quarta-feira, 28 de abril de 2010

De tecnologia e comunicação

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A tecnologia avança mais rápido do que a comunicação

Bolívar Torres

A internet é mesmo a grande revolução prevista por certos teóricos? Em seu novo livro, Informar não comunicar o sociólogo francês Dominique Wolton joga um balde de água fria nas utopias digitais, que cravaram que as novas tecnologias iriam resolver todos os problemas da comunicação.

Para o prestigiado pesquisador do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas, na sigla em português), fundador e diretor da revista Hermès, confundiu-se os – indiscutíveis – avanços técnicos de transmissão da informação com a nossa capacidade de absorvê-los e nos adaptarmos às mudanças.

O resultado é paradoxal: mais rápido avançam as tecnologias, mais lento é o nosso progresso na comunicação. Wolton não nega a importância das novas ferramentas, mas desconstrói a ilusão de que a internet possibilitará um conhecimento sem intermediários.

Ao contrário do espaço de integração e pluralidade idealizado por alguns, vê um sério risco de segmentação: usuários isolados em suas ilhas, ou limitados a seus grupos de afinidades, incapazes de dialogar com valores diferentes dos seus.

Antes que o acusem de conservadorismo, vale lembrar que o pensador defende, na verdade, uma visão mais humanista da comunicação, que coloque o indivíduo acima das tecnologias. Pede com urgência que a comunicação seja vista como um projeto político e cultural, para que possa enfim produzir um melhor entendimento entre os homens num mundo cada vez mais multipolar.

Os avanços da comunicação deflagraram a nossa dificuldade de se comunicar?

– Há um descompasso entre a velocidade e o volume de informações aos quais temos acesso todos os dias e nossa capacidade de se comunicar. As informações avançam rápido, já a comunicação, muito devagar. Identificamos erroneamente as técnicas de comunicação ao progresso, e esquecemos da complexidade do homem. A comunicação é uma das apostas científicas do século 21: precisamos gerar nossas diferenças, coabitar, muito mais do que dividir o que temos em comum. O desafio é tomar consciência que a comunicação deve conviver pacificamente com as novas tecnologias da mesma maneira que a ecologia.

O mundo finalmente deu atenção à ecologia, agora é preciso também ficar atento às ciências sociais da comunicação.

Quais são os maiores perigos da visão tecnicista da comunicação?

– É uma visão que contém riscos porque cria uma confusão entre o que é informação e o que é comunicação. Não apenas releva a capacidade crítica do receptor exposto à mensagem, mas também a sua resistência a uma visão diferente do mundo. É preciso aceitar a ideia de que a comunicação também possui uma dimensão política e cultural. Se aceitamos que a ecologia deve ser um assunto político, por que não a comunicação?

Os ideólogos da revolução digital defendem que a internet pode produzir uma democracia mais direta, emancipada das instituições, e que se autorregulamentaria sem a necessidade de intermediários. É uma ideia populista?

– É uma ideia democrática apenas na aparência. A internet ressuscitou a utopia da democracia direta. É ingênuo, porque se você não tem intermediários, é o dinheiro e as minorias que dominam. Não existe democracia sem intermediários: políticos, jornalistas, professores, médicos... A televisão comunitária existe há pelo menos 20 anos e não resultou na democracia direta. A mídia está cada vez mais interativa, mas não melhorou em nada. Para que haja democracia, é preciso haver eleições. Aliás, eleições servem para eliminar aquilo com o que não concordamos.

A internet é defendida como um agente do pluralismo. Mas o senhor vê um risco de conformismo, submissão ao receptor e às modas. Até agora, o digital contribuiu mais para uma homogeneização da mídia?

– A internet pode se transformar em um espaço onde todo mundo pensa a mesma coisa, pois cada um se fecha em sua comunidade. Mas se for regulamentada, poderá refletir o pluralismo da sociedade. Aconteceu o mesmo na história da política, da ciência ou da arte. A comunicação é um projeto político. Com a internet, corremos o risco de entrar no comunitarismo: as comunidades se prendem em suas próprias afinidades, sem dar atenção a outras possibilidades. A comunicação é uma ida e volta, é preciso negociar as diferenças.

