quarta-feira, 19 de maio de 2010

SEAF responde: Filosofia a distância - Graduação e Pós

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PERGUNTA:

Gostaria de uma orientação: Sou moradora em São Vicente-SP e estou interessada em cursar a faculdade de Filosofia. Aqui na região há 02 faculdades que ministram estes cursos: a Universidade Metodista de SP e a Universidade Metropolitana ( UNIMES). Vou fazer o curso a distância. O meu objetivo e dar aulas no ensino médio e posteriormente em faculdades.

1- como saber qual das 02 faculdades é melhor?
2- para dar aula em faculdade é melhor fazer mestrado ou pós? Pode me indicar, aqui na minha região, qual faculdade ministra estes cursos?
3- hoje tenho 41 anos. Como posso reverter a idade a meu favor nesta nova profissão? Yannes M. Ferreira

RESPOSTA:

  • Sobre como conhecer os cursos

O IGC - Índice Geral de Cursos da Instituição - é um indicador de qualidade de instituições de educação superior (IES) que considera, em sua composição, a qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado e doutorado). No que se refere à graduação, é utilizado o CPC (conceito preliminar de curso) e, no que se refere à pós-graduação, é utilizada a Nota Capes. O resultado final está em valores contínuos (que vão de 0 a 500) e em faixas (de 1 a 5).
O IGC é apurado pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira e será divulgado anualmente pelo Inep/MEC.

O indicador mais atualizado, é o de 26/01/2011 e se refere ao IGC 2009. Clicando sobre a referência no menu à direita NESTE LINK, ou diretamente no arquivo EXCEL AQUI, você poderá analisar as 3 universidades que têm administrações privadas em sua região (considerando as referências de sua pergunta), e/o fazer outras consultas.

Para mais análises, você pode entrar no portal das Universidades e, no caso de seu interesse – Cursos a Distância – você deverá entrar diretamente nos links que tratam dessa modalidade, na Metodista e na UNIMES.

Se puder saber o nome dos/as docentes, você poderá consultar, também, o currículo de cada um /a na Plataforma Lattes e constatar sua proficiência, inclusive na modalidade EAD. Você também pode fazer consulta direta AQUI.


  • Você se refere ao Ensino Médio e logo depois diz de sua intenção em dar aula em faculdade.

Com a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia (Lei 11.683/2008), o campo para a docência em Filosofia ficou bem mais aberto, apesar de algumas dificuldades na aplicação da Lei, conforme você poderá constatar aqui, no Blog da SEAF, especialmente nas postagens “Legislação” em “Marcadores”, no menu à esquerda.

Sobre aulas em faculdades, de acordo com as exigências do MEC, inclusive para que as faculdades alcancem bons índices (como os constantes da avaliação do IGC), professores/as devem ter cursos de Especialização, Mestrado e Doutorado (cabendo cotas para cada titulação) para atuarem no ensino superior. Para cursos de mestrado e doutorado, inclusive na modalidade a distância, você pode consultar, também neste Blog, no menu à esquerda “EAD”, em “Marcadores”.

Você pode consultar diretamente o Catálogo de Cursos da ABED - Associação Brasileira de Educação a Distância ou pode perguntar ao Blog da Educação a Distância.

Não deixe de ler: "Padrões Mínimos – Qualidade na EAD", também no Blog de EAD.

  • Sobre "reverter a idade a seu favor", pensamos que "idade" é conceito cultural que, sim, diz respeito à cultura ocidental. Mas mesmo no Ocidente, onde parâmetros de consumismo (inclusive do corpo e da mente) tentam determinar tempos para a vida humana, a vida de seres humanos sempre será útil, especialmente se trabalhamos nosso lado humano, mais humano, que é o do Conhecimento e da Criação. Não se intimide com sua cronologia. Verifique em nosso relógio neste Blog "tempo é diferente de cronos". E a Filosofia estuda o Tempo, a temporalidade, apesar de fazer isso em tempos históricos determinados - o cronos de duração dos/as filósofos/as.
Colocamos adiante o quadro da pesquisa que fizemos (índice IGC), com as instituições referidas em sua pergunta. Clique sobre para ver em tamanho maior.

