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sábado, 12 de novembro de 2011

A USP, a autonomia universitária e a incompetência da gestão


Sinal de alerta

Qui, 10 de Novembro de 2011

Grave, muito grave, a reação do público diante da agressão policial aos estudantes da USP.

Por haverem ocupado o prédio da reitoria da USP, foram acusados, absurdamente, de vários crimes, entre os quais o de “formação de quadrilha”.

Sessenta e seis jovens foram trancafiados, durante horas, em um ônibus cercado por 400 policiais. A Polícia exigiu uma fiança no valor de um salário mínimo para pô-los em liberdade.

Quem for ao twitter verificará o grande número de mensagens que justificam a truculência policial.

Esta conduta é de suma gravidade, porque denuncia, por um lado, uma grande ignorância e, por outro, uma verdadeira escalada do reacionarismo da direita entre a juventude universitária.

Os indignados com a ação dos universitários desconhecem que, em toda sociedade democrática, a liberdade e a autonomia fazem parte da natureza da instituição. Qualquer intervenção externa, seja de governo, de igrejas, do poder econômico, perturba o ambiente necessário para que haja produção intelectual de qualidade. Por isso mesmo, o policiamento do “campus” deve ser feito unicamente por seguranças contratados pela própria universidade.

A ignorância é grave. Porém, ainda mais grave é a indisposição de tantos jovens contra os universitários presos, pois revela um desprezo pela democracia. Em algumas mensagens, podem se identificar até laivos de fascismo.

Chega-se ao ponto de justificar um tipo de detenção que atenta contra os direitos humanos, pois, como se sabe, os detidos foram trancados em um ônibus, sem alimentação, sem facilidades sanitárias e expostos a um calor insuportável.

Independentemente de ter havido um ou outro exagero – o que deverá ser apurado e devidamente punido -, a ocupação foi a única forma encontrada pelos jovens para denunciar à opinião pública irregularidades que estão sendo cometidas pelo reitor.

Desconhecem os indignados que, nesta democracia capenga, a imprensa não divulga nada que os poderosos não querem que seja do conhecimento da plebe ignara?

$?$!$?$!$?

O episódio é um alerta aos partidos democráticos: urge realizar uma grande campanha de politização da juventude universitária, a fim de evitar desencontros como o que a ocupação do campus da USP provocou.

Extraído de Correio da Cidadania

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Pela volta da Idade Média à USP


Escrito por Mário Maestri*

Segunda, 07 de Novembro de 2011

Na Idade Média, era uma enorme conquista quando uma cidade obtinha uma universidade. Comumente, com ela, vinha o direito a uma ampla autonomia quanto à autocracia do príncipe. Tratava-se de liberdade considerada indispensável para o novo templo do saber. Devido a isso, o campus universitário medieval possuía sua polícia própria e julgava seus alunos, funcionários, professores.

Aprendi isso no curso de História da UCL, na Bélgica, onde fui recebido de braços abertos, em 1974, fugido das ditaduras brasileira e chilena. No Brasil de então, não tinha nada daquilo. A polícia e o exército entravam, revistavam, espancavam, prendiam, torturavam e até matavam professores, funcionários e sobretudo alunos que não se rendiam ao tacão da ditadura cívico-militar.

Uma aluna sul-rio-grandense, mestranda em História da USP, escreveu-me um longo e-mail, pedindo-me quase desesperada solidariedade para com ela e seus colegas daquela universidade.

A carta da estudante registra a angústia de jovens que se assustam com a regressão dos espaços de liberdade conquistados quando da versão de redemocratização brasileira, onde os criminosos civis e militares de 1964-1985 seguiram em seus postos ou com suas pensões e aposentadorias, homenageados com nomes de praças, avenidas, ruas, ao morrerem. A aluna relata a degradação das condições de convivência, de trabalho e de estudo naquela instituição, a mais destacada do Brasil.

Lembra que há muito se instauram processos administrativos contra alunos, funcionários e professores, eventuais motivos de demissão e de expulsão, por expressarem em manifestos, panfletos, ocupações, suas idéias contra a política universitária dos governadores de São Paulo e dos dirigentes máximos daquela instituição.

Há cerca de dois meses, lembra a jovem, o senhor reitor lançou pelo retrete a autonomia universitária e escancarou o campus à Polícia Militar, sob a justificativa de reprimir a criminalidade.

Desde então, a Polícia Militar reina no campus – abordando, inquirindo, revistando funcionários, professores e sobretudo alunos. Certamente os principais objetos desses atos de intimidação foram os alunos e alunas mais agitados ou de cabelo, roupas, adereços e comportamentos tidos como estranhos!

Conhecemos o resultado da política liberticida do senhor reitor – em 27 de outubro, alunos foram revistados por policiais militares, como sempre, na frente da Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde se reúnem, tradicionalmente, os universitários suspeitos de pensarem em demasia!

A revista deu resultado. Três estudantes de Geografia foram encontrados com alguns baseados, motivos de pronta prisão e imediata resposta dos seus colegas, todos pertinentemente surrados, pois universitárias e universitários comumente magricelos, armados com canetas, livros e laptops pouco podem contra os parrudos PMs, com os seus tradicionais instrumento de trabalho – cassetetes, revólveres, escopetas, bombas dissuasivas...

A resposta previsível dos estudantes foi uma festa para a grande mídia conservadora, sobretudo televisiva. A ocupação do prédio da FFLCH e depois da Reitoria por estudantes encapuzados – ninguém quer ser objeto de processo e eventual expulsão – foi mostrada como a ação de bárbaros desordeiros no templo do conhecimento!

Isolada, sob o silêncio dos grandes e pequenos partidos, a garotada está sendo obrigada a retroceder. Até esta segunda-feira, tinham de entregar o prédio. Se não, vai conhecer pancadaria grande, prisões e os pertinentes processos. Não conseguem, nem mesmo, apresentar suas mais do que justas reivindicações: fins dos processos contra estudantes e servidores e a interdição do campus à Polícia Militar.

Por razões óbvias não registro o nome da autora da carta. Com minha total solidariedade ao movimento, faço uma derradeira reflexão. Se, na Idade Média, um senhor reitor atirasse pela janela do seu palácio a valiosa autonomia conquistada pela cidade, chamando a polícia para atuar livremente no campus, certamente seria destituído por seus pares e, possivelmente, mandado para a masmorra da Universidade, para refletir melhor sobre a subserviência ao príncipe! Coisas da Idade Média!


* Mário Maestri é doutor em Ciências Históricas pela UCL, Bélgica, e professor do programa de pós-graduação em História da Univesidade de Passo Fundo - UPF, RS.  E-mail: maestri(0)via-rs.net

Última atualização em Sexta, 11 de Novembro de 2011

Extraído de Correio da Cidadania
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Vagabundos, baderneiros, maconheiros, irresponsáveis... incompetentes?



