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sábado, 1 de setembro de 2012

Marilena Chaui: a imprensa golpista produz culpas e condena sumariamente



Chauí: a opinião dos especialistas passa a ter o valor de um fato

Chauí: PiG (partido da imprensa golpista *) produz culpas e condena sumariamente
Publicado em 30/08/2012
Leia a antológica palestra de Marilena Chauí.


Num evento em defesa da liberdade de expressão e por uma Ley de Medios, realizado no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, nessa segunda feira, a professora Marilena Chauí fez uma palestra antológica.




I. Democracia e autoritarismo social


Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam a liberdade com a ausência de obstáculos à competição, essa definição da democracia significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica da chamada “livre iniciativa” e à competição política entre partidos que disputam eleições; em segundo, que embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida no plano do poder executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.

Ora, há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo percebe e deixa perceber.

Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia ultrapassando a simples idéia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:

1. forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia ( igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor  em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia representativa). Donde o maior problema da democracia numa sociedade de classes ser o da manutenção de seus princípios – igualdade e liberdade – sob os efeitos da desigualdade real;

2. forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas sociedades de classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a forma da contradição e não a da mera oposição?

3. forma sócio-política que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a idéia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade.

4. graças à idéia e à prática da criação de direitos, a democracia não define a liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à ação, mas a define pela autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais e políticos darem a si mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se, portanto, de uma definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o não-constrangimento externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas regras e normas de ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir contra-poderes sociais por meio dos quais interferem diretamente no poder por meio de reivindicações e controle das ações estatais.

5. pela criação dos direitos, a democracia surge como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência e, conseqüentemente, a temporalidade é constitutiva de seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contra-poderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se pela própria práxis;

6. única forma sócio-política na qual o caráter popular do poder e das lutas tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em que os direitos só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das classes populares contra a cristalização jurídico-política que favorece a classe dominante. Em outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo sua passagem de democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de que somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam direitos e criam novos direitos;

7. forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida não só pela presença de leis e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições, pois estas ( contrariamente do que afirma a ciência política) não significam  mera “alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre vazio, que seu detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por haver recebido um mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos políticos não são simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só exercer o poder, mas manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado pelos romanos quando inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, porque ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se soberano para escolher ocupantes temporários do governo.

Dizemos, então, que uma sociedade — e não um simples regime de governo — é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e da minoria, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como uma contra-poder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.

Se esses são os principais traços da sociedade democrática, podemos avaliar as enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil. De fato, a sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica, vertical, autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial, organizado segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia a prática democrática da representação  — o representante não é visto como portador de um mandato dos representados, mas como provedor de favores aos eleitores. A burocracia bloqueia a democratização do Estado porque não é uma organização do trabalho e sim uma forma de poder fundada em três princípios opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à igualdade; o segredo, oposto ao direito à informação; e a rotina de procedimentos, oposta à abertura temporal da ação política.

Além disso, social e economicamente nossa sociedade está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que se exprime numa demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal,  seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da democracia.

A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele decorrente do neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado. Economicamente, trata-se da  eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados da classe dominante, isto é, em proveito do  capital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar os fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o bloqueio a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida como participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o direito à informação.

II. Os meios de comunicação como exercício de poder


Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.

Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem parte da indústria cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no mercado e que, hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas mudanças estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais de internet, satélites, etc..

No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é inseparável da forma oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos fenômenos mais contrários à democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou de “coronelismo eletrônico”, isto é, a forma privatizada das concessões públicas de canais de rádio e televisão, concedidos a parlamentares e lobbies privados, de tal maneira que aqueles que deveriam fiscalizar as concessões públicas se tornam concessionários privados, apropriando-se de um bem público para manter privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos essenciais: a isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas opiniões publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania democrática exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e intervir politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de comunicação.

A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista ideológico, a mídia exerce o poder sob a forma do denominamos a ideologia da competência, cuja peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal do discurso do conhecimento, e cuja eficácia social, política e cultural está fundada na crença na racionalidade técnico-científica.

A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores de um saber ou de um conhecimento (científico, técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem e por isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e por isso obedecem.

Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de institui-la como sujeito da comunicação. O especialista competente é aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou no multimídia, divulga saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou nos ensinando a agir, pensar, sentir e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária, educação das crianças, decoração da casa, boas maneiras, uso de roupas apropriadas em horas e locais apropriados, como amar Jesus e ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um corpo juvenil e saudável, como ganhar dinheiro e subir na vida.  O principal especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é uma espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele que explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros  — em suma, o chamado “formador de opinião” e o “comunicador”.

Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é um simples inculcação de valores e idéias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicados nos dizem que nada sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e intimidação social e cultural.

Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de comunicação se manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e condenação sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico profundo: a suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. Ao se referir ao período do Terror, durante a Revolução Francesa,  Hegel considerou que uma de suas marcas essenciais é afirmar que, por princípio, todos são suspeitos e que os suspeitos são culpados antes de qualquer prova. Ao praticar o terror, a mídia fere dois direitos constitucionais democráticos, instituídos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Revolução Francesa) e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quais sejam: a presunção de inocência (ninguém pode ser considerado culpado antes da prova da culpa) e a retratação pública dos atingidos por danos físicos, psíquicos e morais, isto é, atingidos pela infâmia, pela injúria e pela calúnia. É para assegurar esses dois direitos que as sociedades democráticas exigem leis para regulação dos meios de comunicação, pois essa regulação é condição da liberdade e da igualdade que definem a sociedade democrática.

III.


Faz parte da vida da grande maioria da população brasileira ser espectadora de um tipo de programa de televisão no qual a intimidade das pessoas é o objeto central do espetáculo: programas de auditório, de entrevistas e de debates com adultos, jovens e crianças contando suas preferências pessoais desde o sexo até o brinquedo, da culinária ao vestuário, da leitura à religiosidade, do ato de escrever ou encenar uma peça teatral, de compor uma música ou um balé até os hábitos de lazer e cuidados corporais.

As ondas sonoras do rádio e as transmissões televisivas tornam-se cada vez mais consultórios sentimental, sexual, gastronômico, geriátrico, ginecológico, culinário, de cuidados com o corpo (ginástica, cosméticos, vestuário, medicamentos), de jardinagem, carpintaria, bastidores da criação artística, literária e da vida doméstica. Há programas de entrevista no rádio e na televisão que ou simulam uma cena doméstica – um almoço, um jantar – ou se realizam nas casas dos entrevistados durante o café da manhã, o almoço ou o jantar, nos quais a casa é exibida, os hábitos cotidianos são descritos e comentados, álbuns de família ou a própria são mostrados ao vivo e em cores. Os entrevistados e debatedores, os competidores dos torneios de auditório, os que aparecem nos noticiários, todos são convidados e mesmo instados com vigor a que falem de suas preferências, indo desde sabores de sorvete até partidos políticos, desde livros e filmes até hábitos sociais. Não é casual que os noticiários, no rádio e na televisão, ao promoverem entrevistas em que a notícia é intercalada com a fala dos direta ou indiretamente envolvidos no fato, tenham sempre repórteres indagando a alguém: “o que você sentiu/sente com isso?” ou “o que você achou/acha disso?” ou “você gosta? não gosta disso?”. Não se pergunta aos entrevistados o que pensam ou o que julgam dos acontecimentos, mas o que sentem, o que acham, se lhes agrada ou desagrada.

