência porque se contrapõe ao apreço "seletivo" pela dignidade humana, à idéia de que só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas.

O advogado salvaguarda o contraditório, sendo fiel a seu patrocinado. Não pode haver Justiça sem que se reconheça a todos o amplo direito à palavra. O advogado tem de ser independente, não se render diante de nenhuma espécie de pressão, não temer represálias, só dobrar os joelhos diante de Deus.

Cuidemos agora da Ética do Ministério Público.
A Constituição de 1988 reforçou, significativamente, o papel e a presença do Ministério Público na vida nacional. Hoje o Ministério Público não é apenas o fiscal da lei e de sua execução, como sempre foi, mas um agente político (no sentido aristotélico do termo) atento à defesa do mais amplo leque de interesses sociais.

Cuidemos agora da Ética do servidor público, principalmente do servidor no âmbito da Justiça.

O Poder Judiciário precisa, para funcionar, dos serventuários e funcionários da Justiça. A Ética do servidor público começa com a consciência que deve ter de sua importância na administração, sentindo-se agente, parte integrante, força eficiente de um esforço coletivo.

O servidor deve ser zeloso, responsável, atencioso com todos aqueles cidadãos e cidadãs que procuram os serviços públicos, sem fazer distinção ou discriminação de qualquer espécie. O servidor do Poder Judiciário pode e deve ser um educador da população para o crescimento da consciência ética, pois que é através dos servidores que a população tem o primeiro contato com a Justiça.

Também integram o mundo dos operários do Direito os doutrinadores e os professores.

A sistematização e a discussão crítica do Direito são um trabalho importantíssimo que os doutrinadores oferecem à Ciência do Direito.

Quanto aos professores, transmitem aos seus alunos não apenas conhecimentos jurídicos, mas, sobretudo, o amor ao Direito. Todos os operadores da seara jurídica passaram pelos bancos acadêmicos e receberam lições dos professores. Estes não cuidam apenas do Direito de hoje, mas do Direito do amanhã, no preparo de sucessivas gerações. São responsáveis pela formação de profissionais competentes e éticos. Sem a semeadura dos professores, o destino do Direito seria a estagnação.

* João Baptista Herkenhoff é livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor itinerante e escritor.

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: http://www.jbherkenhoff.com.br/

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3526/56/

fonte da imagem "Equilíbrio":

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domingo, 5 de julho de 2009

Crises da Crise

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A volta das camisas negras
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por Michelle Amaral da Silva última modificação 30/06/2009 11:15
Colaboradores: Kostis Damianakis


Crise e o aumento do fascismo Europa

23/06/2009

Kostis Damianakis*

Analistas apontam no último ano, que a atual crise sistêmico-econômica que veio numa conjuntura de crise generalizada (ambiental, alimentar, energética) é uma reflexão do período que precedeu a segunda guerra mundial. A incerteza político-financeira na Europa nas décadas 1920-1930 culminou com o aparecimento de ideologias que saíram do mesmo molde de proteção da identidade nacional e cristã dos estados, pela ameaça de uma nova teoria de emancipação da classe trabalhadora que nesta época surgia com o estabelecimento do comunismo na União Soviética. O fascismo e o nacional-socialismo (nazismo) na Itália e Alemanha, o falangismo na Espanha, entre outros “muros” ideológicos, foram erguidos e deram o exemplo para a construção literal deles mais adiante como em Berlim e ainda hoje na sa(n)grada terra de Palestina onde o estado Sionista constrói o muro da vergonha.

Algumas das políticas propostas e já adotadas para sair da crise atual também são reflexões do ambiente sombrio antes da Segunda Guerra Mundial. Como por exemplo, o aumento do corporativismo econômico e do protecionismo estatal, que hoje parece uma farsa sendo praticados por países como os EUA que há décadas pregaram e impuseram o neoliberalismo e o livre comércio como a evolução natural de um mundo dito democrático e igualitário. Ao mesmo tempo aumenta hipocritamente o controle do estado no setor financeiro e de comunicação, fato que não seria necessariamente negativo se não visasse apenas na garantia dos lucros para as elites e o controle da informação que chega à sociedade.