Autor: Daniel Gorte-Dalmoro

Richard Dawkins questiona algures o que não seria da física e da ciência se Newton tivesse se dedicado integralmente a ela, ao invés de ter perdido tempo com discussões estéreis, como as sobre religião. Não lembro se ele faz a mesma pergunta sobre Einstein, Heisenberg e outros físicos e cientistas da primeira metade do século XX. De qualquer forma, chuto uma resposta à sua pergunta: se Newton tivesse se abstido das atividades extra-científicas, assim como os grandes cientistas da primeira metade do século XX, em geral bastante engajados politicamente, teria sido tão medíocre quanto a grande maioria dos pesquisadores da atualidade.


A intelligentsia acadêmica brasileira (para ficar na parte tida por pensante da sociedade) não é nenhum Richard Dawkins, mas bem gostaria de sê-lo: ter panca de inteligente e intelectual, morar na Inglaterra, dando aula para ou tendo como colegas pessoas com boa formação, convivendo com gente “civilizada”, enfim (salvo eventuais hordas bárbaras, como a de agosto). Claro, não precisa ser ateu – apenas pró-ciência e anti-comunista.

Novo protesto na USP, e lá vemos novamente as mesmas manifestações dos bons cientistas da universidade e dos homens de bem de nação, criticando os baderneiros que não querem estudar e atrapalham o bom andamento da ciência [tupiniquim].

Afinal, conforme ranqueamentos internacionais, da TopUniversities, para ser mais exato, a USP é a melhor universidade latino-americana, e a 169º do mundo. Não que eu ache que esses rankings sirvam para muita coisa, mas nossa intelligentsia certamente se guia por ela – publicações, prazos, congressos, papérs, bolsas, tudo é feito em função do que os gringos dizem que é bom.

É de se questionar, portanto, onde não estaria a USP, não tivesse todos os incômodos causados por esses alunos que fazem protestos, greves, ocupam prédios.

Bem... talvez estivesse fora do ranking das 200 melhores: dos nove cursos que aparecem entre os 200 melhores, nas diversas áreas, seis – filosofia, sociologia, história, lingüística, ciência política e geografia – são da FFLCH. E se esses alunos estavam fumando maconha e fazendo greve, é de se questionar, então, o que estavam fazendo os demais dos 198 programas de pós da USP. Assistindo tevê, lendo Folha e Veja?

Surpresa? Não deveria ser. A ciência pura pode até existir (não vou entrar nesta questão), mas o cientista puro, certamente não. Não por acaso, quando a Science publicou reportagem sobre a ciência no Brasil, quem ganhou destaque não foi a Fapesp e seus quase 800 milhões de reais – que não mereceu uma mísera linha –, e sim um cientista que faz bastante alarde político – ainda que questão de política científica, mas com uma visão bem menos tacanha de ciência que Brito Cruz, ou demais coronéis da ciência paulista –, Miguel Nicolelis.

Esta ocupação de prédios na USP poderia ser uma ótima oportunidade para esses pesquisadores fazerem uma auto-crítica (proposta ingênua, eu sei): ao invés de desqualificarem o outro, entrarem realmente no debate – não é obrigado a concordar com a atitude, contudo, é radicalmente diferente negar a política, exigindo logo a ordem e a autoridade –, e admitirem: pessoas, mesmo as diferentes, as chatas, as que usam vermelho, as que fedem, eventualmente podem ter mais assuntos e ser mais interessantes do que ratos e átomos.

Campinas, 06 de novembro de 2011.

Extraído de Luis Nassif Online

Original de Comportamento Geral

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Por que me tornei professor?


Por que me tornei professor?


Já por volta dos dez anos, apaixonado pelas aulas de Língua Portuguesa e de Redação, pelos encantos da palavra escrita, pelo gosto e pelo cheiro de uma boa história, anunciava a quem interessado estivesse que desejava ser Jornalista. Jamais mudei de ideia - ao contrário, com o passar dos anos, a convicção só fez aumentar.

No terceiro ano da Graduação - em Jornalismo, obviamente -, comecei a trabalhar como estagiário no Sindicato dos Professores de São Paulo, o querido SINPRO-SP. Continuei por lá depois de formado - e até hoje, agora como colaborador, mantemos a parceria. É um prazer, um orgulho. São quase vinte anos de aprendizados vivos e intensos (sim, os companheiros do Sindicato são para mim referências intelectuais e éticas, exemplos de figuras humanas e de mestres, no sentido mais profundo das palavras).  Acompanhei e acompanho muito de perto as lutas, os sonhos, as angústias, as ações políticas, as mensagens cidadãs, as vitórias e as derrotas daqueles companheiros que sobretudo estabelecem a Educação como um direito de todos - e um caminho para a conquista da liberdade e da autonomia crítica. Foi inevitável e irresistível (ainda bem, muito obrigado!) - por conta deles, tornei-me também professor.

Afinal, respeitadas as singularidades, o ser Jornalista e o ser Professor estabelecem estreitas relações: é preciso ser curioso, humilde, democrático, alimentar pelos saberes profunda devoção e respeito, apurar, pesquisar, procurar sempre, organizar e sistematizar, saber ouvir. E estar disposto a aprender sempre, a compartilhar informações e conhecimentos - seja com o público (leitor, ouvinte, telespectador, internauta, seja com os alunos em sala de aula). Nos dois casos, é fundamental estar atento às coisas do mundo, rechaçando preconceitos e intolerâncias, truculências e autoritarismos, valorizando argumentos e ideias e lutando pelo "bom, pelo justo e pelo melhor do mundo", como diria a militante comunista Olga Benário.

Foi assim, por ser Jornalista apaixonado, que me tornei um apaixonado Professor. E, entre aulas particulares, aulas na Graduação e na Pós, lá se vão quase quinze anos de atividade docente. Não é fácil - o avanço do espetáculo e do consumo, o individualismo e o "umbiguismo" exacerbados, a consolidação de um conhecimento instrumentalizado, o falso mantra que diz que as novas tecnologias resolvem todos os nossos problemas, a mercantilização das relações humanas e profissionais, o desmanche político da carreira, o esgarçamento do tecido social e a perda de referências e valores que definem a humanidade e o ideal de civilização colocam muitas vezes o papel do professor em um encruzilhada e fazem da profissão uma atividade social infelizmente cada vez menos valorizada.

É preciso resistir. A cada dia. Todos os dias. Porque, como lembram as palavras libertárias do mestre Paulo Freire, no livro "Pedagogia da Autonomia", e transformadas em homenagem pelo Instituto Paulo Freire neste ano, "sou professor a favor da decência e contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura da direita ou da esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura".   