Também tornou-se um hábito nacional jornais e revistas especializarem-se cada vez mais em telefonemas a “personalidades” indagando-lhes sobre o que estão lendo no momento, que filme foram ver na última semana, que roupa usam para dormir, qual a lembrança infantil mais querida que guardam na memória, que música preferiam aos 15 anos de idade, o que sentiram diante de uma catástrofe nuclear ou ecológica, ou diante de um genocídio ou de um resultado eleitoral, qual o sabor do sorvete preferido, qual o restaurante predileto, qual o perfume desejado. Os assuntos se equivalem, todos são questão de gosto ou preferência, todos se reduzem à igual banalidade do “gosto” ou “não gosto”, do “achei ótimo” ou “achei horrível”.

Todos esses fatos nos conduzem a uma conclusão: a mídia está imersa na cultura do narcisismo.

Como observa Christopher Lash, em A Cultura do Narcisismo, os mass media tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade substituindo-as pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e confiabilidade – para que algo seja aceito como real basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável Os fatos cedem lugar a declarações de “personalidades autorizadas”, que não transmitem informações, mas preferências e estas se convertem imediatamente em propaganda. Como escreve Lash, “sabendo que um público cultivado é ávido por fatos e cultiva a ilusão de estar bem informado, o propagandista moderno evita slogans grandiloqüentes e se atém a ‘fatos’, dando a ilusão de que a propaganda é informação”.

Qual a base de apoio da credibilidade e da confiabilidade? A resposta encontra-se num outro ponto comum aos programas de auditório, às entrevistas, aos debates, às indagações telefônicas de rádios, revistas e jornais, aos comerciais de propaganda. Trata-se do apelo à intimidade, à personalidade, à vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em outras palavras, os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço público e espaço privado. Assim, as relações interpessoais, as relações intersubjetivas e as relações grupais aparecem com a função de ocultar ou de dissimular as relações sociais enquanto sociais e as relações políticas enquanto políticas, uma vez que a marca das relações sociais e políticas é serem determinadas pelas instituições sociais e políticas, ou seja, são relações mediatas, diferentemente das relações pessoais, que são imediatas, isto é, definidas pelo relacionamento direto entre pessoas e por isso mesmo nelas os sentimentos, as emoções, as preferências e os gostos têm um papel decisivo. As relações sociais e políticas, que são mediações referentes a interesses e a direitos regulados pelas instituições, pela divisão social das classes e pela separação entre o social e o poder político, perdem sua especificidade e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto, referidas a preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão.

Não é casual, mas uma conseqüência necessária dessa privatização do social e do político, a destruição de uma categoria essencial das democracias, qual seja a da opinião pública. Esta, em seus inícios (desde a Revolução Francesa de 1789), era definida como a expressão, no espaço público, de uma reflexão individual ou coletiva sobre uma questão controvertida e concernente ao interesse ou ao direito de uma classe social, de um grupo ou mesmo da maioria. A opinião pública era um juízo emitido em público sobre uma questão relativa à vida política, era uma reflexão feita em público e por isso definia-se como uso público da razão e como direito à liberdade de pensamento e de expressão.

É sintomático que, hoje, se fale em “sondagem de opinião”. Com efeito, a palavra sondagem indica que não se procura a expressão pública racional de interesses ou direitos e sim que se vai buscar um fundo silencioso, um fundo não formulado e não refletido, isto é, que se procura fazer vir à tona o não-pensado, que existe sob a forma de sentimentos e emoções, de preferências, gostos, aversões e predileções, como se os fatos e os acontecimentos da vida social e política pudessem vir a se exprimir pelos sentimentos pessoais. Em lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos.

Nada mais constrangedor e, ao mesmo tempo, nada mais esclarecedor do que os instantes em que o noticiário coloca nas ondas sonoras ou na tela os participantes de um acontecimento falando de seus sentimentos, enquanto locutores explicam e interpretam o que se passa, como se os participantes fossem incapazes de pensar e de emitir juízo sobre aquilo de que foram testemunhas diretas e partes envolvidas. Constrangedor, porque o rádio e a televisão declaram tacitamente a incompetência dos participantes e envolvidos para compreender e explicar fatos e acontecimentos de que são protagonistas. Esclarecedor, porque esse procedimento permite, no instante mesmo em que se dão, criar a versão do fato e do acontecimento como se fossem o próprio fato e o próprio acontecimento. Assim, uma partilha é claramente estabelecida: os participantes “sentem”, portanto, não sabem nem compreendem (não pensam); em contrapartida, o locutor pensa, portanto, sabe e, graças ao seu saber, explica o acontecimento.

É possível perceber três deslocamentos sofridos pela idéia e prática da opinião pública: o primeiro, como salientamos, é a substituição da idéia de uso público da razão para exprimir interesses e direitos de um indivíduo, um grupo ou uma classe social pela idéia de expressão em público de sentimentos, emoções, gostos e preferências individuais; o segundo, como também observamos, é a substituição do direito de cada um e de todos de opinar em público pelo poder de alguns para exercer esse direito, surgindo, assim, a curiosa expressão “formador de opinião”, aplicada a intelectuais, artistas e jornalistas; o terceiro, que ainda não havíamos mencionado, decorre de uma mudança na relação entre s vários meios de comunicação sob os efeitos das tecnologias eletrônica e digital e da formação de oligopólios midiáticos globalizados (alguns autores afirmam que o século XXI começou com a existência de 10 ou 12 conglomerados de mass media de alcance global). Esse terceiro deslocamento se refere à forma de ocupação do espaço da opinião pública pelos profissionais dos meios de comunicação. Esses deslocamentos explicam algo curioso, ocorrido durante as sondagens de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2006: diante dos resultados, uma jornalista do jornal O Globo  escreveu que o povo estava contra a opinião pública!

O caso mais interessante é, sem dúvida, o do jornalismo impresso. Em tempos passados, cabia aos jornais a tarefa noticiosa e um jornal era fundamentalmente um órgão de notícias. Sem dúvida, um jornal possuía opiniões e as exprimia: isso era feito, de um lado, pelos editorais e por artigos de não-jornalistas, e, de outro, pelo modo de apresentação da notícia (escolha das manchetes e do “olho”, determinação da página em que deveria aparecer e na vizinhança de quais outras, do tamanho do texto, da presença ou ausência de fotos, etc.). Ora, com os meios eletrônicos e digitais e a televisão, os fatos tendem a ser noticiados enquanto estão ocorrendo, de maneira que a função noticiosa do jornal é prejudicada, pois a notícia impressa é posterior à sua transmissão pelos meios eletrônicos e pela televisão. Ou na linguagem mais costumeira dos meios de comunicação: no mercado de notícias, o jornalismo impresso vem perdendo competitividade (alguns chamam a isso de progresso; outros, de racionalidade inexorável do mercado!).

O resultado dessa situação foi duplo: de um lado, a notícia é apresentada de forma mínima, rápida e, freqüentemente, inexata – o modelo conhecido como News Letter – e, de outro, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão de notícias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam as notícias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece uma figura essencial do jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo ou opinativo. Os jornalista passam, assim, o ocupar o lugar que, tradicionalmente, cabia a grupos e classes sociais e a partidos políticos e, além disso, sua opinião não fica restrita ao meio impresso, mas passa a servir como material para os noticiários de rádio e televisão, ou seja, nesses noticiários, a notícia é interpretada e avaliada graças à referência às colunas dos jornais.