Em resposta à utopia de integração, o senhor aponta as “solidões interativas”...

– Não podemos negar que a internet trouxe uma abertura formidável. Mas depois de um tempo, pode virar prisões individuais: as pessoas se trancam e não se comunicam com valores diferentes dos seus. A web é um sistema de informação baseado na demanda, enquanto as mídias clássicas se baseiam na oferta. A web não ultrapassa a demanda, e com isso produz uma segmentação. Por outro lado, as mídias clássicas enriquecem a demanda com a oferta.

Qual foi a verdadeira influência da internet nas últimas eleições presidenciais americanas?

– Já se disse muita besteira sobre a campanha de Obama. Na verdade, ele percebeu a importância das redes sociais e se serviu delas. Mas era algo que já existia muito antes, pelos meios clássicos. Não foi a internet que deu a largada para o militantismo, ela simplesmente acelerou um sentimento que já existia na população.

O senhor afirma que o jornalismo é uma profissão, exige formação. Como vê a decisão da Justiça brasileira de anular a necessidade de diploma para praticar o jornalismo no país?

– O jornalismo é uma profissão que exige responsabilidade, uma maneira de ver o mundo. É importante que ela mantenha as portas abertas para os mais jovens. Mas acreditar que ela pode acolher todo mundo, mesmo aqueles que não conhecem as dificuldades do métier, é uma visão demagógica, que pode vulgarizar o ofício. Quanto mais surgem novas mídias, mais é preciso reafirmar a importância dos intermediários e de seu profissionalismo.

Os jornalismo impresso vai acabar?

– Cada um tem seu lugar. A internet tem como aspecto positivo a sua capacidade de ser um instrumento de contrapoder e, como negativo, a sua segmentação. Já as mídias clássicas são positivas por se abrir a todos, mas negativas por serem generalistas demais. Precisamos de cada um dos dois em suas visões positivas. Cada mídia tem sua cultura e competência.

Terça-feira, 27 de Abril de 2010
Fonte JB Online
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Sobre professores e competências

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A militância política dos professores não pode ser exercida em sala de aula. Ali há programas, ementas, objetivos e bibliografias bem definidos a cumprir. Sejam pagos por escolas públicas ou privadas, os mestres estão submetidos a hierarquias baseadas em relações de saber, não de poder, e precisam ministrar aos alunos um ensino de qualidade. Aqueles que substituem ações docentes por proselitismo estão traindo os alunos. Não é esta a única razão do notório fracasso escolar, mas é uma força considerável no rebaixamento da qualidade de ensino.

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Há algo muito mais grave do que ensinar que não houve ou não há [literatura brasileira]. É fazer de conta que obras e autores do gosto do mestre sejam impostos aos alunos como únicas referências [literárias]. Naturalmente, o mestre tem seu gosto, que é também uma categoria estética, mas quem experimenta o prato é o cliente, não o garçom. E neste caso, críticos e professores são garçons.

Por melhor crítico que tenha sido Armando Nogueira, quem fez a jogada foi Pelé, foi Garrincha, foi Romário, foi Maradona, não ele. Ele não jogava, ele comentava. Exagerando um pouco, Sartre disse que "os críticos são guardiães de cemitérios". E ademais já não somos poucos os que achamos que é urgente uma revisão em nosso cânone [literário], que consagra tantas mediocridades.

Extrato de “Wilson Martins (1921-2010) - Crítico é atacado depois de morto”, por Deonísio da Silva, em 27/4/2010

Extraído de Observatório da Imprensa
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Pierre Hadot, o filósofo da sabedoria

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Morre Pierre Hadot, o filósofo da sabedoria

24 de abril de 2010

O filósofo francês Pierre Hadot, um dos maiores especialistas contemporâneos em filosofia antiga, morreu no último domingo, em Paris, aos 89 anos.

Estudioso do pensamento grego e sobretudo do neoplatonismo, vários de seus livros foram traduzidos também para o português, como O que é filosofia antiga, São Paulo: Loyola, 1999 e O véu de Isis, Loyola: São Paulo, 2006.