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Universidades: prepotência e silêncio


Prepotência e silêncio

Escrito por Lincoln de Abreu Penna
Sábado, 20 de Agosto de 2011

As universidades no Brasil estão a refletir um fenômeno que é mundial, mas que entre nós tem assumido um caráter mais perverso, a combinar os atos e atitudes de prepotência com o silêncio obsequioso dos que não querem se incomodar, voltados que estão em seus afazeres docentes. Essa dupla conjugação tem nos levado a situações cada vez mais desastrosas para a vida universitária, de modo a influir decisivamente no comportamento dos estudantes e das gerações mais jovens de docentes, a exibirem com vaidade os resultados de suas pesquisas e a quantificarem o número de vezes que seus ensaios são publicados e citados pelos colegas.

A importância desmedida concedida aos números de participações em eventos e no atendimento às exigências da vida acadêmica, se por um lado revela o quanto se avançou na busca de uma atividade regular nos meios universitários, por outro lado tem levado a uma perigosa evasão da realidade, como se as contravenções nos diversos campos da sociedade e também dos dirigentes das comunidades universitárias fossem irrelevantes diante do objetivo principal, isto é, os resultados dos projetos de pesquisa. Com isso, se cultiva o desprezo por tudo que diz respeito à vida das coletividades, algo como um comportamento esquizóide no qual só é levado em conta o que se faz com vistas à obtenção de reconhecimento de mérito, centrado apenas em si.

Em nosso meio acadêmico a vaidade é, seguramente, componente inerente aos seus membros. Há, no entanto, a vaidade como um sentimento de orgulho próprio pelo que podemos fazer em benefício dos outros, sobretudo dos mais necessitados, refletindo sobre os seus destinos e os destinos das comunidades em geral; e a vaidade que se manifesta na excessiva valorização do eu, profundamente indiferente em relação aos outros. Desse modo, temos no primeiro caso a prevalência do altruísmo. No segundo, a presença de um tipo de narcisismo absolutamente inaceitável porque marcado pela vaidade em si, a semear o individualismo egoísta dos que se propõem unicamente a exaltar o exercício egocêntrico junto a todos com quem se convive num ambiente cuja vocação deveria ser o da comunhão fraternal, próprio a uma comunidade de destino.


Por que esse fenômeno está a ocorrer entre nós com tanta freqüência? Há pelo menos duas explicações que se entrelaçam. Uma de natureza mais geral, e tem a ver com o advento de uma etapa mais agressiva e ao mesmo tempo mais caótica do capitalismo em sua fase neoliberal, responsável pelo desprezo de valores sociais. O outro se situa na nossa realidade histórica e cultural, a exibir a simbiose do conservadorismo produzida por nosso passado colonial e reafirmada mais modernamente no estágio neocolonial de nossa formação social, com a acomodação que tem nos conduzido a adiar as soluções radicais, tais como as transformações substantivas de nossas estruturas. Ao abdicar desta tarefa, os docentes têm reproduzido valores distantes dos compromissos de fazer de suas ocupações instrumento de real intervenção na vida dos cidadãos.

E qual é o papel das universidades, como comunidades destinadas à reflexão, produção e difusão do conhecimento enquanto erudição do patrimônio da humanidade e de criação de novos saberes? Instigar e incomodar o que se tem como sabido. Preservar, contudo, os valores caros à humanidade, porque estes são permanentes e definem o que entendemos como direitos inalienáveis do ser humano, tais como as liberdades, em seus mais variados sentidos, principalmente o sentido da libertação. E isso se faz dentro de normas de respeito a opiniões divergentes, porque além da liberdade como libertação – só possível nos ambientes democráticos – é preciso cultivar a idéia de que é no ambiente universitário que se deve praticar o encontro das diferenças, do contraditório em busca do novo, mesmo que para tanto as contradições gerem conflitos e os conflitos, confrontos, porque só assim estaremos desenvolvendo a democracia.

Essa digressão decorre de fatos que vêm se acumulando nos meios universitários a envolver mandos e desmandos de colegas detentores de cargos e mandatos em suas Instituições de Ensino Superior (IES). Quase sempre a adotarem decisões arbitrárias ou excessivamente centralizadas, as quais invariavelmente descambam para uma prepotência de estirpe, porque centrada em argumentos de autoridade. Ao manipular os órgãos colegiados ou simplesmente desprezá-los, essas atitudes têm se reproduzido tanto nas IES particulares quanto públicas. E a democracia que invocam ou está baseada no controle desses colegiados ou na referência meramente a decisões institucionais.

Essas condutas além de intoleráveis atingem o centro nervoso das IES, porque as tornam verdadeiras empresas ou repartições voltadas exclusivamente para o funcionamento harmonioso de seus quadros funcionais. Criam e recriam profissionais zelosos pelos seus trabalhos, submetidos a constantes verificações, e inibem as manifestações de descontentamentos tidas como impertinentes às atividades desses centros orgânicos de produção. Tudo o que escapa à normalidade dos funcionamentos previsíveis é, por princípio, condenado ou pelo menos visto com os reparos angustiados dos zelosos cumpridores das expectativas institucionais. As vozes dissonantes costumam ser objeto de censura quando não de repressão simbólica ou mesmo efetiva, subtraindo-as do ambiente por serem corrosivas ao bom andamento da pax acadêmica.

É preciso reagir ao marasmo, à indolência, à acomodação, ao silêncio comprometedor que se espraia nos campi universitários, sob pena de sermos cúmplices dessa mesmice, mesmo sendo críticos em relação ao que se passa nos meios acadêmicos. Para tanto, torna-se imperioso que se constituam núcleos de debate aonde for possível constituí-los para a introdução de uma prática de contestação aos abusos, e a toda sorte de violência que ocorra. Mas não apenas núcleos destinados a identificar esses atos, mas que tenham por objetivo criar espaços de debates e de germinação de idéias novas a serem exercitadas com vistas a democratizar a democracia formal existente.

Democratizar a democracia formal consiste basicamente em fazer aprofundar a essência do sentido de democracia. E isto só se consegue fazendo, discutindo, questionando o que existe, por vezes até transgredindo as normas que se considerarem obsoletas ou restritivas ao bom desenvolvimento dos processos de libertação. Essas condutas não precisam e nem devem adotar meios violentos, senão a palavra e a força das idéias, instrumento básico e eficaz para fazer valer as concepções inovadoras e libertárias. Porque a democracia não é um produto fechado e limitado ao sabor dos interesses meramente institucionais avessos ao contraditório. Deve ser um processo que se alimenta na discussão dos contrários e cresce na medida em que se contestam os limites de sua existência.