Os deslocamentos mencionados e, particularmente, este último, têm conseqüências graves sob dois aspectos principais:

1) uma vez que o jornalista concentra poderes e forma a opinião pública, pode sentir-se tentado a ir além disso e criar a própria realidade, isto é, sua opinião passa a ter o valor de um fato e a ser tomada como um acontecimento real ;

2) os efeitos da concentração do poder econômico midiático. Os meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre foram propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir seus interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto problemas e limitações à liberdade de expressão, que fundamenta a idéia de opinião pública. Hoje, porém, os  conglomerados de alcance global controlam não só os meios tradicionais, mas também os novos meios eletrônicos e digitais, e avaliam em termos de custo-benefício as vantagens e desvantagens do jornalismo escrito ou da imprensa, podendo liquidá-la, se não acompanhar os ares do tempo.

Esses dois aspectos incidem diretamente sobre a transformação da verdade e da falsidade em questão de credibilidade e  plausibilidade.  Rápido, barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e pouco confiáveis, não investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da credibilidade e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da destruição da opinião pública.

De fato, a desinformação é o principal resultado da maioria dos noticiários nos jornais, no rádio e na televisão, pois, de modo geral, as notícias são apresentadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no espaço e no tempo.

Ausência de referência espacial ou atopia: as diferenças próprias do espaço percebido (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são apagadas; o aparelho de rádio e a tela da televisão tornam-se o único espaço real. As distâncias e proximidades, as diferenças geográficas e territoriais são ignoradas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande apareça igualmente próximo e igualmente distante.

Ausência de referência temporal ou acronia: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos. Têm a existência de um espetáculo e só permanecem na consciência dos ouvintes e espectadores enquanto permanecer o espetáculo de sua transmissão.

Como operam efetivamente os noticiários?

Em primeiro lugar, estabelecem diferenças no conteúdo e na forma das notícias de acordo com o horário da transmissão e o público, rumando para o sensacionalismo e o popularesco nos noticiários diurnos e do início da noite e buscando sofisticação e aumento de fatos nos noticiários de fim de noite. Em segundo, por seleção das notícias, omitindo aquelas que possam desagradar o patrocinador ou os poderes estabelecidos. Em terceiro, pela construção deliberada e sistemática de uma ordem apaziguadora: em seqüência, apresentam, no início, notícias locais, com ênfase nas ocorrências policiais, sinalizando o sentimento de perigo; a seguir, entram as notícias regionais, com ênfase em crises e conflitos políticos e sociais, sinalizando novamente o perigo; passam às notícias internacionais, com ênfase em guerras e cataclismos (maremoto, terremoto, enchentes, furacões), ainda uma vez sinalizando perigo; mas concluem com as notícias nacionais, enfatizando as idéias de ordem e segurança, encarregadas de desfazer o medo produzido pelas demais notícias. E, nos finais de semana, terminam com notícias de eventos artísticos ou sobre animais (nascimento de um ursinho, fuga e retorno de um animal em cativeiro, proteção a espécies ameaçadas de extinção), de maneira a produzir o sentimento de bem-estar no espectador pacificado, sabedor de que, apesar dos pesares, o mundo vai bem, obrigado.

Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no  tempo. Como desconhecemos as determinações econômico-territoriais (geográficas, geopolíticas, etc.) e como ignoramos os antecedentes temporais e as conseqüências dos fatos noticiados,  não podemos compreender seu verdadeiro significado. Essa situação se agrava com a TV a cabo, com emissoras dedicadas exclusivamente a notícias, durante 24 horas, colocando num mesmo espaço e num mesmo tempo  (ou seja, na tela) informações de procedência, conteúdo e significado completamente diferentes, mas que se tornam homogêneas pelo modo de sua transmissão. O paradoxo está em que há uma verdadeira saturação de informação, mas, ao fim, nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.

Se não dispomos de recursos que nos permitam avaliar a realidade e a veracidade das imagens transmitidas, somos persuadidos de que efetivamente vemos o mundo quando vemos a TV ou quando navegamos pela internet. Entretanto, como o que vemos são as imagens escolhidas, selecionadas, editadas, comentadas e interpretadas pelo transmissor das notícias, então é preciso reconhecer que a TV é o mundo ou que a internet é o mundo.

A multimídia potencializa o fenômeno da indistinção entre as mensagens e  entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas num mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que educação, notícias e espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos se misturam e se tornam indiscerníveis. No sistema de comunicação multimídia  a própria realidade fica totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais num mundo irreal, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transformam em experiência. Todas as mensagens de todos os tipos são incluídas no meio por que fica tão abrangente, tão diversificado, tão maleável, que absorve no mesmo texto ou no mesmo espaço/tempo toda a experiência humana, passada, presente e futura, como num ponto único do universo.

Se, portanto, levarmos em consideração o monopólio da informação pelas empresas de comunicação de massa, podemos considerar, do ponto de vista da ação política, as redes sociais como ação democratizadora tanto por quebrar esse monopólio, assegurando a produção e a circulação livres da informação, como também por promover acontecimentos políticos de afirmação do direito democrático à participação. No entanto, os usuários das redes sociais não possuem autonomia em sua ação e isto sob dois aspectos: em primeiro lugar, não possuem o domínio tecnológico da ferramenta que empregam e, em segundo, não detêm qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois este poder é uma estrutura altamente concentrada, a Internet Protocol, com dez servidores nos Estados Unidos e dois no Japão, nos quais estão alojados todos os endereços eletrônicos mundiais, de maneira que, se tais servidores decidirem se desligar, desaparece toda a internet; além disso, a gerência da internet é feita por uma empresa norte-americana em articulação com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, isto é, gere o cadastro da internet mundial. Assim, sob o aspecto maravilhosamente criativo e anárquico das redes sociais em ação política ocultam-se o controle e a vigilância sobre seus usuários em escala planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta.

Na perspectiva da democracia, a questão que se coloca, portanto, é saber quem detêm o controle dessa massa cósmica de informações.  Ou seja, o problema é saber quem tem a gestão de toda a massa de informações que controla a sociedade, quem utiliza essas informações, como e para que as utiliza, sobretudo quando se leva em consideração um fato técnico, que define a operação da informática, qual seja, a concentração e centralização da informação, pois  tecnicamente, os sistemas informáticos operam em rede, isto é, com a centralização dos dados e a produção de novos dados pela combinação dos já coletados.


(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.


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Extraído de Paulo Henrique Amorim - Conversa Afiada

sábado, 12 de novembro de 2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Quem tem medo da Filosofia?


Quem tem medo da Filosofia?

Resposta ao novo ataque da revista Veja a lei de obrigatoriedade de filosofia e sociologia no ensino médio.

Diego Felipe de Souza Queiroz*
6 Oct 2011

Em uma edição recente, a revista Veja veio mais uma vez atacar a Lei de obrigatoriedade de filosofia e sociologia nas escolas de ensino médio. A revista, que em edição anterior(1) já tinha desferido um ataque à mesma Lei, traz em suas páginas mais um texto neste sentido. O ataque vem por meio de um texto pequeno e rasteiro, inserido junto a uma série de artigos sobre os “absurdos” da justiça(2). O tamanho do texto e sua simplicidade não o torna menos perigoso, já que o mesmo se enquadra no tipo de texto destinado a transmitir opiniões de maneira rápida e fluida, objetivando ganhar a adesão do leitor justamente por se tratar de um material “leve” e de fácil entendimento.