Diretor da École Pratique des Hautes Études de 1964 a 1986, Hadot foi nomeado professor do Collège de France em 1982. Foi titular da cátedra de história grega e filosofia clássica.

Hadot foi um dos primeiros que introduziu o pensamento de Wittgenstein na França.

Numa entrevista, publicada pelas Notícias do Dia, 03-07-2009, o filósofo alemão Peter Sloterdijk constatava que "Pierre Hadot, cujo pensamento influenciou muito Foucault, nos pôs em guarda contra conceber a filosofia em sua acepção cognitivista".

Fonte: Unisinos

Extraído de Amai-vos


Paul-Hubert Poirier, John Turner, and Pierre Hadot
during the colloquium
"La Bibliothèque de Nag Hammadi et la philosophie grecque"
held in Paris at the Séminaire des missions étrangères
September 26-27, 2002 on the occasion of the
340th anniversary of the founding of the Séminaire de Québec
and the 150th anniversary of Queen Victoria's,
granting of Université Laval's royal charter,
at which time Université Laval awarded Pierre Hadot,
Professeur honoraire au Collège de France, its honorary doctorate.


Fonte da foto: Página do Prof. John Turner, na University of Nebraska–Lincoln
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Publicidade para Crianças: Uma concepção de educação em jogo



Publicidade para Crianças: Uma concepção de educação em jogo


Por Michelle Prazeres
em 27/4/2010


Semana passada escrevi – em artigo encomendado pelo jornal Folha de S.Paulo – sobre o caso da escola em São Caetano (SP) que promove viagens de uma agência para a Disney (matéria e artigo estão disponíveis aqui). No artigo, afirmo que o que está em jogo, quando uma escola cede aos apelos da publicidade, é uma concepção de educação.

O que está em jogo:

A serviço de que está a formação dos indivíduos na contemporaneidade? Estaria ela voltada para o desenvolvimento e para o crescimento? Ou estudamos para sermos bem-sucedidos no mercado de trabalho? Ou será que somos educados para sermos cidadãos e vivermos com dignidade e em sociedade? Ou ainda, hoje em dia, formam-se bons consumidores?

Em 2009, neste Observatório, alertei para a entrada sorrateira da publicidade nas escolas através dos professores (ver "A privatização subjetiva dos espaços educativos") como uma forma de privatização (ou mercantilização) subjetiva do espaço escolar e do saber transmitido pela escola.


Formação cada vez mais restrita

Este novo caso mostra que, aos poucos, as mídias e a publicidade adentram o espaço escolar sem qualquer discussão sobre a regulação destas atividades. Em geral, elas representam estratégias de mercado e sua adesão fica a cargo do julgamento particular do(a) diretor(a) da escola ou mesmo de um gestor.

Cabe ressaltar que os alunos não são seres passivos e que negociam necessariamente com as informações que lhes são passadas. Cabe ainda ressaltar que, em uma escola privada, esta questão é ainda mais delicada, pois não podemos entrar em julgamento de valor sobre a educação que cada família resolveu dar aos seus filhos. Na rede pública, caberiam mais questionamentos. Mas isso não quer dizer que na educação privada vale tudo.

Mas, ainda que façamos ressalvas, é preciso que entendamos – e discutamos – que está em jogo uma concepção de educação de forma mais ampla. Está em questão a formação dos indivíduos na modernidade. Uma formação que atende, cada vez mais, aos apelos do mercado, a demandas de empresas e – em especial – às demandas do campo da comunicação, que exige uma escola antenada, moderna, ligada em seu tempo.

Esta formação é, portanto, cada vez menos humana, em seu sentido mais amplo. E atende cada vez menos ao interesse público. É cada vez mais restrita, ao formar indivíduos para uma lógica específica e não para o desenvolvimento de múltiplas possibilidades e trajetórias. Por que formar consumidores, e não indivíduos leitores, reflexivos, críticos, produtores de conhecimento, artistas, investigadores, sonhadores ou lúdicos?


