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Esses símbolos utilizam o aparelho estatal para fazer apologia de um credo religioso com o dinheiro público, ferem a liberdade de consciência e crença, violam princípios da igualdade e da impessoalidade e legalidade da administração pública...
Daniel Sottomaior*
De nossos cinco séculos de existência, quatro se deram sob reinados cuja única justificativa vinha de um alegado direito religioso e hereditário ao poder. Infelizmente, a solidez dessa herança ainda não nos abandonou.
Ao menos no papel, o Estado brasileiro atualmente é laico, o que significa que suas instituições políticas são legitimadas principalmente pela soberania popular, e não por elementos religiosos. Como reflexo disso, e para garantir a plena liberdade religiosa, implantou-se a separação Igreja-Estado, atualmente expressa no art.19 da CF, que proíbe não só a ingerência do Estado sobre organismos religiosos, como também a interferência destes naquele.
A religião certamente conseguiu sua independência. Mas o Estado, não. Na prática, os grandes atores da cena religiosa continuam moldando políticas e ações de governo tanto no plano simbólico como no concreto, e não têm medo de dizer isso com todas as letras. Esse jogo vem interferindo diretamente na discussão legislativa e judiciária de grandes temas da sociedade e do Direito, como aborto, eugenia, células-tronco, direitos reprodutivos, homofobia, direitos da comunidade GLBT e o utros.
O direito ao divórcio, por exemplo, que pode parecer absolutamente banal, não tem sequer 21 anos no país. E o motivo não é outra senão a prevalência de pressupostos religiosos, geralmente disfarçados de "moral pública" (porque se fazem prevalecer pela pressão da maioria religiosa), por sobre os princípios elementares de direitos humanos.
Não é de se admirar que muitos cidadãos, incluindo renomados juristas, minimizem a importância da separação entre Igreja e Estado, ou afirmem que ela não deve ser absoluta, obviamente que com vistas a não largar o osso que aqui morderam quando declararam que esta seria a Terra de Vera Cruz.
Como se vê, temos uma longa tradição de abuso de direitos elementares com as mais diversas desculpas, inclusive depois da instauração da República. Por isso - como se não bastasse a injunção constitucional - é da maior importância agir com rigor no que diz respeito a uma efetiva laicidade de Estado.
Caso emblemático é o da presença de símbolos religiosos afixados em repartições públicas, notadamente no judiciário. O fato de constituírem uma tradição não lhes dá sustento jurídico em nosso ordenamento legal. Quaisquer justificativas a esse costume passam necessariamente por julgamentos de valor de motivação religiosa ("Jesus foi um grande defensor dos direitos humanos", "é uma lembrança do maior erro jurídico da história", "é um símbolo de paz, amor e justiça", etc.), portanto contrárias à laicidade do Estado.
Esses símbolos utilizam o aparelho estatal para fazer apologia de um credo religioso com o dinheiro público, ferem a liberdade de consciência e crença, violam princípios da igualdade e da impessoalidade e legalidade da administração pública, e no entanto continuam firmes e fortes em sua plena ilegalidade, plenamente ignorados até pelo Ministério Público, a despeito de demandas em contrário por quase cento e vinte anos. Cabe aos operadores de direito do futuro enfrentar essa situação com determinação e coragem, e não se render à ilegalidade da maioria, mesmo que pertençam a ela.
* Daniel Sottomaior é criador da iniciativa "Brasil para Todos" (http://www.brasilparatodos.org/), que objetiva remover todos os símbolos religiosos afixados em repartições públicas no território nacional.
De nossos cinco séculos de existência, quatro se deram sob reinados cuja única justificativa vinha de um alegado direito religioso e hereditário ao poder. Infelizmente, a solidez dessa herança ainda não nos abandonou.
Ao menos no papel, o Estado brasileiro atualmente é laico, o que significa que suas instituições políticas são legitimadas principalmente pela soberania popular, e não por elementos religiosos. Como reflexo disso, e para garantir a plena liberdade religiosa, implantou-se a separação Igreja-Estado, atualmente expressa no art.19 da CF, que proíbe não só a ingerência do Estado sobre organismos religiosos, como também a interferência destes naquele.
A religião certamente conseguiu sua independência. Mas o Estado, não. Na prática, os grandes atores da cena religiosa continuam moldando políticas e ações de governo tanto no plano simbólico como no concreto, e não têm medo de dizer isso com todas as letras. Esse jogo vem interferindo diretamente na discussão legislativa e judiciária de grandes temas da sociedade e do Direito, como aborto, eugenia, células-tronco, direitos reprodutivos, homofobia, direitos da comunidade GLBT e o utros.
O direito ao divórcio, por exemplo, que pode parecer absolutamente banal, não tem sequer 21 anos no país. E o motivo não é outra senão a prevalência de pressupostos religiosos, geralmente disfarçados de "moral pública" (porque se fazem prevalecer pela pressão da maioria religiosa), por sobre os princípios elementares de direitos humanos.
Não é de se admirar que muitos cidadãos, incluindo renomados juristas, minimizem a importância da separação entre Igreja e Estado, ou afirmem que ela não deve ser absoluta, obviamente que com vistas a não largar o osso que aqui morderam quando declararam que esta seria a Terra de Vera Cruz.
Como se vê, temos uma longa tradição de abuso de direitos elementares com as mais diversas desculpas, inclusive depois da instauração da República. Por isso - como se não bastasse a injunção constitucional - é da maior importância agir com rigor no que diz respeito a uma efetiva laicidade de Estado.
Caso emblemático é o da presença de símbolos religiosos afixados em repartições públicas, notadamente no judiciário. O fato de constituírem uma tradição não lhes dá sustento jurídico em nosso ordenamento legal. Quaisquer justificativas a esse costume passam necessariamente por julgamentos de valor de motivação religiosa ("Jesus foi um grande defensor dos direitos humanos", "é uma lembrança do maior erro jurídico da história", "é um símbolo de paz, amor e justiça", etc.), portanto contrárias à laicidade do Estado.
Esses símbolos utilizam o aparelho estatal para fazer apologia de um credo religioso com o dinheiro público, ferem a liberdade de consciência e crença, violam princípios da igualdade e da impessoalidade e legalidade da administração pública, e no entanto continuam firmes e fortes em sua plena ilegalidade, plenamente ignorados até pelo Ministério Público, a despeito de demandas em contrário por quase cento e vinte anos. Cabe aos operadores de direito do futuro enfrentar essa situação com determinação e coragem, e não se render à ilegalidade da maioria, mesmo que pertençam a ela.
* Daniel Sottomaior é criador da iniciativa "Brasil para Todos" (http://www.brasilparatodos.org/), que objetiva remover todos os símbolos religiosos afixados em repartições públicas no território nacional.
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