Contaminado por essa pretensão de escrever um texto fluido e de fácil entendimento (sem me perder na tendência publicitária opinativa típica do que vemos por aí, na mídia empresarial brasileira) escrevo aqui uma resposta à revista Veja.

Revista Veja n° 2236, Páginas 92 e 93
O que apresenta: Texto contra a Lei de obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino médio. Fundamentado em uma visão tecnicista de sociedade que propõe que os brasileiros devem ser preparados para uma ação funcional na sociedade, sem muita preocupação com sua formação crítica que já na LDB(3) é apontada como necessária para que os sujeitos possam exercer plenamente sua cidadania.

O Absurdo: O texto utiliza-se de dados de avaliações internacionais que demonstram que a educação brasileira é ruim em relação às disciplinas de Matemática e Português, para atacar o ensino das disciplinas Filosofia e Sociologia. E fazem isso de tal modo como se o ensino dessas disciplinas, da área de Humanas, fosse de alguma forma atrapalhar o ensino de Matemática e Português nas escolas. Argumento falho, já que aprender Sociologia e Filosofia - de forma nenhuma – traz prejuízo ao estudo de Português e Matemática. Muito pelo contrário, são duas disciplinas que trabalham com a produção de textos e com a argumentação; o que, inevitavelmente, contribui com a capacidade de escrever e de ler dos estudantes. Em relação à Matemática, podemos imaginar o que diria Pitágoras ao redator desta matéria. Logo ele, o filósofo conhecido como “pai da Matemática”!

Por fim, há uma raivosa acusação de que as disciplinas são plataformas de pregação ideológica de esquerda. Grande erro! Pois pensar desta maneira é ir contra qualquer entendimento sério das disciplinas, que sempre foram consideradas fundamentais para a formação de indivíduos autônomos e críticos: sujeitos questionadores capazes de se contraporem a qualquer doutrinamento, seja ele de esquerda ou de direita.

O que a revista teme: Em um momento em que a discussão sobre a melhoria da educação no país torna-se cada vez mais forte; em que a luta dos trabalhadores da educação espalham-se por todo território nacional (exemplos: as recentes greves da educação nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e também a greve nacional do Colégio Pedro II), o modelo tecnicista de educação - implantado por diferentes governos neoliberais no país e exaltado há décadas pela a elite nacional e seus veículos de pregação ideológica - se fragiliza. E o poder constituído treme diante da possibilidade de qualquer mudança na área da educação, mesmo que ela seja de consciência. Afinal que sujeito autônomo, crítico e minimamente informado poderia levar a sério revistas como a Veja e suas matérias absurdas como esta de ataque raivoso contra a Lei obrigatoriedade das disciplinas de filosofia e sociologia?

* Diego Felipe é Bacharel e licenciado em Filosofia pela UERJ; Docente da Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro.

(1) Edição 2158
(2) Na mesma parte da revista temos um artigo intitulado “Palmadazinha nas crianças” que apresenta a visão da revista contra a Lei número 7672 que proíbe castigo físico a crianças.
(3) Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
  • I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
  • II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
  • III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
  • IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.


charge por Diego Felipe



sábado, 25 de setembro de 2010

Mãe >&< prazer sexual

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Repulsa ao sexo

por Maria Rita Kehl
Estadão - 18/09/2010

Em sua coluna semanal, a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl aborda com clareza e serenidade o polêmico e delicado tema da descriminalização do aborto em época de eleições.

"Entre os três candidatos à Presidência mais bem colocados nas pesquisas, não sabemos a verdadeira posição de Dilma e de Serra. Declaram-se contrários para não mexer num vespeiro que pode lhes custar votos. Marina, evangélica, talvez diga a verdade. Sua posição é tão conservadora nesse aspecto quanto em relação às pesquisas com transgênicos ou células-tronco.

Mas o debate sobre a descriminalização do aborto não pode ser pautado pela corrida eleitoral. Algumas considerações desinteressadas são necessárias, ainda que dolorosas. A começar pelo óbvio: não se trata de ser a favor do aborto. Ninguém é. O aborto é sempre a última saída para uma gravidez indesejada. Não é política de controle de natalidade. Não é curtição de adolescentes irresponsáveis, embora algumas vezes possa resultar disso. É uma escolha dramática para a mulher que engravida e se vê sem condições, psíquicas ou materiais, de assumir a maternidade. Se nenhuma mulher passa impune por uma decisão dessas, a culpa e a dor que ela sente com certeza são agravadas pela criminalização do procedimento. O tom acusador dos que se opõem à legalização impede que a sociedade brasileira crie alternativas éticas para que os casais possam ponderar melhor antes, e conviver depois, da decisão de interromper uma gestação indesejada ou impossível de ser levada a termo.

Além da perda à qual mulher nenhuma é indiferente, além do luto inevitável, as jovens grávidas que pensam em abortar são levadas a arcar com a pesada acusação de assassinato. O drama da gravidez indesejada é agravado pela ilegalidade, a maldade dos moralistas e a incompreensão geral. Ora, as razões que as levam a cogitar, ou praticar, um aborto, raramente são levianas. São situações de abandono por parte de um namorado, marido ou amante, que às vezes desaparecem sem nem saber que a moça engravidou. Situações de pobreza e falta de perspectivas para constituir uma família ou aumentar ainda mais a prole já numerosa. O debate envolve políticas de saúde pública para as classes pobres. Da classe média para cima, as moças pagam caro para abortar em clínicas particulares, sem que seu drama seja discutido pelo padre e o juiz nas páginas dos jornais.

O ponto, então, não é ser a favor do aborto. É ser contra sua criminalização. Por pressões da CNBB, o ministro Paulo Vannuchi precisou excluir o direito ao aborto do recente Plano Nacional de Direitos Humanos. Mas mesmo entre católicos não há pleno consenso. O corajoso grupo das "Católicas pelo direito de decidir" reflete e discute a sério as questões éticas que o aborto envolve.

Conceito de "humano"

O argumento da Igreja é a defesa intransigente da vida humana. Pois bem: ninguém nega que o feto, desde a concepção, seja uma forma de vida. Mas a partir de quantos meses passa a ser considerado uma vida humana? Se não existe um critério científico decisivo, sugiro que examinemos as práticas correntes nas sociedades modernas. Afinal, o conceito de humano mudou muitas vezes ao longo da história. Data de 1537 a bula papal que declarava que os índios do Novo Continente eram humanos, não bestas; o debate, que versava sobre o direito a escravizar-se índios e negros, estendeu-se até o século 17.

A modernidade ampliou enormemente os direitos da vida humana, ao declarar que todos devem ter as mesmas chances e os mesmos direitos de pertencer à comunidade desigual, mas universal, dos homens. No entanto, as práticas que confirmam o direito a ser reconhecido como humano nunca incluíram o feto. Sua humanidade não tem sido contemplada por nenhum dos rituais simbólicos que identificam a vida biológica à espécie. Vejamos: os fetos perdidos por abortos espontâneos não são batizados. A Igreja não exige isso. Também não são enterrados. Sua curta existência não é imortalizada numa sepultura - modo como quase todas as culturas humanas atestam a passagem de seus semelhantes pelo reino desse mundo. Os fetos não são incluídos em nenhum dos rituais, religiosos ou leigos, que registram a existência de mais uma vida humana entre os vivos.

