Povos
tradicionais têm papel crucial na conservação da biodiversidade
22/07/2013
Por
Elton Alisson
Agência
FAPESP – Na região do alto e do médio Rio Negro, no Amazonas,
existem mais de 100 variedades de mandioca, cultivadas há gerações por mulheres
das comunidades indígenas, que costumam fazer e compartilhar experiências de
plantio, chegando a experimentar dezenas de variedades em seus pequenos roçados
ao mesmo tempo.
Exemplo de conservação da
agrobiodiversidade por populações tradicionais, o sistema agrícola do Rio Negro
foi registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) em 2010 como patrimônio imaterial do Brasil.
A partir da constatação de que essas práticas
culturais geram uma diversidade de grande importância para a segurança
alimentar, elaborou-se um projeto-piloto de colaboração entre a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e as organizações indígenas do médio
e alto Rio Negro.
O projeto integrará uma iniciativa
criada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) por meio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o
objetivo de chegar a um programa que estimule a colaboração entre cientistas e
detentores de conhecimentos tradicionais e locais.
A iniciativa foi anunciada por Maria
Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, professora emérita do Departamento de
Antropologia da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e professora
aposentada da Universidade de São Paulo (USP), na abertura da Reunião Regional
da América Latina e Caribe da Plataforma Intergovernamental sobre
Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES, na sigla em inglês), ocorrida
no dia 11 de julho na sede da FAPESP, em São Paulo.
“O projeto-piloto será um bom exemplo
de como é possível a colaboração entre a ciência e os conhecimentos
tradicionais e locais, capazes de dar grandes contribuições para a conservação
da diversidade genética de plantas – um problema extremamente importante”,
disse Carneiro da Cunha, coordenadora do projeto.
“A conservação in situ de variedades de plantas, por excelência, pode e deve ser
feita pelas populações tradicionais. O Brasil, ao promulgar o tratado da FAO [Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura] sobre recursos fitogenéticos, se obrigou a estimular
essa opção”, afirmou.
Carneiro da Cunha ressalvou que,
diferentemente do que costuma se entender, os conhecimentos tradicionais não são
um “tesouro”. Não são apenas dados que devem ser armazenados e disponibilizados
para uso quando se desejar, como foi feito com a medicina ayurvédica, na Índia.
De acordo com a antropóloga, a sabedoria tradicional é um processo vivo e em
andamento, composto por formas de conhecer a natureza, além de métodos, modelos
e “protocolos de pesquisa” que continuamente geram novos conhecimentos.
IPCC
da biodiversidade
Criado oficialmente em abril de 2012,
após quase dez anos de negociações internacionais, o IPBES tem por objetivo
organizar o conhecimento sobre a biodiversidade no planeta para subsidiar decisões
políticas em âmbito mundial, a exemplo do trabalho realizado nos últimos 25
anos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla
em inglês) em relação ao clima do planeta.
Para isso, o organismo
intergovernamental independente realizará uma série de reuniões com
pesquisadores da América Latina e Caribe, África, Ásia e Europa nos próximos
dois meses, produzindo diagnósticos regionais que comporão um relatório sobre a
biodiversidade do planeta.
Os documentos conterão as
particularidades dos países de cada região e deverão levar em conta, além do
conhecimento científico, a contribuição do conhecimento acumulado durante séculos
pelas populações tradicionais e povos indígenas dessas regiões para auxiliar
nas ações de conservação de biodiversidade.
“Uma das ações mais importantes do
IPBES deverá ser o envolvimento de populações locais e indígenas desde o início
do programa, chamando-as para participar do planejamento dos estudos, da
identificação de temas de interesse comuns a serem estudados e do compartilhamento
dos resultados”, disse Carneiro da Cunha.
“O IPCC, que iniciou suas atividades em
1988, só começou a pedir a contribuição do conhecimento dos povos tradicionais
e indígenas para o desenvolvimento de ações para diminuir os impactos das mudanças
climáticas globais depois da publicação de seu quarto relatório, em 2007”,
contou.
Importância
do conhecimento tradicional
De acordo com Carneiro da Cunha, os
povos tradicionais e indígenas são muito bem informados sobre o clima e a
diversidade biológica locais – e, por isso, podem ajudar os cientistas a
compreender melhor as mudanças climáticas e o problema da perda da
biodiversidade.
Esses povos costumam habitar áreas mais
vulneráveis a mudanças climáticas e ambientais e são muito dependentes dos
recursos naturais encontrados nessas regiões. Acompanham com minúcia cada
detalhe que constitui e afeta diretamente sua vida e são capazes de perceber
com maior acurácia mudanças no clima, na produtividade agrícola ou na diminuição
de número de espécies de plantas e animais, por exemplo, apontou a antropóloga.
“Esse conhecimento minucioso é de
fundamental importância. Até porque uma das limitações que esses painéis como o
IPCC e, agora, o IPBES enfrentam é identificar problemas e soluções para lidar
com as mudanças climáticas globais em nível local. Isso é algo que só quem mora
há muitas gerações nessas regiões é capaz de perceber”, disse.
Segundo dados apresentados por Carneiro
da Cunha e por Zakri Abdul Hamid, presidente do IBPES na abertura da reunião na
FAPESP, há aproximadamente 30 mil espécies de plantas cultivadas no mundo, mas
apenas 30 culturas são responsáveis por fornecer 95% dos alimentos consumidos
pelos seres humanos; arroz, trigo, milho, milheto e sorgo respondem por 60%.
Isso porque, com a chamada “Revolução
Verde”, ocorrida logo depois da Segunda Guerra Mundial, houve uma seleção das
variedades mais produtivas e geneticamente uniformes, em detrimento de plantas
mais adaptadas às especificidades de diferentes regiões do mundo. Diferenças de
solo e clima foram corrigidas por insumos e defensivos agrícolas. Com isso, se
espalhou uma grande homogeneidade de cultivares no mundo – levando à perda de
muitas variedades locais.
“Houve um processo de erosão da
diversidade genética das plantas cultivadas no mundo. Isso representa um enorme
risco para a segurança alimentar porque as plantas são vulneráveis a ataques de
pragas agrícolas, por exemplo, e cada uma das variedades locais de cultivares
perdidas tinha desenvolvido defesas especiais para o tipo de ambiente em que
eram cultivadas”, contou Carneiro da Cunha.
Um dos exemplos mais célebres dos
impactos causados pela perda de diversidade agrícola, segundo a pesquisadora,
foi a fome na Irlanda, que matou 1 milhão de pessoas no século XIX e causou o êxodo
de milhares de irlandeses para os Estados Unidos.
Apenas duas das mais de mil variedades
de batatas existentes na América do Sul haviam sido levadas para a Irlanda, no
século XVI. Uma praga agrícola acabou com as plantações, levando à fome, uma
vez que a batata já era o alimento básico na Irlanda e em outros países da
Europa.
A partir daí, para evitar a ocorrência
de problemas do mesmo tipo, vários países criaram bancos de germoplasma
(unidades de conservação de material genético de plantas de uso imediato ou com
potencial uso futuro). A medida por si só, no entanto, não basta, uma vez que
as plantas coevoluem com os ambientes, que também mudam ao longo dos anos.
Assim, é necessário complementar os bancos de germoplasma com ações de conservação
in situ, ressaltou Carneiro da Cunha.
“É importante que se entenda que o
conhecimento tradicional não é algo que simplesmente se transmitiu de geração
para geração. Ele é vivo e os povos tradicionais e indígenas continuam a
produzir novos conhecimentos”, ressaltou.
Entraves
para aproximação
De acordo com a pesquisadora, apesar da
importância da aproximação da ciência dos conhecimentos tradicionais e locais,
o assunto só começou a ganhar relevância a partir da Convenção da
Biodiversidade Biológica (CDB), estabelecida em 1992, durante a ECO-92.
A regulamentação do acesso ao
conhecimento tradicional, previsto no artigo 8j da CDB, no entanto, ainda é um
problema praticamente universal, afirmou a pesquisadora. “Peru e Filipinas já têm
suas legislações. Mas ainda são poucos os países que editaram suas leis”,
disse.