Os estados europeus especificamente, hoje utilizam este poder de controle para convencer as partes da sociedade ainda cientes, que uma das soluções de curto prazo para amenizar os impactos da crise é “devolver” os imigrantes, ou seja, o “excedente” da classe trabalhadora para sua terra originária. Os governos nacionais e a União Européia estão elaborando as medidas para implementar este “grande êxodo” inverso há muito tempo. A crise chegou num momento oportuno e já dezenas de aviões estão sendo fretados com destino ao oriente e à África, cheios pela metade de imigrantes e a outra metade de policiais. A mão-de-obra “de programa” que vem de países destruídos pela guerra ou pelas políticas neoliberais impostas pelos EUA e União Européia através do Banco Mundial e do FMI, recebe até mil euros “de brinde” supostamente para começar uma vida nova na sua terra natal, mesmo que tenham que pagar até dez vezes a mais aos traficantes de pessoas para chegar na Europa.

Esta campanha conta também com a maioria dos garotos-de-ouro do jornalismo, que com reportagens e artigos sensacionalistas elevam o Goebelismo em outros patamares. As palavras nos Jornais Nacionais das nove, desde Madri até Atenas, perdem seu sentido individual e formam duplas inseparáveis no subconsciente da sociedade: crise-crime (uma que fomenta o outro), luta-lucros (necessária para voltar a ter), iminente-imigrantes (a perda do caráter nacional por causa deles), segregação-segurança (uma como condição para a outra), amenizar-ameaça (através de perseguição, mouros e cercas), oriundos-oriente (os problemas sempre dali), emprego-empobrecimento (o primeiro hoje não exclui a possibilidade do outro), policiamento-política (o único jeito de fazer).

Não é de surpreender então que um mês antes das eleições do Parlamento Europeu no começo de Junho, pesquisas de opinião pública em vários países apontaram que entre 50% e 70% da população desejam a redução nos números de imigrantes trabalhadores. A reflexão disso nas urnas, fomentada, dizem alguns, pelo maior índice de abstenção (57%) desde a primeira eleição em 1979, foi o reforço da direita (Partido dos Povos +8%) e a disparada da extrema direita (+14%) em quase todos os 27 países da União Européia. Ao mesmo tempo os ditos socialistas da espécie do partido trabalhista da Inglaterra, perderam 18% das suas cadeiras no parlamento.

É uma situação constrangedora para o velho continente que traz a reflexão se isto é um vestido xenofóbico e racista da sociedade européia ou é sua pele mesmo. A mesma, envergonhada, defende a primeira hipótese no caso da forçada expulsão em meados de junho de 100 imigrantes Romenos de Belfast da Irlanda do Norte, após ataques com pedras e tijolos por jovens desempregados e desiludidos com as políticas implementadas após a reconciliação de protestantes e católicos. O mesmo defende no caso do espancamento e amarramento atrás de uma moto em movimento de dois imigrantes de Bangladesh suspeitos de roubo de comida também neste mês de junho, na Grécia, a antiga terra do conceito do estrangeiro sagrado. O mesmo defende a sociedade européia no caso do Partido Nacional da República Checa que na propaganda eleitoral neste Junho também, exigiu uma “solução final” para o problema dos ciganos como se não fossem suficientes os mais de meio milhão de mortos ciganos nos campos de concentração nazistas.

O que talvez alerta que tudo isto não é apenas um vestido, mas sim uma velha e conhecida pele, é o caso da Itália do corrupto magnata e hoje Primeiro Ministro Berlusconi, que conseguiu a absorção dos fascistas da Itália, liderados por Gianfranco Fini na Casa das Liberdades, o seu partido. O Fini, líder da fascista Aliança Nacional, atual Presidente da Câmara dos Deputados e herdeiro político do Mussolini, está prestes a herdar mais uma dinastia após a aposentadoria do seu novo padrinho, do Berlusconi. Este que fez a caça de imigrantes uma política central do seu governo, e teve ganhos consideráveis nas eleições européias mesmo mergulhado ate o pescoço em escândalos financeiros e pessoais. Tudo isto acontece ao mesmo período que o governo prepara uma medida provisória que permitiria o patrulhamento de grupos de voluntários como da Guarda Nacional Italiana nas ruas de cidades e vilarejos, para ajudar na detenção de imigrantes ilegais. O fato que os uniformes da Guarda Nacional lembram muito as fascistas Camisas Negras do Mussolini, a sociedade européia envergonhada, afirma que é uma mera coincidência.

**Camisas Negras: Grupo voluntário paramilitar de segurança nacional formado na década de 1920 pelos fascistas Italianos.

* Kostis Damianakis é membro do Movimento de Atingidos por Barragens.

Fonte: Brasil de Fato