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Revista Veja contra Filosofia e Sociologia

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A “Veja” contra a lei de obrigatoriedade da Filosofia e Sociologia no Ensino Médio.

por Vitor Hugo Fernandes de Souza *
e Diego Felipe de Souza Queiroz *


A revista Veja publicou matéria no dia em sua edição 2158 / 31/03/2010 (também disponível no site) fazendo duras críticas ao ensino de Sociologia e Filosofia no ensino médio, que a partir deste ano é obrigatório em todos os anos do ensino médio. A crítica principal se direciona aos currículos elaborados pelas secretarias estaduais de educação que, segundo a revista, seriam “um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda”, citando vários estados brasileiros. Seus “profundos” comentários se direcionam também aos cursos de Ciências Sociais, que segundo o autor “se ancoram no ideário marxista”. É citada também uma fala do diretor de um colégio particular de São Paulo: “Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica". Para concluir a o artigo, o autor reproduz o pensamento de um funcionário da própria revista que diz “Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil".

Primeiramente, precisamos reconhecer que o papel da grande mídia no sistema capitalista jamais será neutro, pois as comunicações são os instrumentos de difusão e reprodução de ideologias (tanto no sentido comum, como no sentido marxista), que tem por função representar mentalmente as relações sociais, inclusive a educação. É sabido que o setor de comunicação no Brasil é dominado por pouquíssimos grupos, que conseguem reproduzir o seu poder por décadas. Entre os principais estão as organizações Globo e o Grupo Abril, que é proprietário de diversos meios de comunicação, como grandes editoras, canais de televisão, portais na internet, TV por assinatura, etc. A família Civita, proprietária do grupo associou-se, em 2006, à Naspers, grupo de mídia Sul-Africano, estreitamente ligado ao Partido Nacional, de extrema-direita, que legalizou o regime do apartheid naquele país no pós Segunda Guerra Mundial. Então, não estamos falando de uma simples revista, mas de um dos maiores grupos de mídia no Brasil, que reproduz a ideologia dominante e contribui para a preservação do staus quo.

O artigo, de autoria de Marcelo Bortoloti, considera a orientações curriculares das Secretarias de Educação “esquerdistas”. Porque obviamente, para a “Veja” os governos estaduais aliados do governo federal são de esquerda, como o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Então as suas Secretarias tentariam difundir o marxismo, assim como os cursos de Ciências Sociais e Filosofia. Basta analisar as propostas de orientação curricular do Estado do Rio, deste ano, para Sociologia e Filosofia, que fica evidente que o conteúdo a ser aplicado em sala de aula não tem nada a ver com doutrinamento esquerdista.

charge por Diego Felipe

O autor da matéria quer passar a idéia de que os professores de Sociologia e Filosofia são “ideológicos”, em frase reproduzida no texto e no próprio título, Ideologia na cartilha, o que demonstra uma profunda ignorância sobre o conceito e o debate a respeito da objetividade da ciência. Perguntamos ao autor: Onde não há ideologia? Até na matemática, na física ou na educação física existe ideologia. Quando aprendemos uma determinada fórmula matemática ou uma determinada regra esportiva, poderemos até nos esquecer dela depois, mas a organização mental que foi feita para que aprendamos mesmo que superficialmente estes conteúdos e valores ficam em nossa mente. A ciência não é neutra. Todas as nossas idéias e valores são ideológicos!

A Sociologia e a Filosofia, por lidarem com valores sociais, com a cultura, com visão de mundo estão um pouco mais vulneráveis à interferência da subjetividade. Até Max Weber, ferrenho crítico do marxismo, não cria na possibilidade da imparcialidade total no estudo da sociologia, pois a própria escolha do objeto de estudo já é subjetiva, mas dizia que a objetividade da ciência deve ser buscada ao máximo.