O Brasil ainda regula o acesso a
recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados por meio de uma
medida provisória e não se chegou ainda a um consenso para uma legislação
nacional. “Não se pode ficar somente nessa atitude defensiva e acusar todo
mundo de biopirataria, nessa ‘bioparanoia’ no país, que é um grande impedimento
que teremos de superar”, avaliou.
É preciso estabelecer relações de
confiança, afirmou a antropóloga, algo que só se consegue ao longo dos anos.
Uma das formas ideais de se fazer isso, segundo ela, é quando a própria
comunidade tradicional tem um problema para o qual está buscando solução e que
também interessa aos cientistas.
Um exemplo disso ocorreu recentemente
no âmbito do Conselho Ártico – organização intergovernamental que toma decisões
estratégicas sobre o Polo Norte, reunindo oito países e 16 populações
tradicionais, em sua maioria, pastores de renas.
Em parceria com as comunidades
tradicionais transumantes (que deslocam periodicamente seus rebanhos de renas
para regiões no Ártico, onde encontram melhores condições durante partes do
ano), um grupo de pesquisadores dos países nórdicos, além da Rússia, Canadá e
Estados Unidos, estudou os impactos das mudanças climáticas nos ecossistemas,
na economia e na sociedade da região.
Feito em colaboração com a Agência
Espacial Norte-Americana (Nasa, na sigla em inglês) e com diversas
universidades e instituições de pesquisas, o estudo resultou em um relatório
decisivo, intitulado Informe de Resiliência
do Ártico (ARR, na sigla em inglês), divulgado em 2004.
“Essa talvez tenha sido a experiência
mais bem-sucedida até agora de colaboração da ciência e dos conhecimentos
tradicionais e locais”, avaliou Carneiro da Cunha. “É importante que os
cientistas conheçam o que se faz nas comunidades tradicionais e, por sua vez,
os povos tradicionais também conheçam o que se faz nos laboratórios científicos”,
disse.
Por Racismo Ambiental (RA),
28/07/2013 12:18 (in Folha/Uol)
Em
texto de 1925, inédito em português, Walter Benjamin fala de armas químicas,
como o gás lacrimogêneo, e prevê sua vulgarização. Editado pelo jornal
“Vossische Zeitung” sem sua assinatura, o artigo foi catalogado pelo filósofo entre
suas obras publicadas e sairá no Brasil no livro “O Capitalismo como Religião”,
da Boitempo. Tradução: Nélio Schneider.
As designações
anteriores(1) serão tão populares na próxima guerra quanto “trincheira”,
“submarino”, “Berta Gorda”(2) e “tanque” foram na passada. Para os
vocábulos químicos difíceis de pronunciar serão adotadas em poucos dias cômodas
abreviações. E essas expressões, promovidas em poucas horas a uma atualidade
jamais imaginada, superarão em popularidade o vocabulário de todos os
relatórios dos fronts escritos de
1914 a 1918.
Elas dizem respeito a cada
pessoa diretamente. A guerra vindoura terá um front espectral. Um front que
será deslocado fantasmagoricamente ora para esta, ora para aquela metrópole,
para suas ruas, diante da porta de cada uma de suas casas. Ademais, essa
guerra, a guerra do gás que vem dos ares, representará um risco literalmente
“de tirar o fôlego”, em que esse termo assumirá um sentido até agora
desconhecido. Porque sua peculiaridade estratégica mais incisiva reside nisto:
ser a forma mais pura e radical de guerra ofensiva. Não há defesa eficiente
contra os ataques com gás pelo ar. Até mesmo as medidas privadas de proteção,
as máscaras antigás, falham na maioria dos casos.
Por conseguinte, o ritmo do
conflito bélico vindouro será ditado pela tentativa não só de defender-se mas
também de suplantar os terrores provocados pelo inimigo por terrores dez vezes
maiores. Em consequência, é irrelevante quando teóricos mais bem intencionados
acenam com a perspectiva “humana” do gás lacrimogêneo, e até procuram criar
simpatia pela guerra com o gás, comparando-a com a guerra aérea com materiais
explosivos.
Outros já têm a visão mais
aguçada, quando colocam de antemão e em primeiro plano, como motivo para o
ataque com gás (cuja importância crescente já foi ensinada pela guerra
passada), o seguinte: a finalidade última das ações da frota aérea deve ser
destruir a vontade de resistência inimiga. Alguns poucos “raids” [ataques]
devem infundir na população dos centros inimigos um terror inconsciente tal que
malogre qualquer apelo à organização da resistência. O terror deve ser algo
similar à psicose.
Uma imagem que nada tem das
utopias de Wells e Júlio Verne: nas ruas de Berlim, espalha-se sob o belo e
radiante céu primaveril um cheiro parecido com o das violetas. Isso dura alguns
minutos. Logo em seguida, o ar se tornará sufocante. Quem não lograr escapar da
sua esfera de ação nos minutos seguintes não conseguirá mais reconhecer nada,
perderá momentaneamente a visão.
E, se ainda não for bem-sucedido
na fuga ou se nenhum transporte o recolher, morrerá sufocado. Tudo isso poderá
suceder um dia sem que se veja no céu qualquer aeronave nem se perceba o ronco
de uma hélice. O céu poderá estar claro e o sol brilhando, mas invisível e
inaudível, a uma altitude de 5.000 metros, paira um esquadrão aéreo respingando
cloroacetofenona, gás lacrimogêneo, o “mais humano” dos novos recursos que,
como se sabe, já teve certa importância nos ataques com gás da última guerra.
Não há meio confiável que
permita perceber a presença dos esquadrões entre cinco e seis quilômetros acima
da superfície da Terra. Ao menos publicamente não se conhece nenhum. É que a
“ouverture” abafada que há anos está sendo executada nos laboratórios químicos
e técnicos só chega aos ouvidos do público em forma de dissonâncias isoladas.
Esporadicamente fica-se sabendo
de coisas, como da invenção de um receptor acústico muito sensível, capaz de
registrar o ronco de hélices a grandes distâncias. E alguns meses depois
ouve-se falar da invenção de uma aeronave silenciosa.
Alguns fatos que o
correspondente de guerra norte-americano William G. Shepherd divulga no
“Liberty” sobre a “aplicabilidade” do parque aeronáutico francês na guerra são
ilustrativos.
A França possui hoje pelo menos
2.500 aeronaves no serviço ativo à paz; há mais na reserva. A tonelagem total
das forças aéreas francesas, dependendo da altitude de voo, comporta entre 600
e 3.000 toneladas. Shepherd põe Londres como alvo. O centro de Londres, sede de
todos os institutos vitais do Império Britânico, cobre quatro milhas quadradas
inglesas. Para se tornar inabitável por vários meses, essa área exige a
aplicação de 120 toneladas de sulfeto de dicloroetila, o gás mostarda.
Considerando que sobre esse
território podem voar ao mesmo tempo -dentro da mesma camada atmosférica,
naturalmente- no máximo 250 aviadores, cada um deles carregando pelo menos 250
quilos, e que esse esquadrão despeje uma tonelada por minuto, o coração do
império mundial britânico -sempre de acordo com a abordagem de Shepherd- terá
parado de bater após dois minutos.
INÉRCIA
O aspecto problemático dessas
exposições é que a fantasia humana se recusa a acompanhá-las, e justamente a
monstruosidade do destino ameaçador se torna um pretexto para a inércia mental.
Sua tentativa de convencimento sempre resulta em que uma guerra dessas ou é de
todo “impossível” ou seria de extrema brevidade. Na verdade, essa guerra só
terminaria num breve instante se a respectiva base dos esquadrões aeronáuticos
fosse conhecida dos combatentes.
Não é esse o caso. Pois essa
base de modo algum precisa situar-se em terra. Em algum lugar do oceano, as
aeronaves podem alçar voo de navios porta-aviões, que mudam constantemente sua
localização sobre as águas.
Com o que se parecem os gases
venenosos, cuja aplicação pressupõe a suspensão de todos os movimentos humanos?
Conhecemos 17 até agora, dos quais o gás mostarda e a lewisita são os mais
importantes.
