sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Neném Prancha e a educação no Brasil


Coluna - Armando Castelar Pinheiro - Valor Econômico - 12/9/2008

São várias as frases famosas do "filósofo da bola", o inesquecível botafoguense Antônio Franco de Oliveira. É de Neném Prancha, como era mais conhecido, a observação de que "pênalti é uma coisa tão importante, que quem devia bater é o presidente do clube". Este artigo faz um argumento parecido: que a educação é tão importante para o futuro do Brasil que deveria ser responsabilidade direta do presidente da República.

É ocioso relembrar os benefícios da educação, do maior potencial de crescimento à menor criminalidade. Mas o Brasil teve historicamente uma atitude ambígua em relação à educação. Ela sempre foi uma preocupação nas famílias de alta renda, desde quando era comum enviar os filhos para estudar no exterior. Isso levou o país a ter algumas excelentes escolas públicas, que, todavia, atendiam a uma pequena parte da população. Para a maioria, a educação ou não era acessível, ou não era uma prioridade. Essa situação, por sua vez, perenizava a má distribuição de renda, já que o capital educacional permanecia concentrado nas mesmas famílias, enquanto a sua escassez lhe garantia uma alta remuneração.

Esse quadro prevaleceu até pouco tempo atrás: por exemplo, de 1960 (dado mais antigo disponível) a 1980, a escolaridade média do brasileiro com 25 anos ou mais de idade estagnou em três anos de estudo, a despeito do forte aumento do PIB per capita desde a década 1930 (e da incansável retórica política em prol da educação). Em 1980, depois de cinco décadas de forte crescimento econômico, só metade dos brasileiros de 15 a 17 anos de idade freqüentava a escola, e só 15% estavam na série adequada de ensino.

O Brasil vem acordando para esse problema. Em particular, houve uma correta preocupação em ampliar a oferta e a demanda de educação básica, com a expansão da rede escolar, a vinculação de recursos a esse nível de ensino e a criação de programas como o Bolsa Escola (agora Bolsa Família), que condicionam transferências compensatórias de renda à freqüência escolar. Os resultados apareceram: a escolaridade média da população (25 anos ou mais) subiu 2,4% ao ano em 1981-2005 e, já em 2000, 96% das crianças (7 a 14 anos) e 83% dos jovens (15 a 17 anos) freqüentavam a escola.

É preciso estabelecer um sistema de premiação monetária condicionado ao desempenho e valorizar o professor para a sociedade

Em que pesem esses avanços, o Brasil ainda progride menos do que precisa e do que faz o resto do mundo. Em 1980, os brasileiros tinham, em média, um ano e meio de estudo a menos que a média de México, Malásia e África do Sul; em 2000, essa diferença dobrara. Comparações internacionais mostram a precária qualidade do aprendizado em nossas escolas: no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) de 2006, que avaliou 400 mil estudantes de 15 anos de idade em 57 países, o Brasil ficou na 50ª posição em leitura, 53ª em ciências e 54ª em matemática.

Aumentar o gasto com educação pode ajudar a melhorar esse quadro, mas a falta de recursos não é o problema principal. No Brasil, o setor público gasta cerca de 2,9% do PIB com ensino básico, contra uma média de 3,7% na OCDE. Mais importante, portanto, é elevar a eficiência do gasto. Isso passa por gerir melhor os recursos humanos, que respondem por 80% a 90% das despesas com educação nos Estados e municípios, responsáveis por 99,6% da matrícula pública na educação básica. Os problemas são conhecidos: altas taxas de absenteísmo e de professores alocados a atividades não docentes, inclusive fora das secretarias de educação; carga horária inferior à mínima exigida, em especial em matemática e ciências etc. As soluções também são conhecidas, mas esbarram nas regras de pessoal no serviço público, na pressão sindical e no freqüente loteamento político de cargos de direção.

O problema principal é a obrigação de tratar igual os diferentes; em particular, a dificuldade de remunerar melhor quem se esforça mais e/ou leciona disciplinas para as quais o mercado de trabalho oferece boas alternativas em outras carreiras (por exemplo, matemática e ciências). Alguns prefeitos e governadores instituíram programas de bônus por desempenho, mas a dificuldade de limitá-lo aos que se destacam a cada ano é muito grande: é difícil excluir e quase impossível retirar o bônus se o desempenho cai. Há também um problema de auto-estima: usualmente quem decide trabalhar em setores como educação, saúde ou assistência social o faz também por outras motivações que não só o salário. Mas a bem-vinda massificação do ensino foi acompanhada da desvalorização da carreira docente, que precisa ser revertida. Na Finlândia, país em que os alunos obtiveram o melhor resultado no Pisa, a carreira de professor é uma das mais valorizadas socialmente.

Paralelamente, é preciso incentivar a preocupação com o saber. Fomos bem-sucedidos em estimular a demanda e a oferta de matrículas, mas com programas que são ineficazes em termos de promover a qualidade do ensino e a demanda por aprender.

O que o presidente da República pode fazer a respeito? A proposta é que se utilizem as muitas (e boas) avaliações feitas pelo Inep para criar um campeonato brasileiro de escolas, em que ganham as que mais melhorarem seu desempenho de um ano para outro. O presidente entregaria os prêmios aos professores campeões e se responsabilizaria por dar publicidade e valorizar o evento. Vários elementos podem potencializar esse esforço de transformar o Brasil no país da educação - uma avaliação parcial de meio de ano, etapas preliminares em nível estadual envolvendo os governadores, prêmios para diferentes medidas de desempenho, prêmios para os pais etc. Esse programa teria três objetivos: estabelecer um sistema de premiação monetária efetivamente condicionado ao desempenho; valorizar o professor aos olhos da sociedade, dando a todos a chance de tornarem-se "celebridades"; e fomentar a demanda pelo saber nas famílias mais pobres, conscientizando-as de que aprender requer mais do que só ir à escola.

Como diria Neném Prancha, o Brasil tem que ir ao livro e à sala de aula "com a mesma disposição com que vai num prato de comida. Com fome, para estraçalhar". E ninguém menos que o presidente da República deveria liderar essa mudança de percepção sobre a educação.

Armando Castelar Pinheiro analista da Gávea Investimentos e professor do IE - UFRJ. Escreve mensalmente às sextas- feiras.

http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=456471
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