Ambiguidade da igreja católica

A ambiguidade da Igreja que se diz defensora da vida se revela na condenação ao uso da camisinha mesmo diante do risco de contágio pelo HIV, que ainda mata milhões de pessoas no mundo. A África, último continente de maioria católica, paupérrimo (et pour cause...), tem 60% de sua população infectada pelo HIV. O que diz o papa? Que não façam sexo. A favor da vida e contra o sexo - pena de morte para os pecadores contaminados.

Condenação à liberdade sexual das mulheres ou "mãe" não combina com sexo!

Ou talvez esta não seja uma condenação ao sexo: só à recente liberdade sexual das mulheres. Enquanto a dupla moral favoreceu a libertinagem dos bons cavalheiros cristãos, tudo bem. Mas a liberdade sexual das mulheres, pior, das mães - este é o ponto! - é inadmissível. Em mais de um debate público escutei o argumento de conservadores linha-dura, de que a mulher que faz sexo sem planejar filhos tem que aguentar as consequências. Eis a face cruel da criminalização do aborto: trata-se de fazer, do filho, o castigo da mãe pecadora. Cai a máscara que escondia a repulsa ao sexo: não se está brigando em defesa da vida, ou da criança (que, em caso de fetos com malformações graves, não chegarão a viver poucas semanas). A obrigação de levar a termo a gravidez indesejada não é mais que um modo de castigar a mulher que desnaturalizou o sexo, ao separar seu prazer sexual da missão de procriar."

Extraído de Agência Patrícia Galvão

Os subtítulos são nossos, da postagem.
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Legalidade e Liberdade

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Legalidade e Liberdade

Escrito por Claudionor Mendonça dos Santos 24-Set-2010


Pontifica a Constituição Federal, iniciando o capítulo dos direitos e deveres coletivos e individuais, pela proclamação da igualdade perante a lei e da legalidade (artigo 5º, I e II).

A liberdade, enquanto finalidade, visa à realização da personalidade, devendo o cidadão democratizar o Estado, e não opor-se a ele.

Cidadania e dignidade são fundamentos da República, cabendo ao Ministério Público zelar para sua realização, através da concretização dos direito sociais, dentre os quais, a segurança, dever do Estado, onde se insere o Ministério Público, enquanto órgão essencial à função de um dos poderes da República, devendo ser afastada a figura de um adversário do acusado, participante de um duelo passional entre hábeis contendores numa visão privatista do processo penal. É partícipe, no sentido de garantir a imparcialidade do juiz.

Desde o início da persecução penal devem ser assegurados os direitos dos investigados e dos acusados, especialmente aqueles considerados básicos, como sua integridade física e moral, não submissão a tortura ou tratamento desumano ou degradante, a inviolabilidade de sua intimidade, vida privada, honra e imagem etc.

Assim, num Estado de Direito, a atuação dos poderes deve se pautar pela lei, princípio enunciado na obra de Montesquieu, insculpido no artigo 5º, da Declaração de 1789, no sentido de que tudo o que não é proibido pela lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que esta não ordena. Resplandece, assim, a regra da liberdade, como exceção a restrição.

A lei tem como função primordial a fixação dos limites da liberdade individual, tornando possível a coexistência das liberdades, segundo as exigências da vida em sociedade. Contudo, ela deve ser a expressão do justo, devendo proibir, tão somente, a ações nocivas à sociedade, assim consideradas aquelas que prejudicam os demais, inviabilizando a própria liberdade, sendo seu elemento formal a vontade geral e que, segundo jurista francês, "o legislador, enquanto tal, não tem vontade própria", devendo refletir a vontade dos representados.

Dessa forma, desde o século XVIII, asseguraram-se prerrogativas às pessoas e que lhes são inerentes, sendo uma delas a liberdade, ou seja, "o direito natural e intangível de pensar e exteriorizar o seu pensamento, isto é, de desenvolver sua atividade física, intelectual e moral" (Léon Diguit, Tratado de Direito Constitucional, 3ª ed. P.611).

Nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar, indiscutivelmente, que todas as pessoas são livres e iguais em direitos, submetidas às mesmas obrigações, guardadas as devidas diferenças.



Claudionor Mendonça dos Santos é Promotor de Justiça e 1º secretário do Ministério Público Democrático.
Extraído de Correio da Cidadania

domingo, 29 de agosto de 2010

SP: Ensino mútuo na Educação

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Ensino mútuo na Educação

Marcos Francisco Martins*


Matérias veiculadas recentemente em jornais de grande circulação afirmam que as autoridades educacionais do Estado de São Paulo pretendem implantar o “ensino mútuo” na rede de ensino, um método há muito conhecido e difundido mundo afora, e agora apresentado como a mais nova alternativa ao péssimo desempenho dos alunos das escolas estaduais aferido por sucessivos métodos de avaliação.

A recente proposta de ensino mútuo anunciada para melhorar a qualidade do ensino paulista almeja, segundo as informações, utilizar alunos do ensino médio para auxiliar estudantes dos 6º e 7º anos do ensino fundamental em duas sessões semanais de “tira-dúvidas”, o que se constitui, na verdade, em um projeto de reforço escolar. Cada aluno-monitor receberá pelo trabalho R$ 115,00 a título de bolsa auxílio, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e por ONG´s, segundo um modelo elaborado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

A proposta de ensino mútuo não é nenhuma novidade na história da educação. Pelo contrário, ela foi desenvolvida principalmente por Joseph Lancaster (1778-1838), um protestante que pregava o ensino mútuo, a repetição para a memorização e a disciplina corpo-mente com objetivos morais, por exemplo: o combate à ociosidade e à preguiça. O método Lancaster consistia numa proposta segundo a qual um único mestre ensinasse, com a ajuda de outros alunos-monitores, até mil alunos a ler, escrever e contar em cerca de oito meses. Tendo como origem a Inglaterra, foi aplicado em várias partes do mundo. No Brasil, sob a vigência de Dom João VI, o ensino mútuo esteve presente nas províncias de Minas Gerais e Mato Grosso, por exemplo. Além disso, a Primeira Lei Geral da Educação Pública no Brasil independente, aprovada em 15 de outubro de 1827, instituiu como obrigatório o ensino mútuo, sobretudo pela falta de professores e pelos almejados resultados prometidos em relação à massificação da educação.

Pelo que se vê, pode-se dizer que as autoridades da área da Educação em São Paulo não superaram ainda a visão educacional romântica de um ex e recente Secretário Estadual que resumia os problemas educacionais a uma simples questão de afeto. Tanto assim que até mesmo o atual Governador, chamado a falar sobre a proposta de ensino mútuo, destacou o fato de que o “rendimento” dos alunos poderá melhorar com o ensino mediado pela relação aluno-aluno.

Contudo, não é apenas o fato de essa proposta anunciada remontar ao século XIX que estimula a ponderação crítica sobre ela, mas também outras questões de maior relevância. Por exemplo: se o Governo Paulista pretende realmente melhorar a qualidade do ensino, não seria melhor investir os recursos destinados aos futuros alunos-monitores na qualificação de seus próprios professores? Ou mesmo utilizar o dinheiro para contratar novos profissionais da educação para se dedicar a essa importante tarefa?

Esquecem-se as autoridades da educação do fato de que quem prepara o aluno-monitor também é o professor, o que nos leva a reiterar a tese de que não haverá alternativa à educação paulista sem um sistema adequado de formação dos profissionais da educação e seu reconhecimento social e profissional por meio, inclusive e principalmente, de melhores salários.