As máscaras antigases não
oferecem proteção contra eles. O gás mostarda corrói a carne e, quando não
acarreta diretamente a morte, produz queimaduras cuja cura demanda três meses.
Esse gás permanece virulento durante meses em objetos que entraram em contato
com ele. Nas regiões que alguma vez foram alvo de um ataque com gás mostarda,
meses depois, cada pisada no solo, cada maçaneta de porta e cada faca de pão
ainda podem provocar a morte.
O gás mostarda, a exemplo de
muitos outros gases venenosos, torna todos os víveres incomestíveis e envenena
a água. Os estrategistas imaginam assim a utilização desse recurso: certos
distritos taticamente importantes devem ser cercados com barreiras de gás
mostarda ou então de difenilamina cloroarsina.
Dentro dessas barreiras tudo
perece e nada consegue passar por elas. Desse modo, casas, cidades, campos
podem ser preparados de tal forma que, durante meses, nenhuma vida animal ou
vegetal é capaz de medrar neles. Nem é preciso dizer que, no caso da guerra com
gás, cai por terra a diferenciação entre população civil e população combatente
e, desse modo, um dos fundamentos mais sólidos do direito dos povos.
A lewisita é um veneno à base de
arsênico que penetra imediatamente no sangue, matando de forma irremediável e
súbita tudo o que atinge. Durante meses todas as áreas atingidas por ataques
com esse gás ficam empestadas de cadáveres. Naturalmente não existe proteção
contra ele em tais regiões: porões subterrâneos, que protegem quando muito de
bombas explosivas, trazem a morte certa no caso de ataques com gás, porque o
gás, pesado, tende para os lugares mais baixos.
Ora, como se sabe, o Comitê
Central da Liga das Nações instituiu uma Comissão para o Estudo da Guerra
Química e Bacteriológica. Dessa comissão participaram autoridades
internacionais. Seu relatório não foi tratado com a devida consideração. A
grande política ainda prioriza problemas de armamentismo e desarmamento cuja
relevância se desfaz no ar frente aos fatos referentes aos preparativos para a
guerra química.
A persistência com que, na
execução do Tratado de Versalhes pela Alemanha, foram questionados ridículos
requisitos militares não tem só um aspecto desagradável mas sobretudo algo de
sumamente perigoso. Porque ela desvia a atenção pública do único problema atual
do militarismo internacional.
-
WALTER
BENJAMIN (1892-1940), filósofo e crítico literário alemão,
autor de “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”.
NÉLIO
SCHNEIDER, 52, tradutor do alemão especialista na área de ciências
humanas, assina a versão em português de novo livro de ensaios de Walter
Benjamin, a sair pela Boitempo, “O Capitalismo como Religião”.
Notas
1. Cloroacetofenona,
difenilamina cloroarsina e sulfeto de dicloroetila são os nomes dos compostos
químicos usados como armas; eles integravam o subtítulo original do artigo de
Benjamin, daí a menção às “designações anteriores”.
2. “Dicke Berta”, em alemão, era o apelido de um morteiro de 42 centímetros,
desenvolvido pela firma alemã Krupp para a Primeira Guerra Mundial. (N.T.)
Enviada para Combate Racismo
Ambiental por José Carlos.
Marilena Chauí: O
inferno urbano e a política do favor, tutela e cooptação
publicado em 27 de
junho de 2013 às 15:30 As manifestações de junho de 2013 na
cidade de São Paulo por Marilena Chaui, na
revista Teoria e Debate
Observações preliminares
O que segue não são reflexões sobre todas as manifestações ocorridas no país,
mas focalizam principalmente as ocorridas na cidade de São Paulo, embora
algumas palavras de ordem e algumas atitudes tenham sido comuns às
manifestações de outras cidades (a forma da convocação, a questão da tarifa do
transporte coletivo como ponto de partida, a desconfiança com relação à
institucionalidade política como ponto de chegada) bem como o tratamento dado a
elas pelos meios de comunicação (condenação inicial e celebração final, com
criminalização dos “vândalos”) permitam algumas considerações mais gerais a
título de conclusão.
O estopim das manifestações paulistanas foi o aumento da tarifa do transporte
público e a ação contestatória da esquerda com o Movimento Passe Livre (MPL),
cuja existência data de 2005 e é composto por militantes de partidos de
esquerda. Em sua reivindicação especifica, o movimento foi vitorioso sob dois
aspectos: 1. conseguiu a redução da tarifa; 2. definiu a questão do transporte
público no plano dos direitos dos cidadãos e, portanto, afirmou o núcleo da
prática democrática, qual seja, a criação e defesa de direitos por intermédio
da explicitação (e não do ocultamento) dos conflitos sociais e políticos.
O inferno urbano
Não foram poucos os que, pelos meios de comunicação, exprimiram sua
perplexidade diante das manifestações de junho de 2013: de onde vieram e por
que vieram se os grandes problemas que sempre atormentaram o país (desemprego,
inflação, violência urbana e no campo) estão com soluções bem encaminhadas e
reina a estabilidade política? As perguntas são justas, mas a perplexidade,
não, desde que voltemos nosso olhar para um ponto que foi sempre o foco
dos movimentos populares: a situação da vida urbana nas grandes metrópoles
brasileiras.
Quais os traços mais marcantes da cidade de São Paulo nos últimos anos e que,
sob certos aspectos, podem ser generalizados para as demais? Resumidamente,
podemos dizer que são os seguintes:
– explosão do uso do automóvel individual: a mobilidade urbana se tornou quase
impossível, ao mesmo tempo em que a cidade se estrutura com um sistema viário
destinado aos carros individuais em detrimento do transporte coletivo, mas nem
mesmo esse sistema é capaz de resolver o problema;
– explosão imobiliária com os grandes condomínios (verticais e horizontais) e
shopping centers, que produzem uma densidade demográfica praticamente
incontrolável além de não contar com uma redes de água, eletricidade e esgoto,
os problemas sendo evidentes, por exemplo, na ocasião de chuvas;
– aumento da exclusão social e da desigualdade com a expulsão dos moradores das
regiões favorecidas pelas grandes especulações imobiliárias e o conseqüente
aumento das periferias carentes e de sua crescente distância com relação aos
locais de trabalho, educação e serviços de saúde. (No caso de São Paulo, como
aponta Hermínia Maricatto, deu-se a ocupação das regiões de mananciais, pondo
em risco a saúde de toda a população); em resumo: degradação da vida cotidiana
das camadas mais pobres da cidade;
– o transporte coletivo indecente, indigno e mortífero. No caso de São
Paulo, sabe-se que o programa do metrô previa a entrega de 450 k de vias
até 1990; de fato, até 2013, o governo estadual apresenta 90 k. Além
disso, a frota de trens metroviários não foi ampliada, está envelhecida e mal
conservada; além da insuficiência quantitativa para atender a demanda, há
atrasos constantes por quebra de trens e dos instrumentos de controle das
operações. O mesmo pode ser dito dos trens da CPTU, que também são de
responsabilidade do governo estadual.
No caso do transporte por ônibus, sob responsabilidade municipal, um cartel
domina completamente o setor sem prestar contas a ninguém: os ônibus são feitos
com carrocerias destinadas a caminhões, portanto, feitos para transportar
coisas e não pessoas; as frotas estão envelhecidas e quantitativamente
defasadas com relação às necessidades da população, sobretudo as das periferias
da cidade; as linhas são extremamente longas porque isso as torna mais
lucrativas, de maneira que os passageiros são obrigados a trajetos absurdos,
gastando horas para ir ao trabalho, às escolas, aos serviços de saúde e voltar
para casa; não há linhas conectando pontos do centro da cidade nem linhas inter-bairros,
de maneira que o uso do automóvel individual se torna quase inevitável para
trajetos menores.
Em resumo: definidas e orientadas pelos imperativos dos interesses privados, as
montadoras de veículos, empreiteiras da construção civil e empresas de transporte
coletivo dominam a cidade sem assumir qualquer responsabilidade pública,
impondo o que chamo de inferno urbano.