Isso não quer dizer de forma alguma que os professores de Sociologia e Filosofia sejam doutrinadores marxistas, até porque a maioria deles não é sequer marxista. O nosso papel é ajudar os estudantes a desenvolverem o senso crítico e conhecer melhor o mundo onde vivem, de forma a compreender que eles são atores sociais, cidadãos e não meros espectadores; que eles têm poder de intervir no mundo onde vivem e, para isso precisam compreender melhor o funcionamento da sociedade e os seus valores (explícitos ou implícitos). Os conhecimentos de Filosofia e de Sociologia, assim como das matérias já tradicionais, como Matemática e História, são imprescindíveis para o exercício da cidadania. Uma disciplina não é concorrente da outra, são complementares de um único ser humano. E não é “irreal”, que os nossos estudantes sejam capazes de “alcançarem uma complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia” como reproduziu o autor da matéria. Se a educação que oferecemos à população não é melhor, é devido ao descaso dos governos, seguindo a cartilha educacional dominante, de desmonte da educação pública aliado à grande desinformação e difusão da ideologia dominante, desde as novelas até os jornais e a internet, por parte dos meios de comunicação, pois a educação formal é apenas uma parte de todo o processo educativo.

Segundo a matéria, deveríamos seguir o modelo de “países mais desenvolvidos”. Mas quais seriam estes? Qual é a concepção de educação que está sendo difundida? Seria aquela mecanicista, reprodutivista, que conhecemos bem? Temos certeza que não é uma educação libertadora como a propagada por Paulo Freire, um verdadeiro educador.

Ideológico é o artigo da Veja e as publicações da grande mídia, que reproduzem trechos das orientações curriculares das Secretarias Estaduais de Educação com comentários embaixo, como se os leitores não fossem capazes de pensar por si mesmos. Cadê a liberdade de pensamento? Antes que possamos pensar, a Veja já nos diz o que devemos achar. É como um programa humorístico que coloca risadas no fundo para avisar quando devemos rir...

Para concluir, queríamos deixar uma questão: por que o ensino de Sociologia e Filosofia, que só começou agora e ainda está em processo de consolidação, está incomodando tanto à grande revista brasileira?


Autores:

Vitor Hugo Fernandes de Souza
é Professor de Sociologia na Rede Estadual de Ensino-RJ

Diego Felipe de Souza Queiroz
é Professor de Filosofia na Rede Estadual de Ensino-RJ


Política de Publicação

domingo, 9 de maio de 2010

SEAF apoia a ABA e os antropólogos contra Veja

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SEAF apoia a ABA e os antropólogos em seus legítimos direitos de exigirem reparações por parte dos editores da Veja


Informativo Especial ABA


Nota da Diretoria da ABA sobre matéria publicada pela revista Veja (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010)

Frente à publicação de matéria intitulada "A farra da antropologia oportunista" (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), a diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em nome de seus associados, clama pelo exercício de jornalismo responsável, exigindo respeito à atuação profissional do quadro de antropólogos disponível no Brasil, formados pelos mais rigorosos cânones científicos e regidos por estritas diretrizes éticas, teóricas, epistemológicas e metodológicas, reconhecidas internacionalmente e avaliadas por pares da mais elevada estatura cientifica, bem como por autoridades de áreas afins.

A ABA reserva-se ao direito de exigir dos editores da revista semanal Veja que publique matéria em desagravo pelo desrespeito generalizado aos profissionais e acadêmicos da área.


Nota da Comissão de Assuntos Indígenas-CAI/ABA

A reportagem divulgada pelo último número da revista Veja, provocativamente intitulada “Farra da Antropologia oportunista”, acarretou uma ampla e profunda indignação entre os antropólogos, especialmente aqueles que pesquisam e trabalham com temas relacionados aos povos indígenas. Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos (como o de que menos de 10% das terras estariam livres para usos econômicos, pois 90% estariam em mãos de indígenas, quilombolas e unidades ambientais!!!) conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos a definição de terras indígenas.