Nesse sentido, a democracia é sempre um vir-a-ser, aquela utopia que se corre atrás e se tem a sensação de que jamais a alcançaremos. O objetivo, todavia, não é necessariamente alcançá-la em sua plenitude, mas continuar a persegui-la sem cessar. Essa é a luta dos que desejam uma democracia radical com vistas a uma sociedade de iguais.

Lincoln de Abreu Penna é professor aposentado da UFRJ


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Nelson Werneck Sodré: cem anos


Nelson Werneck Sodré, os cem anos do historiador marxista


09/01/2011 - Por José Carlos Ruy

É formada em Itu (SP) uma comissão de historiadores, intelectuais e familiares do general e historiador marxista para comemorar seus cem anos, que se completam em 2011.


O decano dos historiadores marxistas brasileiros, Nelson Werneck Sodré, completaria cem anos de idade em 2011. E , para comemorar a data, um grupo de historiadores e intelectuais, juntamente com a filha do historiador, Olga Sodré, começaram um movimento sediado, simbolicamente, na cidade de Itu (SP).

A escolha do local tem sentido pois Nelson Werneck Sodré teve fortes ligações com a cidade, onde está inclusive sepultado. Foi no quartel do Regimento de Artilharia (o Regimento Deodoro) sediado em Itu, para onde veio no início da década de 1930 como aspirante a oficial, que teve seus primeiros postos. Foi também em Itu que conheceu uma moça chamada Yolanda Frugoli, com quem viria a se casar.

Destacou-se como um militar nacionalista, ligado depois ao Partido Comunista Brasileiro. Como intelectual e historiador, foi um dos fundadores na década de1950 do influente Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), instrutor de história militar da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, da qual foi desligado devido às suas posições políticas nacionalistas e à participação na campanha O Petróleo é Nosso e à publicação de um artigo, sob pseudônimo, onde defendia as posições comunistas contrárias à participação do Brasil na Guerra da Coréia. Seu último posto militar, na ativa, foi a promoção a coronel (1961). Assim, passou para a reserva no posto de general de brigada.

Livros clássicos

Nelson Werneck Sodré foi um dos pioneiros da historiografia marxista no Brasil, juntamente com Caio Prado Jr. Sua extensa obra começou a ser publicada na década de 1930, inaugurada em 1938 com o clássico Historia da Literatura Brasileira. Em 1939, outro clássico da historiografia imperial, o Panorama do Segundo Império. Aprofundou a visão marxista do passado brasileiro em 1944, com Formação da Sociedade Brasileira. No ano seguinte surgiu também a primeira edição de um guia fundamental para o estudo de nosso passado, o livro O Que Se Deve Ler Para Conhecer o Brasil, que mereceu sucessivas reedições.

Nos anos seguintes, publicou alguns clássicos, como As Coasses Solciais no Brasil (1954), A ideologia do Colonialismo (1961), Formação Histórica do Brasil (1962) e, na primeira metade da década de 1964, a prestigiadíssima e perseguidíssima História Nova do Brasil, uma sistematização didática de nosso passado elaborada, por uma equipe de historiadores dirigida por Nelson Werneck Sodré, com base no materialismo histórico. Depois do golpe militar de 1964, a obra foi apreendida e destruída pelos militares e seus autores presos.

Nos anos seguintes vieram As razões da Independência, História Militar do Brasil, História da Burguesia Brasileira, História Militar do Brasil, História da Imprensa no Brasil, antologias do pensamento marxista como Fundamentos da Economia Marxista, Fundamentos da Estética Marxista, Fundamentos do Materialismo Histórico e Fundamentos do Materialismo Dialético que, entre outros títulos (Werneck publicou até às vésperas de sua morte, em 1999), compõem um impressionante conjunto de obras dedicadas a esquadrinhar o passado brasileiro a partir do pensamento marxista e a difundir entre nós o pensamento avançado e progressista.

No debate sobre o desenvolvimento nacional, nas décadas de 1950 e 1960, Nelson Werneck posicionou-se claramente ao lado dos setores nacionalistas e democráticos que preconizavam a superação das oligarquias latifundiárias e financeiras cujo domínio ainda infelicitava o país. Foi um lutador incansável contra o imperialismo e contra seus aliados internos e depositou uma confiança muito grande na capacidade de uma aliança entre o proletariado e a chamada burguesia nacional superar aquelas contradições, assegurar a democracia e a soberania nacional e alcançar o bem estar para todos os brasileiros.

Nacional desenvolvimentismo

Foi, nestas condições, um dos principais – senão o principal – teórico do nacional desenvolvimentismo que reunia todos os setores avançados e progressistas (dos comunistas aos democratas e patriotas) que prevaleceu naquela época e opôs-se duramente, durante os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e João Goulart, à direita retrógrada, anti democrática e anti nacional que, em 1964, terminou por colocar um fim, pelo golpe militar, à limitada experiência democrática iniciada em 1946. Nelson Werneck esteve entre os perseguidos políticos, tendo seus direitos políticos cassados e sendo proibido de lecionar.

A aposta na capacidade da burguesia brasileira de enfrentar o imperialismo, o latifúndio e seus aliados, talvez tenha sido principal limitação do nacional desenvolvimentismo e, assim, do próprio pensamento de Nelson Werneck Sodré. A violência do golpe militar e a quase unânime adesão da classe dominante brasileira a ele (inclusive setores decisivos da “burguesia nacional”) foi um cruel desmentido daquela esperança. O que veio depois e que, durante vinte anos, impôs as trevas da repressão e do arbítrio, foi exatamente o contrário do que o nacional desenvolvimentismo esperava. Ao invés de se aliar ao proletariado, a burguesia e a classe média aliaram-se ao latifúndio, ao imperialismo e à alta finança, inaugurando um período em que a democracia foi tratada a ponta-pés e a soberania do país reduzida à incorporação subordinada aos interesses da geopolítica norte-americana.

O general historiador foi um gigante, e a crítica às suas teses só é possível, hoje, pois sua obra abriu os caminhos para o aprofundamento do conhecimento histórico. Aquela contradição que apontou, e que opõe os aliados do imperialismo (que, hoje, chamamos de neoliberais) aos setores patrióticos, democráticos e progressistas continua atual e suas ideias ajudam a entender o caráter da luta política em curso no país e a necessidade de enfrentar aqueles setores retrógrados e de direita para que o país continue a avançar. Esta é a atualidade de seu pensamento.