2. As manifestações paulistanas
A tradição de lutas
Recordando: A cidade de São Paulo (como várias das grandes cidades brasileiras)
tem uma tradição histórica de revoltas populares contra as péssimas condições
do transporte coletivo, isto é, a tradição do quebra-quebra quando,
desesperados e enfurecidos, os cidadãos quebram e incendeiam ônibus e trens (à
maneira do que faziam os operários no início da Segunda Revolução Industrial,
quando usavam os tamancos de madeira – em francês, os sabots – para quebrar as
máquinas – donde a palavra francesa sabotage, sabotagem). Entretanto, não foi
este o caminho tomado pelas manifestações atuais e valeria a pena indagar por
que. Talvez porque, vindo da esquerda, o MPL politiza explicitamente a
contestação, em vez de politiza-la simbolicamente, como faz o quebra-quebra.
Recordando: Nas décadas de 1970 a 1990, as organizações de classe (sindicatos,
associações, entidades) e os movimentos sociais e populares tiveram um papel
político decisivo na implantação da democracia no Brasil pelos seguintes
motivos:
1. introdução da idéia de direitos sociais, econômicos e culturais para além
dos direitos civis liberais;
2. afirmação da capacidade auto-organizativa da sociedade;
3. introdução da prática da democracia participativa como condição da
democracia representativa a ser efetivada pelos partidos políticos. Numa
palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos
populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas
e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais
de suas demandas.
Isso quase desapareceu da cena histórica como efeito do neoliberalismo, que
produziu:
1. fragmentação, terceirização e precarização do trabalho (tanto industrial
como de serviços) dispersando a classe trabalhadora, que se vê diante do
risco da perda de seus referenciais de identidade e de luta;
2. refluxo dos movimentos sociais e populares e sua substituição pelas ONGs,
cuja lógica é distinta daquela que rege os movimentos sociais;
3. surgimento de uma nova classe trabalhadora heterogênea, fragmentada, ainda
desorganizada e que por isso ainda não tem suas próprias formas de luta e não
se apresenta no espaço público e que por isso mesmo é atraída e devorada por
ideologias individualistas como a “teologia da prosperidade” (do
pentecostalismo) e a ideologia do “empreendedorismo” (da classe média), que estimulam
a competição, o isolamento e o conflito inter-pessoal, quebrando formas
anteriores de sociabilidade solidária e de luta coletiva.
Erguendo-se contra os efeitos do inferno urbano, as manifestações guardaram da
tradição dos movimentos sociais e populares a organização horizontal, sem
distinção hierárquica entre dirigentes e dirigidos. Mas, diversamente dos
movimentos sociais e populares, tiveram uma forma de convocação que as
transformou num movimento de massa, com milhares de manifestantes nas ruas.
O pensamento mágico
A convocação foi feita por meio das redes sociais. Apesar da celebração
desse tipo de convocação, que derruba o monopólio dos meios de comunicação de
massa, entretanto é preciso mencionar alguns problemas postos pelo uso
dessas redes, que possui algumas características que o aproximam dos
procedimentos da midia:
a. é indiferenciada: poderia ser para um show da Madonna, para uma maratona
esportiva, etc. e calhou ser por causa da tarifa do transporte público;
b. tem a forma de um evento, ou seja, é pontual, sem passado, sem futuro e sem
saldo organizativo porque, embora tenha partido de um movimento social (o MPL),
à medida que cresceu passou á recusa gradativa da estrutura de um movimento
social para se tornar um espetáculo de massa. (Dois exemplos confirmam isso: a
ocupação de Wall Street pelos jovens de Nova York e que, antes de se dissolver,
se tornou um ponto de atração turística para os que visitavam a cidade; e o
caso do Egito, mais triste, pois com o fato das manifestações permanecerem como
eventos e não se tornarem uma forma de auto-organização política da sociedade,
deram ocasião para que os poderes existentes passassem de uma ditadura para
outra);
c. assume gradativamente uma dimensão mágica, cuja origem se encontra na natureza
do próprio instrumento tecnológico empregado, pois este opera magicamente, uma
vez que os usuários são, exatamente, usuários e, portanto, não possuem o
controle técnico e econômico do instrumento que usam – ou seja, deste ponto de
vista, encontram-se na mesma situação que os receptores dos meios de
comunicação de massa.
A dimensão é mágica porque, assim como basta apertar um botão para tudo
aparecer, assim também se acredita que basta querer para fazer acontecer. Ora,
além da ausência de controle real sobre o instrumento, a magia repõe um dos
recursos mais profundos da sociedade de consumo difundida pelos meios de
comunicação, qual seja, a idéia de satisfação imediata do desejo, sem qualquer
mediação;
d. a recusa das mediações institucionais indica que estamos diante de uma ação
própria da sociedade de massa, portanto, indiferente à determinação de
classe social; ou seja, no caso presente, ao se apresentar como uma ação da
juventude, o movimento assume a aparência de que o universo dos
manifestantes é homogêneo ou de massa, ainda que, efetivamente, seja
heterogêneo do ponto de vista econômico, social e político, bastando lembrar
que as manifestações das periferias não foram apenas de “juventude” nem de
classe média, mas de jovens, adultos, crianças e idosos da classe trabalhadora.
No ponto de chegada, as manifestações introduziram o tema da corrupção política
e a recusa dos partidos políticos. Sabemos que o MPL é constituído por
militantes de vários partidos de esquerda e, para assegurar a unidade do
movimento, evitou a referência aos partidos de origem.
Por isso foi às ruas sem definir-se como expressão de partidos políticos e, em
São Paulo, quando, na comemoração da vitória, os militantes partidários
compareceram às ruas foram execrados, espancados, e expulsos como oportunistas
– sofreram repressão violenta por parte da massa. Ou seja, alguns manifestantes
praticaram sobre outros a violência que condenaram na polícia.
A crítica às instituições políticas não é infundada, mas possui base
concreta:
a. no plano conjuntural: o inferno urbano é, efetivamente, responsabilidade dos
partidos políticos governantes;
b. no plano estrutural: no Brasil, sociedade autoritária e excludente, os
partidos políticos tendem a ser clubes privados de oligarquias locais, que usam
o público para seus interesses privados; a qualidade dos legislativos nos três
níveis é a mais baixa possível e a corrupção é estrutural; como
consequência, a relação de representação não se concretiza porque vigoram
relações de favor, clientela, tutela e cooptação;
c. a crítica ao PT: de ter abandonado a relação com aquilo que determinou
seu nascimento e crescimento, isto é, o campo das lutas sociais
auto-organizadas e ter-se transformado numa máquina burocrática e eleitoral
(como têm dito e escrito muitos militantes ao longo dos últimos 20 anos).
Isso, porém, embora explique a recusa, não significa que esta tenha sido
motivada pela clara compreensão do problema por parte dos manifestantes. De
fato, a maioria deles não exprime em suas falas uma análise das causas desse
modo de funcionamento dos partidos políticos, qual seja, a estrutura
autoritária da sociedade brasileira, de um lado, e, de outro, o sistema
político-partidário montado pelos casuímos da ditadura. Em lugar de lutar por
uma reforma política, boa parte dos manifestantes recusa a legitimidade do
partido político como instituição republicana e democrática.
Assim, sob este aspecto, apesar do uso das redes sociais e da crítica aos meios
de comunicação, a maioria dos manifestantes aderiu à mensagem ideológica
difundida anos a fio pelos meios de comunicação de que os partidos são
corruptos por essência.
Como se sabe, essa posição dos meios de comunicação tem a finalidade de lhes
conferir o monopólio das funções do espaço público, como se não fossem
empresas capitalistas movidas por interesses privados.
Dessa maneira, a recusa dos meios de comunicação e as críticas a eles
endereçadas pelos manifestantes não impediram que grande parte deles aderisse à
perspectiva da classe média conservadora difundida pela mídia a respeito da
ética.
De fato, a maioria dos manifestantes, reproduzindo a linguagem midiática, falou
de ética na política (ou seja, a transposição dos valores do espaço privado
para o espaço público), quando, na verdade, se trataria de afirmar a ética da
política (isto é, valores propriamente públicos), ética que não depende das
virtudes morais das pessoas privadas dos políticos e sim da qualidade das
instituições públicas enquanto instituições republicanas.