Afirmações como a de que laudos e perícias seriam encomendados pela FUNAI a antropólogos das ONGs e pagos em função do número de indígenas e terras “identificadas” (!) são obviamente falsas e irresponsáveis. As perícias são contratações realizadas pelos juízes visando subsidiar técnica e cientificamente os casos em exame, como quaisquer out ras perícias usuais em procedimentos legais. Para isto o juiz seleciona currículos e se apóia na experiência da PGR e em consultas a ABA para a indicação de profissionais habilitados. Quando a FUNAI seleciona antropólogos para trabalhos antropológicos o faz seguindo os procedimentos e cautelas da administração pública. Os profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país, como parte integrante do sistema brasileiro de ciência e tecnologia. A imagem que a reportagem tenta criar da política indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente subalternizadas e marginalizadas.

Não há qualquer esforço em ser analítico, em ouvir os argumentos dos que ali foram violentamente criticados e ridicularizados. A maneira insultuosa com que são referidas diversas lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e causa revolta. Subtítulos como “os novos canibais”, “macumbeiros de cocar”, “teatrinho na praia”, “made in Paraguai”, “os carambolas”, explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas. Enquanto nas criticas aos antropólogos raramente são mencionados nomes (possivelmente para não gerar demandas por direito de resposta), para os indígenas o tratamento ultrajante é na maioria das vezes individualizado e a pessoa agredida abertamente identificada. Algumas vezes até isto vem acompanhado de foto.

A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. Um dos antropólogos citado como supostamente endossando o ponto de vista dos autores da reportagem afirmou taxativamente que não concorda e jamais disse o que a revista lhe atribuiu, considerando a matéria “repugnante”. O outro, que foi presidente da FUNAI por 4 anos, critica duramente a matéria e destaca igualmente que a citação dele feita corresponde a “uma frase impronunciada” e de “sentido desvirtuante” de sua própria visão. Como comenta ironicamente o jornalista Luciano Martins Costa, na edição de 03-05-2010 do Observatório da Imprensa, “Veja acaba de inventar a reserva de frases manipuladas”.

A agressão sofrida pelos antropólogos não é de maneira alguma nova nem os personagens envolvidos são desconhecidos. Um breve sobrevôo dos últimos anos evidencia isto. O antropólogo Stephen Baines em 2006 concedeu uma longa entrevista a Veja sobre os índios Waimiri-Atroari, população sobre a qual escrevera anos antes sua tese de doutoramento. A matéria não saiu, mas poucos meses depois, uma reportagem intitulada “Os Falsos Índios”, publicada em 29 de março de 2006, defendendo claramente os interesses das grandes mineradoras e empresas hidroelétricas em terras indígenas, inverteu de maneira grosseira as declarações do antropólogo (pg. 87). Apesar dos insistentes pedidos do antropólogo para retificação, sua carta de esclarecimento jamais foi publicada pela revista. O autor da entrevista não publicada e da reportagem era o Sr. Leonardo Coutinho, um dos autores da matéria divulgada na última semana pelo mesmo meio de comunicação.

Em 14-03-2007, na edição 1999, entre as pgs. 56 e 58, uma nova invectiva contra os indígenas foi realizada pela Veja, agora visando o povo Guarani e tendo como título “Made in Paraguai - A FUNAI tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome". O autor era José Edward, parceiro de Leonardo Coutinho, na matéria citada no parágrafo anterior. Curiosamente um subtítulo foi repetido na matéria da semana passada - "Made In Paraguay”. O então presidente da ABA, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, solicitou o direito de resposta e encaminhou um texto à revista, que nem sequer lhe respondeu.