A dimensão dos danos

Os ideais da modernidade têm empurrado as mídias – e agora a publicidade – para dentro das escolas de forma dócil (sem parecer que se trata de um tipo de violência) e desregulada que, certamente, causa efeitos ainda sem possibilidades de mensuração, tanto no ambiente e na comunidade escolar, quanto nas crianças ali socializadas.

A matéria da Folha que relata o caso aponta uma série de efeitos imediatos nestes jovens, mas ainda é cedo para saber que tipo de reverberações este tipo de estratégia de mercado terá na vida de cada criança e na história da educação.

Este episódio nos chama atenção para uma das grandes questões no campo da comunicação na atualidade: a perversidade da publicidade voltada para crianças. Se quando ela é veiculada na televisão já tem um enorme potencial, imaginemos quando ela é veiculada na escola, lugar onde a criança encontra confiança, segurança e referências para a sua vida? Os danos, certamente, têm outra dimensão.

Extraído de Observatório da Imprensa



segunda-feira, 19 de abril de 2010

Chomsky: o que está em jogo na questão do Irã

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Chomsky: o que está em jogo na questão do Irã
19/04/2010


Em entrevista à publicação alemã Freitag, Noam Chomsky fala da pressão dos EUA e de Israel sobre o Irã e seu significado geopolítico. "O Irã é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente essa ameaça é irrelevante. Esse país não se comportou agressivamente fora de suas fronteiras durante séculos. Israel invadiu o Líbano, com o beneplácito e a ajuda dos EUA, até cinco vezes em trinta anos. O Irã não fez nada parecido", afirma.

David Goessmann/Fabian Scheidler - Freitag
Data: 16/04/2010

Barak Obama obteve em 2009 o Prêmio Nobel da Paz enquanto enviava mais tropas ao Afeganistão. O que ocorreu com a “mudança” prometida?

Chomsky: Sou dos poucos que não está desiludido com Obama porque não depositei expectativas nele. Eu escrevi sobre as posições de Obama e suas perspectivas de êxito antes do início de sua campanha eleitoral. Vi sua página na internet e para mim estava claro que se tratava de um democrata moderado ao estilo de Bill Clinton. Há, claro, muita retórica sobre a esperança e a mudança. Mas isso é como uma folha em branco, onde se pode escrever qualquer coisa. Aqueles que se desesperaram com os últimos golpes da era Bush buscaram esperanças. Mas não existe nenhuma base para expectativa alguma uma vez que se analise corretamente a substância do discurso de Obama.

Seu governo tratou o Irã como uma ameaça em função de seu programa de enriquecimento de urânio, enquanto países que possuem armas nucleares como Índia, Paquistão e Israel não sofrem a mesma pressão. Como avalia essa maneira de proceder?

Chomsky: O Irã é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente essa ameaça é irrelevante. Esse país não se comportou agressivamente fora de suas fronteiras durante séculos. O único ato agressivo se deu nos anos 70 sob o governo do Xá, quando, com apoio dos EUA, invadiu duas ilhas árabes. Naturalmente ninguém quer que o Irã ou qualquer outro país disponha de armas nucleares. Sabe-se que esse Estado é governado hoje por um regime abominável. Mas apliquem-se os mesmos rótulos aplicados ao Irã a sócios dos EUA como Arábia Saudita ou Egito e só se poderá o Irã em matéria de direitos humanos. Israel invadiu o Líbano, com o beneplácito e a ajuda dos EUA, até cinco vezes em trinta anos. O Irã não fez nada parecido.

Apesar disso, o país é considerado como uma ameaça...

Chomsky: Porque o Irã seguiu um caminho independente e não se subordina a nenhuma ordem das autoridades internacionais. Comportou-se de modo similar ao que fez o Chile nos anos setenta. Quando este país passou a ser governador pelo socialista Salvador Allende foi desestabilizado pelos EUA para produzir “estabilidade”. Não se tratava de nenhuma contradição. Era preciso derrubar o governo de Allende – a força “desestabilizadora” – para manter a “estabilidade” e poder restaurar a autoridade dos EUA. O mesmo fenômeno ocorre agora na região do Golfo. Teerã se opõe à autoridade dos EUA.

