quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Quem tem medo da Filosofia?


Quem tem medo da Filosofia?

Resposta ao novo ataque da revista Veja a lei de obrigatoriedade de filosofia e sociologia no ensino médio.

Diego Felipe de Souza Queiroz*
6 Oct 2011

Em uma edição recente, a revista Veja veio mais uma vez atacar a Lei de obrigatoriedade de filosofia e sociologia nas escolas de ensino médio. A revista, que em edição anterior(1) já tinha desferido um ataque à mesma Lei, traz em suas páginas mais um texto neste sentido. O ataque vem por meio de um texto pequeno e rasteiro, inserido junto a uma série de artigos sobre os “absurdos” da justiça(2). O tamanho do texto e sua simplicidade não o torna menos perigoso, já que o mesmo se enquadra no tipo de texto destinado a transmitir opiniões de maneira rápida e fluida, objetivando ganhar a adesão do leitor justamente por se tratar de um material “leve” e de fácil entendimento.

Contaminado por essa pretensão de escrever um texto fluido e de fácil entendimento (sem me perder na tendência publicitária opinativa típica do que vemos por aí, na mídia empresarial brasileira) escrevo aqui uma resposta à revista Veja.

Revista Veja n° 2236, Páginas 92 e 93
O que apresenta: Texto contra a Lei de obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino médio. Fundamentado em uma visão tecnicista de sociedade que propõe que os brasileiros devem ser preparados para uma ação funcional na sociedade, sem muita preocupação com sua formação crítica que já na LDB(3) é apontada como necessária para que os sujeitos possam exercer plenamente sua cidadania.

O Absurdo: O texto utiliza-se de dados de avaliações internacionais que demonstram que a educação brasileira é ruim em relação às disciplinas de Matemática e Português, para atacar o ensino das disciplinas Filosofia e Sociologia. E fazem isso de tal modo como se o ensino dessas disciplinas, da área de Humanas, fosse de alguma forma atrapalhar o ensino de Matemática e Português nas escolas. Argumento falho, já que aprender Sociologia e Filosofia - de forma nenhuma – traz prejuízo ao estudo de Português e Matemática. Muito pelo contrário, são duas disciplinas que trabalham com a produção de textos e com a argumentação; o que, inevitavelmente, contribui com a capacidade de escrever e de ler dos estudantes. Em relação à Matemática, podemos imaginar o que diria Pitágoras ao redator desta matéria. Logo ele, o filósofo conhecido como “pai da Matemática”!

Por fim, há uma raivosa acusação de que as disciplinas são plataformas de pregação ideológica de esquerda. Grande erro! Pois pensar desta maneira é ir contra qualquer entendimento sério das disciplinas, que sempre foram consideradas fundamentais para a formação de indivíduos autônomos e críticos: sujeitos questionadores capazes de se contraporem a qualquer doutrinamento, seja ele de esquerda ou de direita.

O que a revista teme: Em um momento em que a discussão sobre a melhoria da educação no país torna-se cada vez mais forte; em que a luta dos trabalhadores da educação espalham-se por todo território nacional (exemplos: as recentes greves da educação nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e também a greve nacional do Colégio Pedro II), o modelo tecnicista de educação - implantado por diferentes governos neoliberais no país e exaltado há décadas pela a elite nacional e seus veículos de pregação ideológica - se fragiliza. E o poder constituído treme diante da possibilidade de qualquer mudança na área da educação, mesmo que ela seja de consciência. Afinal que sujeito autônomo, crítico e minimamente informado poderia levar a sério revistas como a Veja e suas matérias absurdas como esta de ataque raivoso contra a Lei obrigatoriedade das disciplinas de filosofia e sociologia?

* Diego Felipe é Bacharel e licenciado em Filosofia pela UERJ; Docente da Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro.

(1) Edição 2158
(2) Na mesma parte da revista temos um artigo intitulado “Palmadazinha nas crianças” que apresenta a visão da revista contra a Lei número 7672 que proíbe castigo físico a crianças.
(3) Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
  • I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
  • II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
  • III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
  • IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.


charge por Diego Felipe



Um comentário:

Célio Roberto Pereira disse...

Em momentos de crise as elites apontam os dedos em ações características de regimes totalitários, acusando e tentando descreditar a importância do ensino de filosofia e sociologia. Tal ação é uma tentativa cada vez mais desesperadora de desviar a atenção para o verdadeiro problema da educação no país. Como sempre os grupos dominantes detém o apoio das grandes mídias, no entanto os argumentos e a base teórica são muito fracos. No fim, como em muitas vezes já ocorreu, a última medida desses grupos será a violência legitimada.
Quem sabe se a história lembrará de nós após tais episódios?
O peso sombrio e invisível dos interesses elitistas paira sobre nós.