A ética da política, no nosso caso, depende de uma profunda reforma política
que crie instituições democráticas republicanas e destrua de uma vez por todas
a estrutura deixada pela ditadura, que força os partidos políticos a coalizões
absurdas se quiserem governar, coalizões que comprometem o sentido e a
finalidade de seus programas e abrem as comportas para a corrupção.
Em lugar da ideologia conservadora e midiática de que, por definição e por
essência, a política é corrupta, trata-se de promover uma prática inovadora
capaz de criar instituições públicas que impeçam a corrupção, garantam a
participação, a representação e o controle dos interesses públicos e dos
direitos pelos cidadãos. Numa palavra, uma invenção democrática.
Ora, ao entrar em cena o pensamento mágico, os manifestantes deixam de lado
que, até que uma nova forma da política seja criada num futuro distante quando,
talvez, a política se realizará sem partidos, por enquanto, numa república
democrática (ao contrário de uma ditadura) ninguém governa sem um partido, pois
é este que cria e prepara quadros para as funções governamentais para
concretização dos objetivos e das metas dos governantes eleitos.
Bastaria que os manifestantes se informassem sobre o governo Collor para
entender isso: Collor partiu das mesmas afirmações feitas por uma parte dos
manifestantes (partido político é coisa de “marajá” e é corrupto) e se
apresentou como um homem sem partido. Resultado: a) não teve quadros para
montar o governo, nem diretrizes e metas coerentes e b) deu feição autocrática
ao governo, isto é, “o governo sou eu”. Deu no que deu.
Além disso, parte dos manifestantes está adotando a posição ideológica
típica da classe média, que aspira por governos sem mediações institucionais e,
portanto, ditatoriais. Eis porque surge a afirmação de muitos manifestantes,
enrolados na bandeira nacional, de que “meu partido é meu país”, ignorando,
talvez, que essa foi uma das afirmações fundamentais do nazismo contra os
partidos políticos.
Assim, em lugar de inventar uma nova política, de ir rumo a uma invenção
democrática, o pensamento mágico de grande parte dos manifestantes se ergueu
contra a política, reduzida à figura da corrupção. Historicamente, sabemos onde
isso foi dar.
E por isso não nos devem surpreender, ainda que devam nos alarmar, as imagens
de jovens militantes de partidos e movimentos sociais de esquerda espancados e
ensangüentados durante a manifestação de comemoração da vitória do MPL.
Já vimos essas imagens na Itália dos anos 1920, na Alemanha dos anos 1930 e no
Brasil dos anos 1960-1970.
Conclusão provisória
Do ponto de vista simbólico, as manifestações possuem um sentido importante que
contrabalança os problemas aqui mencionados.
Não se trata, como se ouviu dizer nos meios de comunicação, que finalmente os
jovens abandonaram a “bolha” do condomínio e do shopping center e decidiram
ocupar as ruas (já podemos prever o número de novelas e mini-séries que usarão
essa idéia para incrementar o programa High School Brasil, da Rede Globo).
Simbolicamente, malgrado eles próprios e malgrado suas afirmações explícitas
contra a política, os manifestantes realizaram um evento político: disseram não
ao que aí está, contestando as ações dos poderes executivos municipais,
estaduais e federal, assim como as do poder legislativo nos três níveis.
Praticando a tradição do humor corrosivo que percorre as ruas, modificaram o
sentido corriqueiro das palavras e do discurso conservador por meio da inversão
das significações e da irreverência, indicaram uma nova possibilidade de práxis
política, uma brecha para repensar o poder, como escreveu um filósofo político
sobre os acontecimentos de maio de 1968 na Europa.
Justamente porque uma nova possibilidade política está aberta, algumas
observações merecem ser feitas para que fiquemos alertas aos riscos de
apropriação e destruição dessa possibilidade pela direita conservadora e
reacionária.
Comecemos por uma obviedade: como as manifestações são de massa (de juventude,
como propala a mídia) e não aparecem em sua determinação de classe social, que,
entretanto, é clara na composição social das manifestações das periferias
paulistanas, é preciso lembrar que uma parte dos manifestantes não vive nas
periferias das cidades, não experimenta a violência do cotidiano experimentada
pela outra parte dos manifestantes.
Com isso, podemos fazer algumas
indagações.
Por exemplo: os jovens manifestantes de classe média que vivem nos condomínios
têm idéia de que suas famílias também são responsáveis pelo inferno urbano (o
aumento da densidade demográfica dos bairros e a expulsão dos moradores
populares para as periferias distantes e carentes)? Os jovens manifestantes de
classe média que, no dia em que fizeram 18 anos, ganharam de presente um
automóvel (ou estão na expectativa do presente quando completarem essa idade),
têm idéia de que também são responsáveis pelo inferno urbano? Não é paradoxal,
então, que se ponham a lutar contra aquilo que é resultado de sua própria ação
(isto é, de suas famílias), mas atribuindo tudo isso à política corrupta, como
é típico da classe média?
Essas indagações não são gratuitas nem expressão de má-vontade a respeito das
manifestações de 2013. Elas têm um motivo político e um lastro histórico.
Motivo político: assinalamos anteriormente o risco de apropriação das
manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível
evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas
perguntas:
1. estão dispostos a lutar contra as ações que causam o inferno urbano e,
portanto, enfrentar pra valer o poder do capital de montadoras, empreiteiras e
cartéis de transporte que, como todo sabem não se relacionam
pacificamente (para dizer o mínimo) com demandas sociais?
2. estão dispostos a abandonar a suposição de que a política se faz magicamente
sem mediações institucionais?
3. estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de
inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana,
participativa?
4. estão dispostos a não reduzir sua participação a um evento pontual e efêmero
e a não se deixar seduzir pela imagem que deles querem produzir os meios de
comunicação?
Lastro histórico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dos movimentos
populares e dos compromissos com a justiça social, propôs a Tarifa Zero para o
transporte público de São Paulo, ela explicou à sociedade que a tarifa
precisava ser subsidiada pela Prefeitura e que ela não faria o subsídio
implicar em cortes nos orçamentos de educação, saúde, moradia e assistência
social, isto é, dos programas sociais prioritários de seu governo.
Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC (explicação
para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal de transporte) e forçou os
empresários privados a renovar sua frota.
Depois disso, em inúmeras audiências públicas, ela apresentou todos os dados e
planilhas da CMTC e obrigou os empresários das companhias privadas de
transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a sociedade ficou
plenamente informada quanto aos recursos que seriam necessários para o
subsídio.
Ela propôs, então, que o subsídio viesse de uma mudança tributária: o IPTU
progressivo, isto é, o imposto predial seria aumentado para os imóveis dos mais
ricos, que contribuiriam para o subsídio juntamente com outros recursos da
Prefeitura.
Na medida que os mais ricos, como pessoas privadas, têm serviçais domésticos
que usam o transporte público, e, como empresários, têm funcionários usuários
desse mesmo transporte, uma forma de realizar a transferência de renda, que é
base da justiça social, seria exatamente fazer com que uma parte do subsídio
viesse do novo IPTU.
Os jovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantes
fecharam ruas inteiras, empresários ameaçaram lockout das empresas, nos
“bairros nobres” foram feitas manifestações contra o “totalitarismo
comunista” da prefeita e os poderosos da cidade “negociaram” com os vereadores
a não aprovação do projeto de lei.
A Tarifa Zero não foi implantada. Discutida na forma de democracia
participativa, apresentada com lisura e ética política, sem qualquer mancha
possível de corrupção, a proposta foi rejeitada.
Esse lastro histórico mostra o limite do pensamento mágico, pois não basta
ausência de corrupção, como imaginam os manifestantes, para que tudo aconteça
imediatamente da melhor maneira e como se deseja.
Cabe uma última observação: se não levarem em consideração a divisão social das
classes, isto é, os conflitos de interesses e de poderes econômico-sociais na
sociedade, os manifestantes não compreenderão o campo econômico-político no
qual estão se movendo quando imaginam estar agindo fora da política e contra
ela.