Como avalia o objetivo da comunidade internacional ao impor graves sanções a Teerã?

Chomsky: A comunidade internacional: curiosa expressão. A maioria dos países do mundo pertence ao bloco não alinhado e apóiam energicamente o direito do Irã de enriquecer urânio para fins pacíficos. Tem repetido com freqüência e abertamente que não se consideram parte da denominada “comunidade internacional”. Obviamente pertencem a ela só aqueles países que seguem as ordens dos EUA. São os EUA e Israel que ameaçam o Irã. E essa ameaça deve ser tomada seriamente.

Por que razões?

Chomsky: Israel dispõe neste momento de centenas de armas atômicas e sistemas de lançamento. Destes últimos, os mais perigosos provem da Alemanha. Este país fornece submarinos nucleares Dolphin, que são praticamente invisíveis. Podem ser equipados com mísseis nucleares e Israel está preparado para deslocar esses submarinos para o Golfo. Graças à ditadura egípcia, os submarinos israelenses podem passar pelo Canal de Suez.

Não sei se isso foi noticiado na Alemanha, mas há aproximadamente duas semanas a Marinha dos EUA informou que construiu uma base para armas nucleares na ilha Diego Garcia, no oceano Índico. Ali seriam estacionados os submarinos equipados com mísseis nucleares, inclusive o chamado “destruidor de bunkers”. Trata-se de projéteis que podem atravessar muros de cimento de vários metros de espessura. Foram pensados exclusivamente para uma intervenção no Irã. O destacado historiador militar israelense Martin Levi van Creveld, um homem claramente conservador, escreveu em 2003, imediatamente após a invasão do Iraque, que “depois desta invasão os iranianos ficaram loucos por ainda não terem desenvolvido nenhuma arma atômica”. Em termos práticos: há alguma outra maneira de impedir uma invasão? Por que os EUA ainda não ocuparam a Coréia do Norte? Porque ali há um instrumento de dissuasão. Repito: ninguém quer que o Irã tenha armas nucleares, mas a probabilidade de que o Irã empregue armas nucleares é mínima. Isso pode ser comprovado nas análises dos serviços secretos estadunidenses. Se Teerã quisesse equipar-se com uma só ogiva nuclear, provavelmente o país seria arrasado. Uma fatalidade deste tipo não é do gosto dos clérigos islâmicos no governo: até agora eles não mostraram nenhum impulso suicida.

O que pode fazer a União Européia para dissipar a tensão desta situação tão explosiva?

Chomsky: Poderia reduzir o perigo de guerra. A União Européia poderia exercer pressão sobre Índia, Paquistão e Israel, os mais proeminentes não assinantes do Tratado de Não Proliferação Nuclear, para que finalmente o assinem. Em outubro de 2009, quando se protestou contra o programa atômico iraniano, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) aprovou uma resolução, que Israel desafiou, para que este país assinasse o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e permitisse o acesso de inspetores internacionais aos seus sistemas nucleares. A Europa e os EUA trataram de bloquear essa resolução. Obama fez Israel saber imediatamente que não devia prestar nenhuma atenção a esta resolução.

É interessante o que acontece na Europa desde que a Guerra Fria acabou. Quem acreditou na propaganda das décadas anteriores devia esperar que a OTAN se dissolvesse em 1990. Afinal, a organização foi criada para proteger a Europa das “hordas russas”. Agora já não existem “hordas russas”, mas a organização se expande e viola todas as promessas que fez a Gorbachev, que foi suficientemente ingênuo para acreditar no que disseram o presidente Bush e o chanceler Kohl, a saber: que a OTAN não se deslocaria um centímetro na direção do leste europeu. Na avaliação dos analistas internacionais, Gorbachev acreditou em tudo o que eles disseram. Não foi muito sábio. Hoje a OTAN expandiu a grandes territórios do Leste e segue sua estratégia de controlar o sistema mundial de energia, os oleodutos, gasodutos e rotas de comércio. Hoje é uma mostra do poder de intervenção dos EUA no mundo. Por que a Europa aceita isso? Por que não se coloca de pé e olha de frente para os EUA?