Infelizmente, em cada uma das muitas propostas anunciadas pela Secretaria Estadual de Educação em período recente, o professor não tem tido status digno de respeito pelos sucessivos governos paulistas. Denunciada a péssima qualidade do ensino, inclusive pelos mecanismos estaduais de avaliação, corre-se a culpar o professor. Quando ele reprovava o aluno, a culpa recaía sobre ele por ser autoritário e desatualizado em relação aos novos métodos de ensino e de avaliação. Quando ele é obrigado à aprovação automaticamente, a culpa também recaí sobre ele pela qualidade do ensino ter atingido níveis risíveis, não fossem trágicos. Agora, como ele continua sendo culpado, troca-se o professor pelo aluno. Será que se mais esse projeto não der certo vão culpar os alunos-monitores pelo não aprendizado dos demais e pela continuidade do fracasso escolar em São Paulo?


* Marcos Francisco Martins – pesquisador do CNPq e professor da UFSCar-Campus Sorocaba -

Matéria recebida do autor e publicada em “Correio Popular”, 04.08.2010, Coluna Opinião, p. A3 (Campinas-SP)


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domingo, 1 de agosto de 2010

Novas regras para funcionamento de Fundações de Pesquisa

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Medida Provisória resolve impasse de fundações

Governo federal oferece solução para as restrições ao funcionamento das fundações de apoio à pesquisa das ICTs, impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2008

A MP 495/2010 foi assinada nesta segunda-feira, dia 19 de julho, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia após reunião com representantes da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O texto, com força de lei, está publicado no Diário Oficial da União desta terça-feira, dia 20

Conforme adiantado pelo "JC e-mail" em 25 de junho, as alterações na Lei 8.958/1994 - que dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior (Ifes) e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio - valerão para todas as instituições científicas e tecnológicas (ICTs) públicas, de qualquer esfera de governo. A MP foi elaborada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em diálogo com outras pastas.

A nova legislação, no entanto, não possui a abrangência do anteprojeto de MP elaborado pela SBPC e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), apresentado ao presidente Lula antes da abertura solene da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), no fim de maio, em Brasília.

Segundo a MP 495, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as demais "agências financeiras oficiais de fomento" estão autorizadas a firmar convênios e contratos com as fundações das Ifes e ICTs. Aí estão incluídos o apoio à pesquisa científica e tecnológica, e a gestão administrativa e financeira dos projetos.

Além de alterar a Lei 8.958/1994, a MP 495 muda a redação da Lei de Inovação (10.973/2004), para esclarecer as definições de "ICT" e de "instituição de apoio".

Também foram incluídos na MP mecanismos para aumentar a transparência na atuação das fundações. A Lei 8.958/1994 foi acrescida do Artigo 4º-A, segundo o qual as fundações estão obrigadas a publicar na internet uma série de informações, como relatórios semestrais da execução dos contratos.

Com a inclusão do Artigo 4º-B na mesma lei, também está autorizada a concessão de bolsas por parte das fundações, para alunos de graduação e pós-graduação vinculados a projetos de pesquisa apoiados. Servidores das Ifes e ICTs também poderão receber bolsas de ensino, pesquisa e extensão nos projetos.

Restrições

Em sua Sessão Plenária de 26 de maio passado, o TCU fixou até 31 de dezembro o prazo para cumprimento do subitem 9.4.1 do Acórdão 2.731/2008, que determina a proibição a repasses de verbas federais "com objetivos de fomento à pesquisa científica ou tecnológica, diretamente para fundações de apoio a Ifes (instituições federais de ensino superior)".

O acórdão de 2008, relatado pelo ministro Aroldo Cedraz, analisa a atuação das fundações de apoio à pesquisa das universidades federais à luz Lei 8.958/1994. Segundo a interpretação do TCU, a lei de 1994 não autorizaria as fundações a administrarem recursos repassados por agências de fomento.

Apesar das restrições, em março do ano passado, por solicitação do MCT e do MEC, o TCU havia concedido 360 dias para início do cumprimento da determinação do item 9.4.1 do Acórdão 2.731/2008. O prazo, dado para que as Ifes pudessem se adequar às novas regras, terminou em 26 de março último.

Nesse mesmo dia, foi publicado no Diário Oficial da União o Acórdão 1.255/2010 do TCU, que analisa contas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e estende as restrições impostas pela norma de 2008 a todas as ICTs públicas, em todas as esferas de governo, e não apenas às Ifes. Em maio, conforme o Acórdão 2.035/2010, o TCU também daria prazo de 360 dias para o cumprimento do Acórdão 1.255/2010.

Ou seja, até a edição da MP 495/2010, nesta terça-feira, dia 20, as restrições impostas pelos Acórdãos 2.731/2008 e 1.255/2010 estavam suspensas, mas apenas temporariamente. Ao fazer mudanças na Lei 8.958/1994, a MP resolve as restrições a todas as ICTs, em todas as esferas.

Proposta

No mesmo dia em que o TCU ofereceu mais prazo para as Ifes cumprirem o acórdão de 2008, durante a 4ª CNCTI, os presidentes da SBPC, Marco Antonio Raupp, e da ABC, Jacob Palis Jr., entregaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um anteprojeto de MP para criar um regime jurídico especial para a realização de licitações e estabelecimento de contratos por ICTs e agências de fomento. Em 8 de junho, Raupp teve uma audiência com o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, para tratar do anteprojeto.

A proposta buscava autorizar as instituições a efetuar suas compras e contratações com base em regulamento próprio, elaborado de acordo com as normas da administração pública, e não mais pela Lei 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos), considerada um entrave à pesquisa no Brasil. Dessa forma, ela resolveria as restrições impostas pelo TCU e daria um passo além na desburocratização das atividades científicas.

Presente à reunião entre Raupp, Palis Jr. e o presidente Lula, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, reconheceu que o anteprojeto das duas entidades seria uma solução mais abrangente. Segundo Rezende, o presidente Lula entregou ao MCT a tarefa de trabalhar no anteprojeto.

"Passei para o meu chefe de gabinete e pedi para examinar com cuidado", disse o ministro, em entrevista ao "JC" durante a 4ª CNCTI. "Temos que ver se realmente [a proposta] é factível, se tudo o que está lá pode ser feito, se não contraria outros preceitos maiores", completou Rezende, cerca de dois meses atrás.

  1. Fontes:
  2. Jornal da Ciência (extraído de)
  3. D. O. - MEDIDA PROVISÓRIA N o - 495, DE 19 DE JULHO DE 2010
  4. Fundações deixam de ser 'caixa' de universidades e buscam setor privado
  5. As novas regras das fundações de pesquisa


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Projeto regulariza atividade extra de professor federal

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Projeto regulariza atividade extra de professor federal

Minuta de texto elaborado pelo governo define as atividades remuneradas permitidas a docentes de instituições federais

31 de julho de 2010 | 0h 00 - Lígia Formenti/BRASÍ LIA - O Estado de S.Paulo


Professores universitários que trabalham em regime de dedicação exclusiva poderão participar - e receber - de conselhos, além de ganhar cachês por palestras, conferências e atividades artísticas. As propostas integram uma minuta de projeto de lei apresentada pelo governo para regulamentar a carreira docente nas instituições federais.

Preparado ao longo dos últimos dois anos, o texto, com 46 artigos, traz regras mais precisas para essa prática comum, mas que há tempos era condenada pelo Tribunal de Contas da União. "Normas mais claras eram indispensáveis", afirmou o ministro do TCU, Aroldo Cedraz.