Entre os vários riscos dessa imaginação, convém lembrar aos manifestantes que
se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a
defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos
mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de
direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina.
E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência.
Chauí: a opinião dos
especialistas passa a ter o valor de um fato
Chauí: PiG (partido da imprensa golpista *) produz culpas e condena sumariamente
Publicado em 30/08/2012
Leia a antológica palestra de Marilena Chauí.
Num evento em defesa da liberdade de expressão e por uma Ley de Medios,
realizado no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, nessa segunda feira, a
professora Marilena Chauí fez uma palestra antológica.
I. Democracia e autoritarismo social
Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da
lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o
pensamento e a prática liberais identificam a liberdade com a ausência de
obstáculos à competição, essa definição da democracia significa, em primeiro
lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica da chamada “livre
iniciativa” e à competição política entre partidos que disputam eleições; em
segundo, que embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como
“bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida no plano do poder
executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a
direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz,
baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta
no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos
governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.
Ora, há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e
uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo percebe e deixa
perceber.
Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia ultrapassando a
simples idéia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a
como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:
1. forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia ( igualdade dos
cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para exporem público suas opiniões, vê-las
discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de
que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um
outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores
diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia
representativa). Donde o maior problema da democracia numa sociedade de classes
ser o da manutenção de seus princípios – igualdade e liberdade – sob os efeitos
da desigualdade real;
2. forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o conflito é
considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que
possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos
e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas sociedades de
classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a forma da
contradição e não a da mera oposição?
3. forma sócio-política que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas
conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das
desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência
de contradições materiais introduzindo, para isso, a idéia dos direitos (
econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais
conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a
participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos.
Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque
são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos,
novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por
toda a sociedade.
4. graças à idéia e à prática da criação de direitos, a democracia não define a
liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à ação, mas a define pela
autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais e políticos darem a si
mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se, portanto, de uma
definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o não-constrangimento
externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas regras e normas de
ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir contra-poderes sociais por
meio dos quais interferem diretamente no poder por meio de reivindicações e
controle das ações estatais.
5. pela criação dos direitos, a democracia surge como o único regime político
realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como
parte de sua existência e, conseqüentemente, a temporalidade é constitutiva de
seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade verdadeiramente
histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo.
Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contra-poderes
sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre
determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas,
de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se pela própria práxis;
6. única forma sócio-política na qual o caráter popular do poder e das lutas
tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em que os direitos
só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das classes populares
contra a cristalização jurídico-política que favorece a classe dominante. Em
outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo sua passagem de
democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de que somente as
classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam direitos e criam
novos direitos;
7. forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida
não só pela presença de leis e pela divisão de várias esferas de autoridade,
mas também pela existência das eleições, pois estas ( contrariamente do que
afirma a ciência política) não significammera “alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre
vazio, que seu detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por
haver recebido um mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos
políticos não são simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só
exercer o poder, mas manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado
pelos romanos quando inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que
se possui, porque ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se
soberano para escolher ocupantes temporários do governo.
Dizemos, então, que uma sociedade — e não um simples regime de governo — é
democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três
poderes da república, respeito à vontade da maioria e da minoria, institui algo
mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando
institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira
que a atividade democrática social realiza-se como uma contra-poder social que
determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos
governantes.
Se esses são os principais traços da sociedade democrática, podemos avaliar as
enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil. De fato, a
sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica, vertical,
autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial, organizado
segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia a prática
democrática da representação— o
representante não é visto como portador de um mandato dos representados, mas
como provedor de favores aos eleitores. A burocracia bloqueia a democratização
do Estado porque não é uma organização do trabalho e sim uma forma de poder
fundada em três princípios opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à
igualdade; o segredo, oposto ao direito à informação; e a rotina de
procedimentos, oposta à abertura temporal da ação política.
Além disso, social e economicamente nossa sociedade está polarizada entre a
carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas
dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da
democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode
generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência
é uma falta também particular ou específica que se exprime numa demanda também
particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se.
Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e
específico, mas geral e universal,seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e
classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como
é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização
econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à
instituição de direitos, definidora da democracia.
A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele decorrente do
neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o alargamento do
espaço privado. Economicamente, trata-se daeliminação de direitos econômicos, sociais e políticos
garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados da classe
dominante, isto é, em proveito docapital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar
os fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos
públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços
definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos
transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a
carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o
encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o
bloqueio a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida
como participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o
direito à informação.
II. Os meios de comunicação como
exercício de poder
Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob
dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.
Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem parte da indústria
cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no mercado e que,
hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas mudanças
estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias
globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio
Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio),
também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que
não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos
e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos,
indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de
armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo
afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais
de internet, satélites, etc..
No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é inseparável da forma
oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos fenômenos mais contrários à
democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou de “coronelismo eletrônico”,
isto é, a forma privatizada das concessões públicas de canais de rádio e
televisão, concedidos a parlamentares e lobbies privados, de tal maneira que
aqueles que deveriam fiscalizar as concessões públicas se tornam
concessionários privados, apropriando-se de um bem público para manter
privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse privilégio é um
poder político que se ergue contra dois direitos democráticos essenciais: a
isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o
igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas opiniões
publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania democrática
exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e intervir
politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de
comunicação.
A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico
dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista ideológico, a mídia exerce
o poder sob a forma do denominamos a ideologia da competência, cuja
peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal do
discurso do conhecimento, e cuja eficácia social, política e cultural está
fundada na crença na racionalidade técnico-científica.
A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é
qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer
coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o
direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina os lugares e as
circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define previamente a forma e
o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como
fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores
de um saber ou de um conhecimento (científico, técnico, religioso, político,
artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os
desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a ideologia da
competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem e por
isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e por isso obedecem.
Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a figura do
especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não
cessam de institui-la como sujeito da comunicação. O especialista competente é
aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou no multimídia, divulga
saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou nos ensinando a agir,
pensar, sentir e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo,
jardinagem, culinária, educação das crianças, decoração da casa, boas maneiras,
uso de roupas apropriadas em horas e locais apropriados, como amar Jesus e
ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um corpo juvenil e saudável, como
ganhar dinheiro e subir na vida.O
principal especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é
uma espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele
que explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais,
políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e
rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros— em suma, o chamado “formador de opinião” e o
“comunicador”.
Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é um simples inculcação de
valores e idéias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e
fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicados nos dizem que nada
sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e intimidação social e
cultural.
Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de comunicação se
manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e condenação
sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico profundo: a
suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. Ao se referir ao período do
Terror, durante a Revolução Francesa,Hegel considerou que uma de suas marcas essenciais é afirmar que, por
princípio, todos são suspeitos e que os suspeitos são culpados antes de
qualquer prova. Ao praticar o terror, a mídia fere dois direitos
constitucionais democráticos, instituídos pela Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, de 1789 (Revolução Francesa) e pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, quais sejam: a presunção de inocência (ninguém pode
ser considerado culpado antes da prova da culpa) e a retratação pública dos
atingidos por danos físicos, psíquicos e morais, isto é, atingidos pela
infâmia, pela injúria e pela calúnia. É para assegurar esses dois direitos que
as sociedades democráticas exigem leis para regulação dos meios de comunicação,
pois essa regulação é condição da liberdade e da igualdade que definem a
sociedade democrática.
III.
Faz parte da vida da grande maioria da população brasileira ser espectadora de
um tipo de programa de televisão no qual a intimidade das pessoas é o objeto
central do espetáculo: programas de auditório, de entrevistas e de debates com
adultos, jovens e crianças contando suas preferências pessoais desde o sexo até
o brinquedo, da culinária ao vestuário, da leitura à religiosidade, do ato de
escrever ou encenar uma peça teatral, de compor uma música ou um balé até os
hábitos de lazer e cuidados corporais.