Ainda que os EUA pretendam seguir sendo uma superpotência militar, a sua economia praticamente desmoronou em 2008. Faltaram bilhões de dólares para salvar Wall Street. Sem o dinheiro da China, os EUA talvez tivessem entrada em bancarrota.

Chomsky: Fala-se muito do dinheiro chinês e especula-se muito a partir deste fato sobre um deslocamento do poder no mundo. A China poderia superar os EUA? Considero essa pergunta uma expressão de extremismo ideológico. Os Estados não são os únicos atores no cenário mundial. Até certo ponto são importantes, mas não de modo absoluto. Os atores, que dominam seus respectivos Estados, são sobretudo econômicos: os bancos e as corporações. Se examinamos quem controla o mundo e determina a política, vamos nos abster de afirmar um deslocamento do poder mundial e da força de trabalho mundial. A China é o exemplo extremo. Ali se dão interações entre empresas transnacionais, instituições financeiras e o Estado na medida em que isso serve a seus interesses. Esse é o único deslocamento de poder, mas não proporciona nenhuma manchete.

Tradução para o SinPermiso: Angel Ferrero

Tradução para a Carta Maior: Katarina Peixoto

Fonte original: Freitag.DE

Extraído de Carta Maior
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Lula está errado sobre o Irã?

Com viagem prevista para Teerã em maio, o mandatário brasileiro voltou a se pronunciar contra novas sanções aos iranianos. Essa postura não é ditada apenas pela agenda comercial, importante na estratégia de diversificação de mercados. Tem a ver, fundamentalmente, com uma razão de Estado. A adoção de punições adicionais ao Irã, em uma escalada que a agressão militar como horizonte, significaria reforço à jurisprudência que considera a autodeterminação dos Estados nacionais um direito subordinado a hipotéticos e indivisíveis interesses mundiais, geralmente auto-representados pela principal potência militar. O artigo é de Breno Altman.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Por uma revisão da formação do clero

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Por uma revisão da formação do clero

Olinto Pegoraro*
Folha de S. Paulo - 14/04/2010

Toda a estrutura de normas e disciplinas que sustentam o celibato dos padres não faz mais sentido para o mundo contemporâneo

CONSTATAMOS que, ao longo da história, a Igreja Católica tratou de forma diferenciada dois assuntos considerados fundamentais: a doutrina e a moral.

Nas questões de doutrina dogmática, exige-se uniformidade. Qualquer desvio é cobrado com retratação pública, e quem se recusa a fazê-la é afastado do ensino da teologia, assim como destituído das funções religiosas. Existem muitos teólogos nessa condição marginalizada.

Quanto aos desvios morais, muito mais claros e evidentes que os supostos erros, as autoridades eclesiásticas procedem lentamente, na esperança do arrependimento dos faltosos.

A quem se arrepende e promete emendar-se a igreja oferece o perdão e segue a vida. Sem dúvida, essa prática se baseia nos exemplos de perdão que Jesus ofereceu generosamente a tantos pecadores e pecadoras.

Entretanto, a igreja de Jesus é dirigida por homens com as limitações de todos, seja qual for o seu grau hierárquico. Em casos de desvios morais, os faltosos são mantidos em observação, são transferidos de um lugar para outro, de diocese para diocese e até de país para país, na expectativa do arrependimento e emenda do faltoso.

A sociedade contemporânea entende essa atitude como negligência.

Essa tolerância conta com outro aliado: o silêncio. O silêncio para não gerar escândalo e para manter a imagem da igreja. Dessa maneira, casos de graves desvios morais são encobertos por espessa camada de cinza.

Se, por acaso, algo transparece, a autoridade competente, local ou vaticana, faz um pedido de desculpas.

