A filosofia é obrigatória, mas isto é pouco!
Jan-Fev/2009
Por Celso João Carminati*
Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), boa parte da formação escolar brasileira, foi direcionada para a profissionalização. Com este intuito, e tendo como pressuposto a formação aligeirada para o mercado de trabalho, disciplinas humanísticas foram excluídas do currículo de ensino médio.
Assim, boa parte da juventude, ao menos aquela que tinha acesso aos bancos escolares, perdeu parte significativa de sua formação, submetendo-se aos modelos de formação apressados impostos às escolas pela reforma educacional nº 5.692, de 1971.
A reação de professores, alunos e intelectuais em geral a esta realidade foi imediata. Em meados da década de 1970, no Rio de Janeiro, foi fundada a Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas – SEAF. Rapidamente esta entidade agregou professores de outras áreas, e se tornou um importante espaço de encontro, discussão e preparação de textos e publicações para dar fôlego às investidas dos militares contra a liberdade de expressão, sobretudo de cátedra. Lembro que alguns professores universitários de filosofia mais críticos foram aposentados compulsoriamente, outros foram vigiados em suas atividades de ensino e pesquisa.
Com o arrefecimento da ditadura, e a abertura política lenta e gradual, após a aprovação da anistia, supostamente ampla e irrestrita, o debate em torno das conseqüências da profissionalização avançou e culminou com mudanças na lei nº 7.044 de 1982, que alterou dispositivos referentes à profissionalização e permitiu a presença de Filosofia no currículo enquanto disciplina optativa.
A presença da Filosofia no ensino médio foi pouco alterada, pois algumas escolas a re-introduziram nos currículos, e apenas alguns Estados se dispunham a legislar sobre o assunto.
Com a redemocratização e um inevitável esvaziamento dos espaços de lutas dos professores, o movimento pelo retorno da filosofia só conseguiu se rearticular na segunda metade dos anos de 1990.
Algumas iniciativas, como a do Estado de Santa Catarina, a tornou obrigatória no currículo no ano de 1998. Ainda assim, ocorreram outras iniciativas sem sucesso na Câmara dos Deputados, mas sua obrigatoriedade só se tornou lei, a de nº 11.684/2008 em 02 de junho de 2008, quando foi sancionada pelo Vice-Presidente da República. Isto foi possível devido a alteração do artigo 36 da LDB nº 9.394/1996. A lei estabelece no seu inciso IV: ”serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”.
Depois de 37 anos ausentes dos currículos de ensino médio, a filosofia volta a ser obrigatória nas escolas brasileiras. Isto, porém, não é suficiente, pois um texto de lei não garante que a filosofia de fato volte a ser parte obrigatória dos currículos, pois se sabe que o currículo é um campo em disputa e que a presença de novas disciplinas significa a redução de carga horária de outras já existentes. Mesmo assim, os sistemas de ensino terão um prazo de um ano para se ajustarem a nova realidade e apresentarem a filosofia como parte obrigatória do ensino médio.
Mesmo com essas dificuldades encontradas, sobretudo, por se tratar de uma lei que poucas pessoas estarão vigilantes para saber se a mesma foi cumprida ou não, temos ai um importante instrumento de formação mais crítica para os estudantes do ensino médio.
* Professor na UDESC e autor do livro: “Professores de Filosofia: Crise e Perspectiva”. (Editora UNIVALI, 2006).
Extraído de Jornal da Educação
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