Ano comemorativo

Daí a relevância da comemoração de seu centenário. A comissão formada na última quinta-feira (6), em Itu, em uma reunião realizada no Centro de Estudos do Museu Republicano e composta por sua filha Olga, pelos professores Jonas Soares de Souza, Maria de Lourdes Figueiredo Sioli, Luis Roberto de Francisco, pelos intelectuais Maria Cristina Monteiro Tasca e Alan Dubner e pelo jornalista Salathiel de Souza, tem um programa ambicioso. Ela pretende fomentar iniciativas locais e nacionais para comemorar a data, transformando 2011 no Ano Nelson Werneck Sodré. O objetivo é envolver entidades como a Academia Brasileira de Letras, a Biblioteca Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, departamentos de história das universidades brasileiras; foi anunciado também o breve lançamento de uma página eletrônica com informações sobre o historiador e sua obra. “Não é apenas por ser meu pai”, diz Olga. “A intenção é testemunhar sobre a contribuição de Nelson Werneck Sodré para a cultura brasileira”.

Extraído de Vermelho
Para um pouco mais:


sábado, 22 de janeiro de 2011

Filosofia e Meio Ambiente

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Conferência "Filosofia e Meio Ambiente",
com Raimundo Nonato Damasceno,
no XIV Encontro Estadual de Professores/as de Filosofia,
promovido pela SEAF.


Este XIV Encontro Estadual de Professores/as de Filosofia
SEAF 2010 teve o patrocínio de

Gravado em 23 de setembro de 2010, na UERJ.





  • Raimundo Nonato Damasceno é Doutor em Química pela PUC-RJ; Coordenador do Núcleo de Estudos em Biomassa e Gerenciamento de Águas da Universidade Federal Fluminense (NAB/UFF)
  • Gravação e edição - pela gentileza e compromisso com o conhecimento - de Diego Felipe de Souza Queiroz; Professor de Filosofia na Rede Estadual de Ensino - RJ e parceiro da SEAF; a quem muito agradecemos. Partes de 1 a 5.
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sábado, 25 de setembro de 2010

Educação: de Gutenberg à era dos computadores

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Desde a revolução de Gutenberg, não ocorria nada igual à internet
O futuro é a educação

Por Paulo Guedes
Publicado no jornal O Globo em 06/09/2010

Um engenheiro construiu aquedutos e catapultas na antiga Roma, castelos e catedrais na Idade Média, como constrói nos dias de hoje foguetes espaciais e plataformas marítimas para exploração de petróleo. Um exemplo de como o conhecimento transforma as profissões através dos séculos.

De carroças puxadas por bois às ferrovias, de caminhões a diesel aos aviões de carga, mesmo o passado recente registra o extraordinário impacto das inovações sobre os meios de transporte. Um exemplo de como o conhecimento também transforma de modo radical nossas atividades produtivas.

A verdade é que a educação, ao possibilitar a evolução e a transmissão do conhecimento ao longo da história humana, modificou profissões, trouxe novas tecnologias e transformou atividades produtivas, mas recebeu relativamente pouco em troca. Seus métodos de transmissão permaneceram os mesmos por milênios.

Não me refiro evidentemente ao conteúdo educacional ou à qualidade dos métodos científicos modernos em comparação às investigações filosóficas dos antigos. E sim à "tecnologia de transmissão", com alguns tutores e muita saliva. Os ensinamentos de Aristóteles para o jovem Alexandre da Macedônia foram transmitidos por aulas expositivas, diálogos e estímulo à leitura, técnicas que em pouco diferiam das atuais.

É com essa perspectiva que avaliamos o impacto das novas tecnologias sobre a educação. Desde a revolução de Gutenberg, não ocorria nada igual à chegada da internet, a globalização efetiva da informação.

A onda de inovações aplicáveis à transmissão do conhecimento está causando uma revolução no setor. Há uma convergência de novas tecnologias que permitirá a superação do maior de todos os desafios: a universalização do ensino de qualidade.

A oportunidade de criação de valor na moderna sociedade do conhecimento por meio dessa universalização de um conteúdo antes acessível a poucos, com uma dramática redução de custos pela aplicação das novas tecnologias, está produzindo, por sua vez, uma onda de fusões, aquisições e associações entre empresas de internet, da indústria de telecomunicações, da mídia convencional e do setor de educação propriamente dito.

A convergência das novas tecnologias está derrubando as muralhas antes existentes entre esses diversos setores, redefinindo fronteiras e criando novas oportunidades de investimento. E, pela primeira vez, o maior beneficiário será a educação.


* Paulo Guedes é sócio – fundador e CEO do grupo financeiro BR Investimentos. Economista com Ph.D. pela Universidade de Chicago, foi um dos sócios - fundadores e diretor do Banco Pactual. Foi Sócio e CEO do IBMEC, uma das principais escolas de negócios do país, que veio a ser um marco no ensino de negócios do Brasil. É colunista semanal do jornal O Globo e escreve a cada duas semanas para a revista Época.

7/9/2010

Extraído de A Voz do Cidadão
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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Fim do livro? Nem pensar!

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Eletrônicos duram 10 anos; livros, 5 séculos, diz Umberto Eco

Ensaísta e escritor italiano fala em entrevista exclusiva de seu novo trabalho, 'Não Contem com o Fim do Livro'

13 de março de 2010 | 9h 33
jornal
O Estado de São Paulo - Estadão



O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. "Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade" - é a sua preferida. "Não li nenhum", começa a segunda. "Se não, por que os guardaria?"



Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros ("muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques", informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lançou na segunda quinzena de abril 2010.

A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado (Estadão) na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento - naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada - encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. "Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes", comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.

Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros - que, no momento, lideram sua preferência - como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos - caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações.

Aos 78 anos, Eco - que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) - exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco - envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) - conversou com a reportagem do Sabático.

O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias?

O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança.

Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca?


A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar - muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa - é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.


Não é possível prever o futuro da internet?


Não para mim. Quando comecei a usá-la, nos anos 1980, eu era obrigado a colocar disquetes, rodar programas. Hoje, basta apertar um botão. Eu não imaginava isso naquela época. Talvez, no futuro, o homem não precise escrever no computador, apenas falar e seu comando de voz será reconhecido. Ou seja, trocará o teclado pela voz. Mas realmente não sei.

Como a crescente velocidade de processar dados de um computador poderá influenciar a forma como absorvemos informação?


O cérebro humano é adaptável às necessidades. Eu me sinto bem em um carro em alta velocidade, mas meu avô ficava apavorado. Já meu neto consegue informações com mais facilidade no computador do que eu. Não podemos prever até que ponto nosso cérebro terá capacidade para entender e absorver novas informações. Até porque uma evolução física também é necessária. Atualmente, poucos conseguem viajar longas distâncias - de Paris a Nova York, por exemplo - sem sentir o desconforto do jet lag. Mas quem sabe meu neto não poderá fazer esse trajeto no futuro em meia hora e se sentir bem?