Poucos meses depois a revista Veja, em sua edição 2021, voltou à carga com grande sensacionalismo. A matéria de 15-08-2007 era intitulada “Crimes na Floresta – Muitas tribos brasileiras ainda matam crianças e a FUNAI nada faz para impedir o infanticídio” (pgs. 104-106). O subtítulo diz explicitamente que o infanticídio não teria sido abandonado pelos indígenas em razão do “apoio de antropólogos e a tolerância da FUNAI." A matéria novamente foi assinada pelo mesmo Leonardo Coutinho. Novamente o protesto da ABA foi ignorado pela revista e pode circular apenas através do site da entidade.

Em suma, jornalismo opinativo não pode significar um exercício impune da mentira nem práticas sistemáticas de detratação sem admissão de direito de resposta. O mérito de uma opinião decorre de informação qualificada, de isenção e equilíbrio. Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública.

No acima citado comentário do Observatório da Imprensa o jornalista Luciano Martins Costa aprendeu muito bem e expôs sinteticamente o argumento central da revista no que concerne a assuntos indígenas: “A revista afirma que existe uma organização altamente articulada que se dedica a congelar grandes fatias do território nacional, formada por organizações não governamentais e apoiada por antropólogos. Essa suposta "indústria da demarcação" seria a grande ameaça ao futuro do Brasil.” Este é o argumento constante que reúne não só a matéria da semana passada, ma s as intervenções anteriores da revista sobre o tema. Os elos de continuidade fazem lembrar uma verdadeira campanha.

Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo “neocon”. A presença de “reporteres de dossier” é uma outra característica deste tipo de revista. À luz destes comentários caberia atentar para a lista de situações onde a condição de indígenas é sistematicamente questionada pela revista. Aí aparecem os Anacés, que vivem no município de São Gonçalo do Amarante (onde está o porto de Pecem, no Ceará); os Guarani-M’bià, confrontados por uma proposta do mega-investidor Eike Batista de construção de um grande porto em Peruíbe, São Paulo; e os mesmos Guaranis de Morro dos Cavalos (SC), que lutam contra interesses poderosos, sendo qualificados como “paraguaios” (tal como, aliás, os seus parentes Kayowá e Nandevá do Mato Grosso do Sul, em confronto com o agro-negócio pelo reconhecimento de suas terras).

Como o objetivo último é enfraquecer os direitos indígenas (que naturalmente se materializam em disputas concretas muitas vezes com poderosos interesses privados), os alvos centrais destes ataques tornam-se os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados (a matéria cita o Conselho Indigenista Missionário/CIMI por várias vezes e sempre de forma igualmente desrespeitosa e inadequada).

É neste sentido que a CAI vem expressar sua posição quanto a necessidade de uma responsabilização legal dos praticantes de tal jornalismo, processando-os por danos morais e difamação. Neste momento a Presidência da ABA, está em conjunto com seus assessores no campo jurídico, visando definir a estratégia processual de intervenção a seguir.

Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para , através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão.

João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/CAI

Para correspondência:
Caixa Postal 04491
70.904-970
Brasília, DF

Associação Brasileira de Antropologia
Departamento de Antropologia/ICS/UnB
ICC Centro B1-349-65
Campus Universitário Darcy Ribeiro
70.910-900 Brasília, DF

Tel/Fax: (61) 3307-3754

Visite o Portal da ABA
www.abant.org.br
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A SEAF - Associação de Estudos e Atividades Filosóficos - declara seu total apoio aos antropólogos, bem como a toda ação que seja feita pelo fim das mentiras e infâmias que a Veja tem proclamado, conforme declarado pela ABA neste Informativo Especial.
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O potencial de destruição do fascismo financeiro

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O potencial de destruição do fascismo financeiro

Boaventura de Sousa Santos

Data: 05/05/2010

Um exemplo para entender esta nova forma de socialbilidade fascista é a resposta do corretor da bolsa de valores quando lhe perguntaram o que era para ele o longo prazo: “longo prazo para mim são os próximos dez minutos”. Este espaço-tempo virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica de lucro especulativa que o sustenta, confere um imenso poder discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar de suficientemente poderoso para abalar, em segundos, a economia real ou a estabilidade política de qualquer país. O artigo é de Boaventura Sousa Santos.