As ondas sonoras do rádio e as transmissões televisivas tornam-se cada vez mais
consultórios sentimental, sexual, gastronômico, geriátrico, ginecológico,
culinário, de cuidados com o corpo (ginástica, cosméticos, vestuário,
medicamentos), de jardinagem, carpintaria, bastidores da criação artística,
literária e da vida doméstica. Há programas de entrevista no rádio e na
televisão que ou simulam uma cena doméstica – um almoço, um jantar – ou se
realizam nas casas dos entrevistados durante o café da manhã, o almoço ou o
jantar, nos quais a casa é exibida, os hábitos cotidianos são descritos e
comentados, álbuns de família ou a própria são mostrados ao vivo e em cores. Os
entrevistados e debatedores, os competidores dos torneios de auditório, os que
aparecem nos noticiários, todos são convidados e mesmo instados com vigor a que
falem de suas preferências, indo desde sabores de sorvete até partidos
políticos, desde livros e filmes até hábitos sociais. Não é casual que os
noticiários, no rádio e na televisão, ao promoverem entrevistas em que a
notícia é intercalada com a fala dos direta ou indiretamente envolvidos no
fato, tenham sempre repórteres indagando a alguém: “o que você sentiu/sente com
isso?” ou “o que você achou/acha disso?” ou “você gosta? não gosta disso?”. Não
se pergunta aos entrevistados o que pensam ou o que julgam dos acontecimentos,
mas o que sentem, o que acham, se lhes agrada ou desagrada.
Também tornou-se um hábito nacional jornais e revistas especializarem-se cada
vez mais em telefonemas a “personalidades” indagando-lhes sobre o que estão
lendo no momento, que filme foram ver na última semana, que roupa usam para
dormir, qual a lembrança infantil mais querida que guardam na memória, que
música preferiam aos 15 anos de idade, o que sentiram diante de uma catástrofe
nuclear ou ecológica, ou diante de um genocídio ou de um resultado eleitoral,
qual o sabor do sorvete preferido, qual o restaurante predileto, qual o perfume
desejado. Os assuntos se equivalem, todos são questão de gosto ou preferência,
todos se reduzem à igual banalidade do “gosto” ou “não gosto”, do “achei ótimo”
ou “achei horrível”.
Todos esses fatos nos conduzem a uma conclusão: a mídia está imersa na cultura
do narcisismo.
Como observa Christopher Lash, em A Cultura do Narcisismo, os mass media
tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade substituindo-as
pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e confiabilidade – para que
algo seja aceito como real basta que apareça como crível ou plausível, ou como
oferecido por alguém confiável Os fatos cedem lugar a declarações de
“personalidades autorizadas”, que não transmitem informações, mas preferências
e estas se convertem imediatamente em propaganda. Como escreve Lash, “sabendo
que um público cultivado é ávido por fatos e cultiva a ilusão de estar bem
informado, o propagandista moderno evita slogans grandiloqüentes e se atém a
‘fatos’, dando a ilusão de que a propaganda é informação”.
Qual a base de apoio da credibilidade e da confiabilidade? A resposta
encontra-se num outro ponto comum aos programas de auditório, às entrevistas,
aos debates, às indagações telefônicas de rádios, revistas e jornais, aos
comerciais de propaganda. Trata-se do apelo à intimidade, à personalidade, à
vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em outras palavras, os
códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da
vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço público e espaço privado.
Assim, as relações interpessoais, as relações intersubjetivas e as relações
grupais aparecem com a função de ocultar ou de dissimular as relações sociais
enquanto sociais e as relações políticas enquanto políticas, uma vez que a
marca das relações sociais e políticas é serem determinadas pelas instituições
sociais e políticas, ou seja, são relações mediatas, diferentemente das
relações pessoais, que são imediatas, isto é, definidas pelo relacionamento
direto entre pessoas e por isso mesmo nelas os sentimentos, as emoções, as
preferências e os gostos têm um papel decisivo. As relações sociais e
políticas, que são mediações referentes a interesses e a direitos regulados
pelas instituições, pela divisão social das classes e pela separação entre o
social e o poder político, perdem sua especificidade e passam a operar sob a
aparência da vida privada, portanto, referidas a preferências, sentimentos,
emoções, gostos, agrado e aversão.
Não é casual, mas uma conseqüência necessária dessa privatização do social e do
político, a destruição de uma categoria essencial das democracias, qual seja a
da opinião pública. Esta, em seus inícios (desde a Revolução Francesa de 1789),
era definida como a expressão, no espaço público, de uma reflexão individual ou
coletiva sobre uma questão controvertida e concernente ao interesse ou ao
direito de uma classe social, de um grupo ou mesmo da maioria. A opinião
pública era um juízo emitido em público sobre uma questão relativa à vida
política, era uma reflexão feita em público e por isso definia-se como uso
público da razão e como direito à liberdade de pensamento e de expressão.
É sintomático que, hoje, se fale em “sondagem de opinião”. Com efeito, a
palavra sondagem indica que não se procura a expressão pública racional de
interesses ou direitos e sim que se vai buscar um fundo silencioso, um fundo
não formulado e não refletido, isto é, que se procura fazer vir à tona o
não-pensado, que existe sob a forma de sentimentos e emoções, de preferências,
gostos, aversões e predileções, como se os fatos e os acontecimentos da vida
social e política pudessem vir a se exprimir pelos sentimentos pessoais. Em
lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos.
Nada mais constrangedor e, ao mesmo tempo, nada mais esclarecedor do que os
instantes em que o noticiário coloca nas ondas sonoras ou na tela os
participantes de um acontecimento falando de seus sentimentos, enquanto
locutores explicam e interpretam o que se passa, como se os participantes
fossem incapazes de pensar e de emitir juízo sobre aquilo de que foram
testemunhas diretas e partes envolvidas. Constrangedor, porque o rádio e a
televisão declaram tacitamente a incompetência dos participantes e envolvidos
para compreender e explicar fatos e acontecimentos de que são protagonistas. Esclarecedor,
porque esse procedimento permite, no instante mesmo em que se dão, criar a
versão do fato e do acontecimento como se fossem o próprio fato e o próprio
acontecimento. Assim, uma partilha é claramente estabelecida: os participantes
“sentem”, portanto, não sabem nem compreendem (não pensam); em contrapartida, o
locutor pensa, portanto, sabe e, graças ao seu saber, explica o acontecimento.
É possível perceber três deslocamentos sofridos pela idéia e prática da opinião
pública: o primeiro, como salientamos, é a substituição da idéia de uso público
da razão para exprimir interesses e direitos de um indivíduo, um grupo ou uma
classe social pela idéia de expressão em público de sentimentos, emoções,
gostos e preferências individuais; o segundo, como também observamos, é a
substituição do direito de cada um e de todos de opinar em público pelo poder
de alguns para exercer esse direito, surgindo, assim, a curiosa expressão
“formador de opinião”, aplicada a intelectuais, artistas e jornalistas; o
terceiro, que ainda não havíamos mencionado, decorre de uma mudança na relação
entre s vários meios de comunicação sob os efeitos das tecnologias eletrônica e
digital e da formação de oligopólios midiáticos globalizados (alguns autores
afirmam que o século XXI começou com a existência de 10 ou 12 conglomerados de
mass media de alcance global). Esse terceiro deslocamento se refere à forma de
ocupação do espaço da opinião pública pelos profissionais dos meios de
comunicação. Esses deslocamentos explicam algo curioso, ocorrido durante as
sondagens de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2006: diante dos
resultados, uma jornalista do jornal O Globoescreveu que o povo estava contra a opinião pública!
O caso mais interessante é, sem dúvida, o do jornalismo impresso. Em tempos
passados, cabia aos jornais a tarefa noticiosa e um jornal era fundamentalmente
um órgão de notícias. Sem dúvida, um jornal possuía opiniões e as exprimia:
isso era feito, de um lado, pelos editorais e por artigos de não-jornalistas,
e, de outro, pelo modo de apresentação da notícia (escolha das manchetes e do
“olho”, determinação da página em que deveria aparecer e na vizinhança de quais
outras, do tamanho do texto, da presença ou ausência de fotos, etc.). Ora, com
os meios eletrônicos e digitais e a televisão, os fatos tendem a ser noticiados
enquanto estão ocorrendo, de maneira que a função noticiosa do jornal é
prejudicada, pois a notícia impressa é posterior à sua transmissão pelos meios
eletrônicos e pela televisão. Ou na linguagem mais costumeira dos meios de
comunicação: no mercado de notícias, o jornalismo impresso vem perdendo
competitividade (alguns chamam a isso de progresso; outros, de racionalidade
inexorável do mercado!).