É possível existir contracultura na internet?


Sim, com certeza, e ela pode se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas batendo papo, na China é a única forma de se manter contato com o restante do mundo.

Em um determinado trecho de 'Não Contem Com o Fim do Livro', o senhor e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória - que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar.


De fato, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação. Lembro que, na escola, eu era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória. Lembro-me de uma maravilhosa história de ficção científica escrita por Isaac Asimov, nos anos 1950. É sobre uma civilização do futuro em que as máquinas fazem tudo, inclusive as mais simples contas de multiplicar. De repente, o mundo entra em guerra, acontece um tremendo blecaute e nenhuma máquina funciona mais. Instala-se o caos até que se descobre um homem do Tennessee que ainda sabe fazer contas de cabeça. Mas, em vez de representar uma salvação, ele se torna uma arma poderosa e é disputado por todos os governos - até ser capturado pelo Pentágono por causa do perigo que representa (risos). Não é maravilhoso?


No livro, o senhor e Carrière comentam sobre como a falta de leitura de alguns líderes influenciou suas errôneas decisões.


Sim, escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a atual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, "
O Crisântemo e a Espada". De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro.

Diversos historiadores apontam os ataques terroristas contra os americanos em 11 de setembro de 2001 como definidores de um novo curso para a humanidade. O senhor pensa da mesma forma?


Foi algo realmente modificador. Na primeira guerra americana contra o Iraque, sob o governo de Bush pai, havia um confronto direto: a imprensa estava lá e presenciava os combates, as perdas humanas, as conquistas de território. Depois, em setembro de 2001, se percebeu que a guerra perdera a essência de confronto humano direto - o inimigo transformara-se no terrorismo, que podia se personificar em uma nação ou mesmo nos vizinhos do apartamento ao lado. Deixou de ser uma guerra travada por soldados e passou para as mãos dos agentes secretos. Ao mesmo tempo, a guerra globalizou-se; todos podem acompanhá-la pela televisão, pela internet. Há discussões generalizadas sobre o assunto.


Falando agora sobre sua biblioteca, é verdade que ela conta com 50 mil volumes?


Sim, de uma forma geral. Nesse apartamento em Milão, estão apenas 30 mil - o restante está no interior da Itália, onde tenho outra casa. Mas sempre me desfaço de algumas centenas, pois, como disse antes, é preciso fazer uma filtragem.


Por que o senhor impediu sua secretária de catalogá-los?


Porque a forma como você organiza seus livros depende da sua necessidade atual. Tenho um amigo que mantém os seus em ordem alfabética de autores, o que é absolutamente estúpido, pois a obra de um historiador francês vai estar em uma estante e a de outro em um lugar diferente. Eu tenho aqui literatura contemporânea separada por ordem alfabética de países. Já a não contemporânea está dividida por séculos e pelo tipo de arte. Mas, às vezes, um determinado livro pode tanto ser considerado por mim como filosófico ou de estética da arte; depende do motivo da minha pesquisa. Assim, reorganizo minha biblioteca segundo meus critérios e somente eu, e não uma secretária, pode fazer isso. Claro que, com um acervo desse tamanho, não é fácil saber onde está cada livro. Meu método facilita, eu tenho boa memória, mas, se algum idiota da família retira alguma obra de um lugar e a coloca em outro, esse livro está perdido para sempre. É melhor comprar outro exemplar (risos).


Um estudioso que também é seu amigo, Marshall Blonsky, escreveu certa vez que existe de um lado Umberto, o famoso romancista, e de outro Eco, professor de semiótica.


E ambos sou eu (risos). Quando escrevo romances, procuro não pensar em minhas pesquisas acadêmicas - por isso, tiro férias. Mesmo assim, leitores e críticos traçam diversas conexões, o que não discuto. Lembro de que, quando escrevia "
O Pêndulo de Foucault", fiz diversas pesquisas sobre ciência oculta até que, em um determinado momento, elas atingiram tal envergadura que temi uma teorização exagerada no romance. Então, transformei todo o material em um curso sobre ciência oculta, o que foi muito bem-feito.

Por falar em 'O Pêndulo de Foucault', comenta-se que o senhor antecipou em muito tempo O Código de Da Vinci, de Dan Brown.


Quem leu meu livro sabe que é verdade. Mas, enquanto são os meus personagens que levam a sério esse ocultismo barato, Dan Brown é quem leva isso a sério e tenta convencer os leitores de que realmente é um assunto a ser considerado. Ou seja, fez uma bela maquiagem. Fomos apresentados neste ano em uma première do Teatro Scala e ele assim se apresentou: "
O senhor não me admira, mas eu gosto de seus livros." Respondi: "Não é que eu não goste de você - afinal, eu criei você" (risos).

Em seu mais conhecido romance, O Nome da Rosa, há um momento em que se discute se Jesus chegou a sorrir. É possível pensar em senso de humor quando se trata de Deus?


De acordo com Baudelaire, é o Diabo quem tem mais senso de humor (risos). E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira. E se ainda a vida é como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, como Shakespeare apregoa em Macbeth, é preciso ainda mais senso de humor para entender a trajetória da humanidade.


Como foi a exposição no Museu do Louvre, em Paris, da qual o senhor foi curador, no ano passado?


Há quatro anos, o museu reserva um mês para um convidado (Toni Morrison foi escolhida certa vez) organizar o que bem entender. Então, me convidaram e eu respondi que queria fazer algo sobre listas. "
Por quê?", perguntaram. Ora, sempre usei muitas listas em meus romances - até pensei em escrever um ensaio sobre esse hábito. Bem, quando se fala em listas na cultura, normalmente se pensa em literatura. Mas, como se trata de um museu, decidi elaborar uma lista visual e musical, essa sugerida pela direção do Louvre. Assim, tive o privilégio (que não foi oferecido a Dan Brown) de visitar o museu vazio, às terças-feiras, quando está fechado. E pude tocar a bunda da Vênus de Milo (risos) e admirar a Mona Lisa a apenas 20 centímetros de distância.

O senhor esteve duas vezes no Brasil, em 1966 e 1979. Que recordações guarda dessas visitas?


Muitas. A primeira, em São Paulo, onde dei algumas aulas na Faculdade de Arquitetura (da USP), que originaram o livro "
A Estrutura Ausente". Já na segunda fui acompanhado da família e viajamos de Manaus a Curitiba. Foi maravilhoso. Lembro-me de meu editor na época pedindo para eu ficar para o carnaval e assistir ao desfile das escolas de samba de camarote, o que não pude atender. E também me recordo de imagens fortes, como a da moça que cai em transe em um terreiro (para o qual fui levado por Mario Schenberg) e que reproduzo em "O Pêndulo de Foucault."