Há doze anos publiquei, a convite do Dr. Mário Soares, um pequeno texto (Reinventar a Democracia) que, pela sua extrema atualidade, não resisto à tentação de evocar aqui. Nele considero eu que um dos sinais da crise da democracia é a emergência do fascismo social. Não se trata do regresso ao fascismo do século passado. Não se trata de um regime político mas antes de um regime social. Em vez de sacrificar a democracia às exigências do capitalismo, promove uma versão empobrecida de democracia que torna desnecessário e mesmo inconveniente o sacrifício. Trata-se, pois, de um fascismo pluralista e, por isso, de uma forma de fascismo que nunca existiu.

Identificava então cinco formas de sociabilidade fascista, uma das quais era o fascismo financeiro. E sobre este dizia o seguinte:

O fascismo financeiro é talvez o mais virulento. Comanda os mercados financeiros de valores e de moedas, a especulação financeira global, um conjunto hoje designado por economia de casino. Esta forma de fascismo social é a mais pluralista na medida em que os movimentos financeiros são o produto de decisões de investidores individuais ou institucionais espalhados por todo o mundo e, aliás, sem nada em comum senão o desejo de rentabilizar os seus valores. Por ser o fascismo mais pluralista é também o mais agressivo porque o seu espaço-tempo é o mais refratário a qualquer intervenção democrática.

Significativa, a este respeito, é a resposta do corretor da bolsa de valores quando lhe perguntaram o que era para ele o longo prazo: “longo prazo para mim são os próximos dez minutos”. Este espaço-tempo virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica de lucro especulativa que o sustenta, confere um imenso poder discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar de suficientemente poderoso para abalar, em segundos, a economia real ou a estabilidade política de qualquer país.

A virulência do fascismo financeiro reside em que ele, sendo de todos o mais internacional, está a servir de modelo a instituições de regulação global crescentemente importantes apesar de pouco conhecidas do público. Entre elas, as empresas de rating, as empresas internacionalmente acreditadas para avaliar a situação financeira dos Estados e os consequentes riscos e oportunidades que eles oferecem aos investidores internacionais. As notas atribuídas – que vão de AAA a D – são determinantes para as condições em que um país ou uma empresa de um país pode aceder ao crédito internacional. Quanto mais alta a nota, melhores as condições. Estas empresas têm um poder extraordinário.

Segundo o colunista do New York Times, Thomas Friedman, «o mundo do pós-guerra fria tem duas superpotências, os EUA e a agência Moody’s». Moody’s é uma dessas agências de rating, ao lado da Standard and Poor’s e Fitch Investors Services. Friedman justifica a sua afirmação acrescentando que «se é verdade que os EUA podem aniquilar um inimigo utilizando o seu arsenal militar, a agência de qualificação financeira Moody’s tem poder para estrangular financeiramente um país, atribuindo-lhe uma má nota».

Num momento em que os devedores públicos e privados entram numa batalha mundial para atrair capitais, uma má nota pode significar o colapso financeiro do país. Os critérios adotados pelas empresas de rating são em grande medida arbitrários, reforçam as desigualdades no sistema mundial e dão origem a efeitos perversos: o simples rumor de uma próxima desqualificação pode provocar enorme convulsão no mercado de valores de um país. O poder discricionário destas empresas é tanto maior quanto lhes assiste a prerrogativa de atribuírem qualificações não solicitadas pelos países ou devedores visados. A virulência do fascismo financeiro reside no seu potencial de destruição, na sua capacidade para lançar no abismo da exclusão países pobres inteiros.

Escrevia isto a pensar nos países do chamado Terceiro Mundo. Não podia imaginar que o fosse recuperar a pensar em países da União Européia.

Extraído de Carta Maior

Para complemento desta evidência: Aqui, também em Carta Maior
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