O resultado dessa situação foi duplo: de um lado, a notícia é apresentada de
forma mínima, rápida e, freqüentemente, inexata – o modelo conhecido como News
Letter – e, de outro, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão de
notícias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam as
notícias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece uma figura essencial do
jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo
ou opinativo. Os jornalista passam, assim, o ocupar o lugar que,
tradicionalmente, cabia a grupos e classes sociais e a partidos políticos e,
além disso, sua opinião não fica restrita ao meio impresso, mas passa a servir
como material para os noticiários de rádio e televisão, ou seja, nesses
noticiários, a notícia é interpretada e avaliada graças à referência às colunas
dos jornais.
Os deslocamentos mencionados e, particularmente, este último, têm conseqüências
graves sob dois aspectos principais:
1) uma vez que o jornalista concentra poderes e forma a opinião pública, pode
sentir-se tentado a ir além disso e criar a própria realidade, isto é, sua
opinião passa a ter o valor de um fato e a ser tomada como um acontecimento
real ;
2) os efeitos da concentração do poder econômico midiático. Os meios de
comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre foram
propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir seus
interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto
problemas e limitações à liberdade de expressão, que fundamenta a idéia de
opinião pública. Hoje, porém, osconglomerados de alcance global controlam não só os meios tradicionais,
mas também os novos meios eletrônicos e digitais, e avaliam em termos de
custo-benefício as vantagens e desvantagens do jornalismo escrito ou da
imprensa, podendo liquidá-la, se não acompanhar os ares do tempo.
Esses dois aspectos incidem diretamente sobre a transformação da verdade e da
falsidade em questão de credibilidade eplausibilidade.Rápido,
barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e
pouco confiáveis, não investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da
credibilidade e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da
destruição da opinião pública.
De fato, a desinformação é o principal resultado da maioria dos noticiários nos
jornais, no rádio e na televisão, pois, de modo geral, as notícias são
apresentadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no espaço e no
tempo.
Ausência de referência espacial ou atopia: as diferenças próprias do espaço
percebido (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são apagadas; o aparelho
de rádio e a tela da televisão tornam-se o único espaço real. As distâncias e
proximidades, as diferenças geográficas e territoriais são ignoradas, de tal
modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina
Grande apareça igualmente próximo e igualmente distante.
Ausência de referência temporal ou acronia: os acontecimentos são relatados
como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos
puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem
conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de
existir se não forem transmitidos. Têm a existência de um espetáculo e só
permanecem na consciência dos ouvintes e espectadores enquanto permanecer o
espetáculo de sua transmissão.
Como operam efetivamente os noticiários?
Em primeiro lugar, estabelecem diferenças no conteúdo e na forma das notícias
de acordo com o horário da transmissão e o público, rumando para o
sensacionalismo e o popularesco nos noticiários diurnos e do início da noite e
buscando sofisticação e aumento de fatos nos noticiários de fim de noite. Em
segundo, por seleção das notícias, omitindo aquelas que possam desagradar o
patrocinador ou os poderes estabelecidos. Em terceiro, pela construção
deliberada e sistemática de uma ordem apaziguadora: em seqüência, apresentam,
no início, notícias locais, com ênfase nas ocorrências policiais, sinalizando o
sentimento de perigo; a seguir, entram as notícias regionais, com ênfase em
crises e conflitos políticos e sociais, sinalizando novamente o perigo; passam
às notícias internacionais, com ênfase em guerras e cataclismos (maremoto,
terremoto, enchentes, furacões), ainda uma vez sinalizando perigo; mas concluem
com as notícias nacionais, enfatizando as idéias de ordem e segurança,
encarregadas de desfazer o medo produzido pelas demais notícias. E, nos finais
de semana, terminam com notícias de eventos artísticos ou sobre animais
(nascimento de um ursinho, fuga e retorno de um animal em cativeiro, proteção a
espécies ameaçadas de extinção), de maneira a produzir o sentimento de
bem-estar no espectador pacificado, sabedor de que, apesar dos pesares, o mundo
vai bem, obrigado.
Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num
instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando
apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e
notempo. Como desconhecemos as
determinações econômico-territoriais (geográficas, geopolíticas, etc.) e como
ignoramos os antecedentes temporais e as conseqüências dos fatos
noticiados,não podemos
compreender seu verdadeiro significado. Essa situação se agrava com a TV a
cabo, com emissoras dedicadas exclusivamente a notícias, durante 24 horas,
colocando num mesmo espaço e num mesmo tempo(ou seja, na tela) informações de procedência, conteúdo e
significado completamente diferentes, mas que se tornam homogêneas pelo modo de
sua transmissão. O paradoxo está em que há uma verdadeira saturação de
informação, mas, ao fim, nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que
fomos informados sobre tudo.
Se não dispomos de recursos que nos permitam avaliar a realidade e a veracidade
das imagens transmitidas, somos persuadidos de que efetivamente vemos o mundo
quando vemos a TV ou quando navegamos pela internet. Entretanto, como o que
vemos são as imagens escolhidas, selecionadas, editadas, comentadas e
interpretadas pelo transmissor das notícias, então é preciso reconhecer que a
TV é o mundo ou que a internet é o mundo.
A multimídia potencializa o fenômeno da indistinção entre as mensagens eentre os conteúdos. Como todas as
mensagens estão integradas num mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que
educação, notícias e espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos
se misturam e se tornam indiscerníveis. No sistema de comunicação
multimídiaa própria realidade
fica totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais num mundo irreal,
no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da
experiência, mas se transformam em experiência. Todas as mensagens de todos os
tipos são incluídas no meio por que fica tão abrangente, tão diversificado, tão
maleável, que absorve no mesmo texto ou no mesmo espaço/tempo toda a
experiência humana, passada, presente e futura, como num ponto único do
universo.
Se, portanto, levarmos em consideração o monopólio da informação pelas empresas
de comunicação de massa, podemos considerar, do ponto de vista da ação
política, as redes sociais como ação democratizadora tanto por quebrar esse
monopólio, assegurando a produção e a circulação livres da informação, como
também por promover acontecimentos políticos de afirmação do direito
democrático à participação. No entanto, os usuários das redes sociais não
possuem autonomia em sua ação e isto sob dois aspectos: em primeiro lugar, não
possuem o domínio tecnológico da ferramenta que empregam e, em segundo, não
detêm qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois este poder é uma
estrutura altamente concentrada, a Internet Protocol, com dez servidores nos
Estados Unidos e dois no Japão, nos quais estão alojados todos os endereços
eletrônicos mundiais, de maneira que, se tais servidores decidirem se desligar,
desaparece toda a internet; além disso, a gerência da internet é feita por uma
empresa norte-americana em articulação com o Departamento de Comércio dos
Estados Unidos, isto é, gere o cadastro da internet mundial. Assim, sob o
aspecto maravilhosamente criativo e anárquico das redes sociais em ação
política ocultam-se o controle e a vigilância sobre seus usuários em escala
planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta.
Na perspectiva da democracia, a questão que se coloca, portanto, é saber quem
detêm o controle dessa massa cósmica de informações.Ou seja, o problema é saber quem tem a gestão de toda a
massa de informações que controla a sociedade, quem utiliza essas informações,
como e para que as utiliza, sobretudo quando se leva em consideração um fato
técnico, que define a operação da informática, qual seja, a concentração e
centralização da informação, poistecnicamente, os sistemas informáticos operam em rede, isto é, com a
centralização dos dados e a produção de novos dados pela combinação dos já
coletados.
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa
qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a
importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o
PiG, Partido da Imprensa Golpista.
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