O silêncio e o segredo dispensam até o processo canônico, isto é, o processo no tribunal eclesiástico. Um processo civil seria abominável. Por isso, é auspiciosa a manchete de ontem desta Folha, segundo a qual a igreja passa a recomendar explicitamente que casos de pedofilia sejam levados à Justiça.

Isso porque os tempos mudaram. A ética humana sofreu enormes transformações a partir da segunda metade do século 20, notadamente na esfera dos comportamentos sexuais. As pílulas anticoncepcionais e as camisinhas contribuíram enormemente na dita revolução sexual.

Essas transformações comportamentais tiveram por base um dos mais importantes princípios da ética moderna, o princípio da autonomia.

Pessoas autônomas são aquelas que respondem por seus atos sem depender das normas religiosas ou de qualquer outra regra moral.

O atual caso de pedofilia mostra que os novos tempos da ética da autonomia alcançaram também a Igreja Católica. Pelos direitos humanos processam-se padres, dioceses e até o Vaticano. Já não são suficientes o reconhecimento do erro e o pedido de desculpa às vítimas.

Será necessária uma intervenção jurídica, canônica e civil, visto que o clérigo faltoso é, ao mesmo tempo, um cidadão.

A história mostra o resultado negativo de normas aplicadas durante séculos, como o celibato, no caso atual da pedofilia. É preciso reconhecer esse fato, e não tergiversar. As normas envelhecem e, com o andar do tempo, geram efeito contrário do esperado.

De fato, toda a estrutura de normas e disciplinas que sustentam o celibato dos padres não faz mais sentido para o mundo contemporâneo.

O que faz sentido é um clérigo de muita fé, bem formado em teologia e filosofia e plenamente integrado na sociedade. A atual estrutura da formação do clero age contra os grandes propósitos da igreja.

Nos dias atuais, é incompreensível, por exemplo, que a mulher ainda esteja longe do exercício sacerdotal.

Uma revisão profunda da formação do clero certamente incluirá a mulher. Esse é o pensamento da comunidade cristã em sua grande maioria.

Não faço esse comentário olhando as coisas de fora, como simples espectador que nada tem a ver com o assunto. Pelo contrário, como católico, punido por suposto desvio doutrinário, sinto-me profundamente envolvido, e essas notas querem contribuir para que, no seio da igreja, encontremos novos rumos.

Duas atitudes são decisivas: primeiro, não ter medo de quebrar paradigmas arcaicos. Segundo, prestar máxima atenção à realidade, aos modos de vida atuais. Assim poderemos construir um novo paradigma na igreja, que inclua homens e mulheres nos exercícios do sacerdócio.

Será um fato novo, um novo dia, há muito esperado. Essa é a lição positiva que emerge dos atuais debates sobre desvios morais em setores da Igreja Católica.
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* OLINTO PEGORARO
, ex-padre, doutor em filosofia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), é professor de ética na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde. É autor, entre outras obras, do livro "Ética dos Maiores Mestres".

Adendo nosso: Olinto Pegoraro também é Sócio Fundador da SEAF – Associação de Estudos e Atividades Filosóficos (1976), tendo sido seu Presidente e, hoje, é respeitado e reconhecido com o título de “Presidente de Honra”.
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Os grifos são nossos.

Publicado originalmente em Folha de São Paulo, Opinião, 14 de abril de 2010

Extraído de Clipping do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Publicação online em:
Aqui, para ver notícia segundo a qual a igreja passa a recomendar explicitamente que casos de pedofilia sejam levados à Justiça".

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Projeto Phronesis tem muitos livros em arquivo PDF

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-E-book

Nietzsche e muito mais. Clique no nome do/a filósofo/a nas "tags" à direita e você encontrará livros para serem baixados

Transcrevemos "quem somos" do Projeto:

Por acreditar que o conhecimento é um bem publico, desde outubro de 2008, os idealizadores Paulo Abe, Raphael Alario, Carlos Bernardo e Diego Azizi deram inicio ao Projeto Phronesis, com objetivo de divulgar e popularizar o conhecimento filosófico.

