sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

“Orfeu”, de Claudio Monteverdi, e o início da aventura humanista na filosofia e na política


Orfeu, de Claudio Monteverdi, 1567 – 1643


Quando esta obra foi estreada em Mantua, em fevereiro de 1607, havia passado poucos anos da realização do Concílio de Trento, em 1563, no qual se confirmava a existência do purgatório da tradição católica do século VI. Mesmo que a idéia já tenha sido usada por Dante, na Divina Comédia, desde finais do século XIII, poetas como Monteverdi se fixavam no modelo da antiguidade clássica grega que concebia apenas a existência do Paraíso e do Inferno. Curioso também é que mesmo o heliocentrismo, acabado de ser defendido por Copérnico, desde a primeira metade do século XVI, não é aceito nos versos de L’Orfeo, onde o sol continua a girar em torno da terra da concepção geocentrista da Igreja.

Se L’Orfeo é o nascimento da ópera na Renascença italiana, é também o início da aventura humanista nos campos da filosofia e da política, não cabendo mais a Deus a determinação do destino humano. E tanto é esta a idéia central do drama que Orfeu se torna o único responsável pela sua desgraça quando desobedece ao deus do Hades e retorna o olhar para trás desconfiando de que Eurídice o seguia no retorno do Inferno para a luz do sol e quebrando com isso o contrato que ele próprio estabelecera. Trata-se aqui de uma fábula sobre o livre arbítrio que faz do cidadão um indivíduo responsável pela seu próprio destino e liberdade. E não mais um servo de quaisquer deuses ou senhores por mais poderosos que sejam.

O próprio fato de Monteverdi intitular sua peça, considerada marco de surgimento do que passará a se chamar simplesmente de ópera, de “Favola in Musica”, nos dá a dimensão de que se trata de um gênero alegórico, referente ao mundo do inverossímil, e não simplesmente de um “drama musicale”, como no gênero que se seguirá com o advento da ópera lírica e do verismo italiano, cujos argumentos

São necessariamente verossímeis. Curioso também é sua escolha do clássico mito de Orfeu, identificado na cultura grega como o arquétipo da música e de seu poder de sedução e encantamento, o que, se o afastava do mundo real da polis, o levava a reconciliar o homem com seu próprio destino.

Vale a pena assistir a esta belíssima montagem do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com direção de cena de Alberto Renault e direção de orquestra e cravo de Marcelo Fagerlande, esta particularmente brilhante e de nível internacional.

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