As mudanças propostas não são mais rígidas ou mais flexíveis do que a situação atual. Pelas regras das universidades hoje, a liberdade para professores em dedicação exclusiva exercer outras atividades é praticamente inexistente. Mas, na prática, essas restrições quase nunca funcionavam. Usando recurso das fundações, professores conseguiam exercer uma série de atividades, como consultorias por longos períodos em horários muitas vezes incompatíveis com sua jornada nas faculdades.


A proposta, apresentada semana passada para a diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), prevê mudanças na carreira, como a criação do professor sênior. "Ele ficaria no mesmo patamar que o professor titular", afirma o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira. A medida, segundo ele, pretende ampliar o incentivo para progresso na carreira.

O secretário executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno, disse ser favorável à regulamentação das atividades realizadas fora das universidades. "Por que não ter direito de participar e receber, por exemplo, de um conselho da Petrobrás? Professores têm contribuição para sociedade, que pode ser feita não apenas por meio das aulas na universidade."

Além de tornar mais claras as formas de participação de professores, a proposta prevê que todo pagamento extra tem de ser feito por meio do sistema oficial da União, como forma de evitar que profissionais ganhem além do teto constitucional. Algo que poderia ocorrer quando profissionais recebiam, por exemplo, via fundações de amparo à pesquisa - cujas regras de funcionamento foram alteradas em medida provisória, editada semana passada. (para postagem sobre "Novas regras para fundações de pesquisa")

A minuta viria para completar a mudança, que integra o pacote para ampliar a autonomia universitária. Entre as regras previstas, estão mecanismos para pagamento de projetos de pesquisa e extensão - algo que antes era feito nas fundações.

Discórdia. A ideia do governo é apresentar o projeto de lei depois das eleições. Antes, deverão ser feitos debates com setores interessados. A primeira reunião está marcada para o fim de agosto. Muita polêmica ainda está por vir. "É um texto que prejudica aposentados e provoca uma corrida de docentes para financiamento de pesquisas", resume o primeiro-vice- presidente da Andes, Luiz Henrique Schuch.

Para ele, a saída para melhor remuneração de professores não é a participação em atividades extra. "Não é essa a nossa missão. O que o governo precisa definir é qual é o projeto de universidade que ele quer."

Recebido de Marcos Francisco Martins, a quem agradecemos.
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domingo, 13 de junho de 2010

Paraná tem Antologia de Textos para o Ensino Médio

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Antologia de Textos Filosóficos

A razão de ser dessa Antologia de Textos Filosóficos é proporcionar aos estudantes do ensino médio o contato com os textos dos filósofos, precisamente porque é esse o lugar onde se encontra a Filosofia.

Conteúdo

A Antologia é composta de vinte e dois textos ou excertos de textos de filósofos clássicos e um texto de filósofo brasileiro, escolhidos por sua relevância para os estudantes do nível médio.

Apresentação dos textos

Os textos selecionados são precedidos por introduções redigidas por professores universitários especialistas nos filósofos escolhidos. Essas introduções apresentam três componentes.

1 - O primeiro componente traz conteúdos de cunho biográfico, histórico e bibliográfico dos filósofos.

2 - O segundo trata das possibilidades de interpretação e problematização dos textos, em função das exigências e expectativas do ensino de Filosofia no nível médio.

3 - O terceiro apresenta indicações de leituras das principais obras dos filósofos, traduzidas para a língua portuguesa, bem como os principais comentadores e eventuais sites qualificados.

  • A Antologia também disponibiliza aos leitores um índice remissivo com os principais conceitos, filósofos, termos e correntes filosóficas.
Essa Antologia de Textos Filosóficos integra um conjunto de ações do Departamento de Educação Básica (DEB) da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR), planejadas e desenvolvidas para o retorno da disciplina de Filosofia.

Dentre as diversas políticas desenvolvidas e executadas destacam-se os concursos públicos para contratação de professores de Filosofia, a Diretriz Curricular para o Ensino de Filosofia, a aquisição da Biblioteca do Professor com títulos específicos e atualizados de Filosofia, o Programa de Formação Continuada dos Profissionais da Educação, do qual faz parte o Projeto Folhas, o Livro Didático Público de Filosofia e a Antologia de Textos Filosóficos, que além dos objetivos preconizados no projeto, concretizou uma articulação promissora entre o ensino médio e o ensino superior.

O desejo é que esse livro desafie professores e estudantes ao filosofar, às leituras e releituras, ao saudável confronto das posições e ideias, aos debates racionais e bem fundamentados, afinal, um texto é clássico somente enquanto permanece vivo e instigante, enquanto nos convida à interlocução e pode ser reinterpretado.

Jairo Marçal (organizador)
Bernardo Kestring
Eloi Corrêa dos Santos
Juliano Orlandi
Wilson José Vieira

Equipe de Filosofia do Departamento de Educação Básica

Para baixar o arquivo da Antologia na íntegra, clique sobre o título:
CAPA / ANTOLOGIA NA ÍNTEGRA


Extraído de Portal Educacional do Estado do Paraná Dia-a-dia Educação

Recebido de Vanderlei Carbonara - Coordenador do Colegiado do Curso de Filosofia - Centro de Filosofia e Educação - Universidade de Caxias do Sul, através de Filipe Ceppas e e de Dalton José Alves, na lista Filosofiasudeste-l
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quarta-feira, 19 de maio de 2010

SEAF responde: Filosofia a distância - Graduação e Pós

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PERGUNTA:

Gostaria de uma orientação: Sou moradora em São Vicente-SP e estou interessada em cursar a faculdade de Filosofia. Aqui na região há 02 faculdades que ministram estes cursos: a Universidade Metodista de SP e a Universidade Metropolitana ( UNIMES). Vou fazer o curso a distância. O meu objetivo e dar aulas no ensino médio e posteriormente em faculdades.

1- como saber qual das 02 faculdades é melhor?
2- para dar aula em faculdade é melhor fazer mestrado ou pós? Pode me indicar, aqui na minha região, qual faculdade ministra estes cursos?
3- hoje tenho 41 anos. Como posso reverter a idade a meu favor nesta nova profissão? Yannes M. Ferreira

RESPOSTA:

  • Sobre como conhecer os cursos

O IGC - Índice Geral de Cursos da Instituição - é um indicador de qualidade de instituições de educação superior (IES) que considera, em sua composição, a qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado e doutorado). No que se refere à graduação, é utilizado o CPC (conceito preliminar de curso) e, no que se refere à pós-graduação, é utilizada a Nota Capes. O resultado final está em valores contínuos (que vão de 0 a 500) e em faixas (de 1 a 5).
O IGC é apurado pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira e será divulgado anualmente pelo Inep/MEC.

O indicador mais atualizado, é o de 26/01/2011 e se refere ao IGC 2009. Clicando sobre a referência no menu à direita NESTE LINK, ou diretamente no arquivo EXCEL AQUI, você poderá analisar as 3 universidades que têm administrações privadas em sua região (considerando as referências de sua pergunta), e/o fazer outras consultas.

Para mais análises, você pode entrar no portal das Universidades e, no caso de seu interesse – Cursos a Distância – você deverá entrar diretamente nos links que tratam dessa modalidade, na Metodista e na UNIMES.