O Projeto reúne textos, livros, vídeos e informações referentes a varias áreas do conhecimento; além de disponibilizar materiais inéditos produzidos pelos próprios idealizadores, o blog se propõe a organizar os materiais dispersos na internet com o intuito de facilitar a compreensão dos grandes pensadores e dos grandes temas que nunca nos deixam.

Em uma segunda fase, o projeto tem como perspectiva a criação de um portal filosófico, possibilitando aos internautas um espaço reflexivo com uma maior interatividade, como por exemplo, a publicação de texto e discussões em fóruns

Assim, todos estão convidados a participar desde universo do pensar.

Sejam bem vindos.
Projeto Phronesis
E-mail

terça-feira, 6 de abril de 2010

A História da SEAF ou a SEAF na História - 2

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Os filósofos e a sua preocupação

Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de agosto de 1980

Qual é o papel da filosofia nos dias de hoje?

A julgar pelo grupo de professores que em fins do ano passado criou a regional do Paraná da Sociedade de estudos e Atividades Filosóficas, deve ser importante a participação dos profissionais da área na discussão dos problemas contemporâneos. Tanto é que o grupo de professores reuniu-se para editar uma revista de estudos, intitulada "Textos" (100 páginas, composta na Editora Litero-Técnica), que terá lançamento oficial segunda-feira, às 17h30 min, na Livraria Nova Ordem, de Aramis Chaim, o mais estimado (e bem relacionado) livreiro da cidade. Os professores Emmanuel José Appel e Suzana Munhoz da Rocha Guimarães são os coordenadores de "Textos SEAF", que neste primeiro número traz estudos de Beatriz Cunali ("o lugar do progresso na pedagogia kantiana e a aufklarung"), Emmanuel Appel ("notas para uma teoria da educação"), Inês Lacerda Araújo ("Alguns aspectos da semântica situacional de Ducrot"), Marilena de Sousa Chaui ("Sartre ou da liberdade"), Maria José Justino ("O saber e a dominação"), Suzana Munhoz da Rocha Guimarães ("A educação na perspectiva da ideologia liberal") e César Augusto Ramos ("Autoritarismo e repressão sexual segundo Wilhelm Reich").
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Se a revista, pelo seu próprio conteúdo, se destina a uma faixa específica de leitores e interessados, a apresentação da SEAF Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficos, se posiciona de forma franca e positiva. O editorial diz que a entidade "constitui-se em resposta à necessidade e questionamentos próprios do que fazem e pensam a filosofia, sua validade e sua função social. Fundada no Rio de Janeiro, em 1976, obteve imediata ressonância em vários Estados, que criaram suas regionais. No Paraná, ela é nova. Surge em fins de 1979, da urgência em conquistar para a filosofia um ambiente onde possa mover-se sem amarras, livre dos burocratas que asfixiam o lugar acadêmico, das interferências nocivas, das vigilâncias.

Surge a SEAF no Paraná como alternativa para repensar a filosofia, que vimos quase abatida, relegada ao trato de miudezas, reduzida a um saber ornamental, suprimida do ensino secundário e subsistindo como apêndice em algumas escolas superiores, por obra e graça daqueles que promovem sua agonia e se ocupam de cochichar aos ouvidos do principe".

No editorial, queixam-se ainda os filósofos paranaenses: "Além disso, vemos muitas vezes os conceitos teóricos com os quais trabalhos serem revestidos de uma falsa universalidade que os distancia da realidade por nós vivida, desviando-se do objeto que apontam e esvaziando-os de todo o conteúdo. Entendemos que se deve tocar o real para poder apreendê-lo, surpreendendo as relações sociais que o atravessam. É sobre o real e suas contradições que nos devemos nos debruçar, procurando decifrar-lhe as entranhas e o sentido, contribuindo para sua transformação".
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A quem interessar possa, maiores detalhes podem ser obtidos com a SEAF, caixa postal 21, Curitiba, Paraná.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Veiculo: Estado do Paraná
Caderno ou Suplemento: Nenhum
Coluna ou Seção: Tablóide
Página: 8
Data: 09/08/1980

Extraído de Tabloide Digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch, em 06 de abril de 2010, a quem agradecemos.