Extraído de Estadão


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domingo, 29 de agosto de 2010

SP: Ensino mútuo na Educação

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Ensino mútuo na Educação

Marcos Francisco Martins*


Matérias veiculadas recentemente em jornais de grande circulação afirmam que as autoridades educacionais do Estado de São Paulo pretendem implantar o “ensino mútuo” na rede de ensino, um método há muito conhecido e difundido mundo afora, e agora apresentado como a mais nova alternativa ao péssimo desempenho dos alunos das escolas estaduais aferido por sucessivos métodos de avaliação.

A recente proposta de ensino mútuo anunciada para melhorar a qualidade do ensino paulista almeja, segundo as informações, utilizar alunos do ensino médio para auxiliar estudantes dos 6º e 7º anos do ensino fundamental em duas sessões semanais de “tira-dúvidas”, o que se constitui, na verdade, em um projeto de reforço escolar. Cada aluno-monitor receberá pelo trabalho R$ 115,00 a título de bolsa auxílio, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e por ONG´s, segundo um modelo elaborado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

A proposta de ensino mútuo não é nenhuma novidade na história da educação. Pelo contrário, ela foi desenvolvida principalmente por Joseph Lancaster (1778-1838), um protestante que pregava o ensino mútuo, a repetição para a memorização e a disciplina corpo-mente com objetivos morais, por exemplo: o combate à ociosidade e à preguiça. O método Lancaster consistia numa proposta segundo a qual um único mestre ensinasse, com a ajuda de outros alunos-monitores, até mil alunos a ler, escrever e contar em cerca de oito meses. Tendo como origem a Inglaterra, foi aplicado em várias partes do mundo. No Brasil, sob a vigência de Dom João VI, o ensino mútuo esteve presente nas províncias de Minas Gerais e Mato Grosso, por exemplo. Além disso, a Primeira Lei Geral da Educação Pública no Brasil independente, aprovada em 15 de outubro de 1827, instituiu como obrigatório o ensino mútuo, sobretudo pela falta de professores e pelos almejados resultados prometidos em relação à massificação da educação.

Pelo que se vê, pode-se dizer que as autoridades da área da Educação em São Paulo não superaram ainda a visão educacional romântica de um ex e recente Secretário Estadual que resumia os problemas educacionais a uma simples questão de afeto. Tanto assim que até mesmo o atual Governador, chamado a falar sobre a proposta de ensino mútuo, destacou o fato de que o “rendimento” dos alunos poderá melhorar com o ensino mediado pela relação aluno-aluno.

Contudo, não é apenas o fato de essa proposta anunciada remontar ao século XIX que estimula a ponderação crítica sobre ela, mas também outras questões de maior relevância. Por exemplo: se o Governo Paulista pretende realmente melhorar a qualidade do ensino, não seria melhor investir os recursos destinados aos futuros alunos-monitores na qualificação de seus próprios professores? Ou mesmo utilizar o dinheiro para contratar novos profissionais da educação para se dedicar a essa importante tarefa?

Esquecem-se as autoridades da educação do fato de que quem prepara o aluno-monitor também é o professor, o que nos leva a reiterar a tese de que não haverá alternativa à educação paulista sem um sistema adequado de formação dos profissionais da educação e seu reconhecimento social e profissional por meio, inclusive e principalmente, de melhores salários.

Infelizmente, em cada uma das muitas propostas anunciadas pela Secretaria Estadual de Educação em período recente, o professor não tem tido status digno de respeito pelos sucessivos governos paulistas. Denunciada a péssima qualidade do ensino, inclusive pelos mecanismos estaduais de avaliação, corre-se a culpar o professor. Quando ele reprovava o aluno, a culpa recaía sobre ele por ser autoritário e desatualizado em relação aos novos métodos de ensino e de avaliação. Quando ele é obrigado à aprovação automaticamente, a culpa também recaí sobre ele pela qualidade do ensino ter atingido níveis risíveis, não fossem trágicos. Agora, como ele continua sendo culpado, troca-se o professor pelo aluno. Será que se mais esse projeto não der certo vão culpar os alunos-monitores pelo não aprendizado dos demais e pela continuidade do fracasso escolar em São Paulo?


* Marcos Francisco Martins – pesquisador do CNPq e professor da UFSCar-Campus Sorocaba -

Matéria recebida do autor e publicada em “Correio Popular”, 04.08.2010, Coluna Opinião, p. A3 (Campinas-SP)


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domingo, 1 de agosto de 2010

Novas regras para funcionamento de Fundações de Pesquisa

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Medida Provisória resolve impasse de fundações

Governo federal oferece solução para as restrições ao funcionamento das fundações de apoio à pesquisa das ICTs, impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2008

A MP 495/2010 foi assinada nesta segunda-feira, dia 19 de julho, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia após reunião com representantes da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O texto, com força de lei, está publicado no Diário Oficial da União desta terça-feira, dia 20

Conforme adiantado pelo "JC e-mail" em 25 de junho, as alterações na Lei 8.958/1994 - que dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior (Ifes) e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio - valerão para todas as instituições científicas e tecnológicas (ICTs) públicas, de qualquer esfera de governo. A MP foi elaborada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em diálogo com outras pastas.

A nova legislação, no entanto, não possui a abrangência do anteprojeto de MP elaborado pela SBPC e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), apresentado ao presidente Lula antes da abertura solene da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), no fim de maio, em Brasília.

Segundo a MP 495, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as demais "agências financeiras oficiais de fomento" estão autorizadas a firmar convênios e contratos com as fundações das Ifes e ICTs. Aí estão incluídos o apoio à pesquisa científica e tecnológica, e a gestão administrativa e financeira dos projetos.

Além de alterar a Lei 8.958/1994, a MP 495 muda a redação da Lei de Inovação (10.973/2004), para esclarecer as definições de "ICT" e de "instituição de apoio".

Também foram incluídos na MP mecanismos para aumentar a transparência na atuação das fundações. A Lei 8.958/1994 foi acrescida do Artigo 4º-A, segundo o qual as fundações estão obrigadas a publicar na internet uma série de informações, como relatórios semestrais da execução dos contratos.

Com a inclusão do Artigo 4º-B na mesma lei, também está autorizada a concessão de bolsas por parte das fundações, para alunos de graduação e pós-graduação vinculados a projetos de pesquisa apoiados. Servidores das Ifes e ICTs também poderão receber bolsas de ensino, pesquisa e extensão nos projetos.