Se puder saber o nome dos/as docentes, você poderá consultar, também, o currículo de cada um /a na Plataforma Lattes e constatar sua proficiência, inclusive na modalidade EAD. Você também pode fazer consulta direta AQUI.


  • Você se refere ao Ensino Médio e logo depois diz de sua intenção em dar aula em faculdade.

Com a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia (Lei 11.683/2008), o campo para a docência em Filosofia ficou bem mais aberto, apesar de algumas dificuldades na aplicação da Lei, conforme você poderá constatar aqui, no Blog da SEAF, especialmente nas postagens “Legislação” em “Marcadores”, no menu à esquerda.

Sobre aulas em faculdades, de acordo com as exigências do MEC, inclusive para que as faculdades alcancem bons índices (como os constantes da avaliação do IGC), professores/as devem ter cursos de Especialização, Mestrado e Doutorado (cabendo cotas para cada titulação) para atuarem no ensino superior. Para cursos de mestrado e doutorado, inclusive na modalidade a distância, você pode consultar, também neste Blog, no menu à esquerda “EAD”, em “Marcadores”.

Você pode consultar diretamente o Catálogo de Cursos da ABED - Associação Brasileira de Educação a Distância ou pode perguntar ao Blog da Educação a Distância.

Não deixe de ler: "Padrões Mínimos – Qualidade na EAD", também no Blog de EAD.

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Revista Veja contra Filosofia e Sociologia

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A “Veja” contra a lei de obrigatoriedade da Filosofia e Sociologia no Ensino Médio.

por Vitor Hugo Fernandes de Souza *
e Diego Felipe de Souza Queiroz *


A revista Veja publicou matéria no dia em sua edição 2158 / 31/03/2010 (também disponível no site) fazendo duras críticas ao ensino de Sociologia e Filosofia no ensino médio, que a partir deste ano é obrigatório em todos os anos do ensino médio. A crítica principal se direciona aos currículos elaborados pelas secretarias estaduais de educação que, segundo a revista, seriam “um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda”, citando vários estados brasileiros. Seus “profundos” comentários se direcionam também aos cursos de Ciências Sociais, que segundo o autor “se ancoram no ideário marxista”. É citada também uma fala do diretor de um colégio particular de São Paulo: “Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica". Para concluir a o artigo, o autor reproduz o pensamento de um funcionário da própria revista que diz “Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil".

Primeiramente, precisamos reconhecer que o papel da grande mídia no sistema capitalista jamais será neutro, pois as comunicações são os instrumentos de difusão e reprodução de ideologias (tanto no sentido comum, como no sentido marxista), que tem por função representar mentalmente as relações sociais, inclusive a educação. É sabido que o setor de comunicação no Brasil é dominado por pouquíssimos grupos, que conseguem reproduzir o seu poder por décadas. Entre os principais estão as organizações Globo e o Grupo Abril, que é proprietário de diversos meios de comunicação, como grandes editoras, canais de televisão, portais na internet, TV por assinatura, etc. A família Civita, proprietária do grupo associou-se, em 2006, à Naspers, grupo de mídia Sul-Africano, estreitamente ligado ao Partido Nacional, de extrema-direita, que legalizou o regime do apartheid naquele país no pós Segunda Guerra Mundial. Então, não estamos falando de uma simples revista, mas de um dos maiores grupos de mídia no Brasil, que reproduz a ideologia dominante e contribui para a preservação do staus quo.

O artigo, de autoria de Marcelo Bortoloti, considera a orientações curriculares das Secretarias de Educação “esquerdistas”. Porque obviamente, para a “Veja” os governos estaduais aliados do governo federal são de esquerda, como o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Então as suas Secretarias tentariam difundir o marxismo, assim como os cursos de Ciências Sociais e Filosofia. Basta analisar as propostas de orientação curricular do Estado do Rio, deste ano, para Sociologia e Filosofia, que fica evidente que o conteúdo a ser aplicado em sala de aula não tem nada a ver com doutrinamento esquerdista.

charge por Diego Felipe

O autor da matéria quer passar a idéia de que os professores de Sociologia e Filosofia são “ideológicos”, em frase reproduzida no texto e no próprio título, Ideologia na cartilha, o que demonstra uma profunda ignorância sobre o conceito e o debate a respeito da objetividade da ciência. Perguntamos ao autor: Onde não há ideologia? Até na matemática, na física ou na educação física existe ideologia. Quando aprendemos uma determinada fórmula matemática ou uma determinada regra esportiva, poderemos até nos esquecer dela depois, mas a organização mental que foi feita para que aprendamos mesmo que superficialmente estes conteúdos e valores ficam em nossa mente. A ciência não é neutra. Todas as nossas idéias e valores são ideológicos!

A Sociologia e a Filosofia, por lidarem com valores sociais, com a cultura, com visão de mundo estão um pouco mais vulneráveis à interferência da subjetividade. Até Max Weber, ferrenho crítico do marxismo, não cria na possibilidade da imparcialidade total no estudo da sociologia, pois a própria escolha do objeto de estudo já é subjetiva, mas dizia que a objetividade da ciência deve ser buscada ao máximo.

Isso não quer dizer de forma alguma que os professores de Sociologia e Filosofia sejam doutrinadores marxistas, até porque a maioria deles não é sequer marxista. O nosso papel é ajudar os estudantes a desenvolverem o senso crítico e conhecer melhor o mundo onde vivem, de forma a compreender que eles são atores sociais, cidadãos e não meros espectadores; que eles têm poder de intervir no mundo onde vivem e, para isso precisam compreender melhor o funcionamento da sociedade e os seus valores (explícitos ou implícitos). Os conhecimentos de Filosofia e de Sociologia, assim como das matérias já tradicionais, como Matemática e História, são imprescindíveis para o exercício da cidadania. Uma disciplina não é concorrente da outra, são complementares de um único ser humano. E não é “irreal”, que os nossos estudantes sejam capazes de “alcançarem uma complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia” como reproduziu o autor da matéria. Se a educação que oferecemos à população não é melhor, é devido ao descaso dos governos, seguindo a cartilha educacional dominante, de desmonte da educação pública aliado à grande desinformação e difusão da ideologia dominante, desde as novelas até os jornais e a internet, por parte dos meios de comunicação, pois a educação formal é apenas uma parte de todo o processo educativo.

Segundo a matéria, deveríamos seguir o modelo de “países mais desenvolvidos”. Mas quais seriam estes? Qual é a concepção de educação que está sendo difundida? Seria aquela mecanicista, reprodutivista, que conhecemos bem? Temos certeza que não é uma educação libertadora como a propagada por Paulo Freire, um verdadeiro educador.

Ideológico é o artigo da Veja e as publicações da grande mídia, que reproduzem trechos das orientações curriculares das Secretarias Estaduais de Educação com comentários embaixo, como se os leitores não fossem capazes de pensar por si mesmos. Cadê a liberdade de pensamento? Antes que possamos pensar, a Veja já nos diz o que devemos achar. É como um programa humorístico que coloca risadas no fundo para avisar quando devemos rir...

Para concluir, queríamos deixar uma questão: por que o ensino de Sociologia e Filosofia, que só começou agora e ainda está em processo de consolidação, está incomodando tanto à grande revista brasileira?


Autores:

Vitor Hugo Fernandes de Souza
é Professor de Sociologia na Rede Estadual de Ensino-RJ

Diego Felipe de Souza Queiroz
é Professor de Filosofia na Rede Estadual de Ensino-RJ


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