Restrições

Em sua Sessão Plenária de 26 de maio passado, o TCU fixou até 31 de dezembro o prazo para cumprimento do subitem 9.4.1 do Acórdão 2.731/2008, que determina a proibição a repasses de verbas federais "com objetivos de fomento à pesquisa científica ou tecnológica, diretamente para fundações de apoio a Ifes (instituições federais de ensino superior)".

O acórdão de 2008, relatado pelo ministro Aroldo Cedraz, analisa a atuação das fundações de apoio à pesquisa das universidades federais à luz Lei 8.958/1994. Segundo a interpretação do TCU, a lei de 1994 não autorizaria as fundações a administrarem recursos repassados por agências de fomento.

Apesar das restrições, em março do ano passado, por solicitação do MCT e do MEC, o TCU havia concedido 360 dias para início do cumprimento da determinação do item 9.4.1 do Acórdão 2.731/2008. O prazo, dado para que as Ifes pudessem se adequar às novas regras, terminou em 26 de março último.

Nesse mesmo dia, foi publicado no Diário Oficial da União o Acórdão 1.255/2010 do TCU, que analisa contas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e estende as restrições impostas pela norma de 2008 a todas as ICTs públicas, em todas as esferas de governo, e não apenas às Ifes. Em maio, conforme o Acórdão 2.035/2010, o TCU também daria prazo de 360 dias para o cumprimento do Acórdão 1.255/2010.

Ou seja, até a edição da MP 495/2010, nesta terça-feira, dia 20, as restrições impostas pelos Acórdãos 2.731/2008 e 1.255/2010 estavam suspensas, mas apenas temporariamente. Ao fazer mudanças na Lei 8.958/1994, a MP resolve as restrições a todas as ICTs, em todas as esferas.

Proposta

No mesmo dia em que o TCU ofereceu mais prazo para as Ifes cumprirem o acórdão de 2008, durante a 4ª CNCTI, os presidentes da SBPC, Marco Antonio Raupp, e da ABC, Jacob Palis Jr., entregaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um anteprojeto de MP para criar um regime jurídico especial para a realização de licitações e estabelecimento de contratos por ICTs e agências de fomento. Em 8 de junho, Raupp teve uma audiência com o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, para tratar do anteprojeto.

A proposta buscava autorizar as instituições a efetuar suas compras e contratações com base em regulamento próprio, elaborado de acordo com as normas da administração pública, e não mais pela Lei 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos), considerada um entrave à pesquisa no Brasil. Dessa forma, ela resolveria as restrições impostas pelo TCU e daria um passo além na desburocratização das atividades científicas.

Presente à reunião entre Raupp, Palis Jr. e o presidente Lula, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, reconheceu que o anteprojeto das duas entidades seria uma solução mais abrangente. Segundo Rezende, o presidente Lula entregou ao MCT a tarefa de trabalhar no anteprojeto.

"Passei para o meu chefe de gabinete e pedi para examinar com cuidado", disse o ministro, em entrevista ao "JC" durante a 4ª CNCTI. "Temos que ver se realmente [a proposta] é factível, se tudo o que está lá pode ser feito, se não contraria outros preceitos maiores", completou Rezende, cerca de dois meses atrás.

  1. Fontes:
  2. Jornal da Ciência (extraído de)
  3. D. O. - MEDIDA PROVISÓRIA N o - 495, DE 19 DE JULHO DE 2010
  4. Fundações deixam de ser 'caixa' de universidades e buscam setor privado
  5. As novas regras das fundações de pesquisa


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Projeto regulariza atividade extra de professor federal

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Projeto regulariza atividade extra de professor federal

Minuta de texto elaborado pelo governo define as atividades remuneradas permitidas a docentes de instituições federais

31 de julho de 2010 | 0h 00 - Lígia Formenti/BRASÍ LIA - O Estado de S.Paulo


Professores universitários que trabalham em regime de dedicação exclusiva poderão participar - e receber - de conselhos, além de ganhar cachês por palestras, conferências e atividades artísticas. As propostas integram uma minuta de projeto de lei apresentada pelo governo para regulamentar a carreira docente nas instituições federais.

Preparado ao longo dos últimos dois anos, o texto, com 46 artigos, traz regras mais precisas para essa prática comum, mas que há tempos era condenada pelo Tribunal de Contas da União. "Normas mais claras eram indispensáveis", afirmou o ministro do TCU, Aroldo Cedraz.

As mudanças propostas não são mais rígidas ou mais flexíveis do que a situação atual. Pelas regras das universidades hoje, a liberdade para professores em dedicação exclusiva exercer outras atividades é praticamente inexistente. Mas, na prática, essas restrições quase nunca funcionavam. Usando recurso das fundações, professores conseguiam exercer uma série de atividades, como consultorias por longos períodos em horários muitas vezes incompatíveis com sua jornada nas faculdades.


A proposta, apresentada semana passada para a diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), prevê mudanças na carreira, como a criação do professor sênior. "Ele ficaria no mesmo patamar que o professor titular", afirma o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira. A medida, segundo ele, pretende ampliar o incentivo para progresso na carreira.

O secretário executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno, disse ser favorável à regulamentação das atividades realizadas fora das universidades. "Por que não ter direito de participar e receber, por exemplo, de um conselho da Petrobrás? Professores têm contribuição para sociedade, que pode ser feita não apenas por meio das aulas na universidade."

Além de tornar mais claras as formas de participação de professores, a proposta prevê que todo pagamento extra tem de ser feito por meio do sistema oficial da União, como forma de evitar que profissionais ganhem além do teto constitucional. Algo que poderia ocorrer quando profissionais recebiam, por exemplo, via fundações de amparo à pesquisa - cujas regras de funcionamento foram alteradas em medida provisória, editada semana passada. (para postagem sobre "Novas regras para fundações de pesquisa")

A minuta viria para completar a mudança, que integra o pacote para ampliar a autonomia universitária. Entre as regras previstas, estão mecanismos para pagamento de projetos de pesquisa e extensão - algo que antes era feito nas fundações.

Discórdia. A ideia do governo é apresentar o projeto de lei depois das eleições. Antes, deverão ser feitos debates com setores interessados. A primeira reunião está marcada para o fim de agosto. Muita polêmica ainda está por vir. "É um texto que prejudica aposentados e provoca uma corrida de docentes para financiamento de pesquisas", resume o primeiro-vice- presidente da Andes, Luiz Henrique Schuch.

Para ele, a saída para melhor remuneração de professores não é a participação em atividades extra. "Não é essa a nossa missão. O que o governo precisa definir é qual é o projeto de universidade que ele quer."

Recebido de Marcos Francisco Martins, a quem agradecemos.
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