quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

As dificuldades para o pesquisador brasileiro

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As dificuldades para o pesquisador brasileiro

Wanderley de Souza,*
Jornal do Brasil

RIO - O nível de financiamento para a atividade científica no Brasil tem sido crescente, e alcançamos uma situação invejável no cenário latino-americano. Tem havido um apoio sistêmico através dos editais Universal do CNPq e de programas regulares das fundações estaduais de apoio à pesquisa científica (FAPs). Alguns programas especiais têm apoiado o estabelecimento de uma infraestrutura de equipamentos modernos que terão impacto na qualidade da produção científica brasileira. Programas de pós-doutoramento, capitaneados pela Capes, vêm fortalecendo as equipes de pesquisa.

Com base nas considerações acima, poderíamos imaginar que finalmente o Brasil venceu a fase de insuficiência de recursos e entra agora em um momento em que é possível prever novos avanços. Infelizmente, nem tudo são flores. Dificuldades de ordem burocrática criam obstáculos que precisam ser removidos rapidamente.

A primeira dificuldade resulta de que, no setor público, todos, até prova em contrário, são suspeitos de estarem praticando atos condenáveis com os recursos públicos. Tal fato leva a que alguns administradores tomem decisões, talvez para evitar ações futuras dos órgãos de controle, que dificultam o desenvolvimento dos projetos científicos. Cito alguns exemplos:
  • (a) criar obstáculos a que pesquisadores aposentados possam apresentar projetos de médio e grande porte (tipo o Programa de Núcleos de Excelência). O país não pode se dar ao luxo de excluir a participação de nossas maiores lideranças que continuam em plena produtividade acadêmica;
  • (b) estabelecer medidas restritivas que dificultam ao mesmo pesquisador possa coordenar vários projetos;
  • (c) criar dificuldades para que um pesquisador possa participar de mais de um projeto, mesmo em editais para seleção de projetos interinstitucionais, o que dificulta a criação de equipes multidisciplinares;
  • (d) exigir processo de licitação para compra de reagentes e de material de pesquisa. Todos sabem que, neste campo, o mais importante é a qualidade do produto, comprovada pelo seu uso prévio em todo o mundo, e não o menor preço.
Como superar estes obstáculos? Uma medida preventiva seria neste momento só ocuparem cargos de direção de órgãos de financiamento pessoas com vivência na área científica ou na gestão de ciência e com coragem de enfrentar as dificuldades que são impostas por órgãos de controle, a maioria das vezes sem embasamento legal. É também preciso que o dirigente tenha a coragem de esticar a corda no processo administrativo.

O segundo fator de dificuldades advém do crescimento salutar, mas desordenado, do financiamento. São dezenas de editais lançados simultaneamente, com pouca ou nenhuma articulação. Tal fato obriga os grupos de pesquisa a concorrerem a vários destes editais para obterem os recursos necessários para desenvolver seus projetos.

O terceiro problema é a dificuldade de se importar material. Apesar de várias iniciativas governamentais, o pesquisador brasileiro, cansado de lutar com cotas de importação, licença de importação, despachante etc., está optando em comprar os reagentes de representantes no Brasil, onde o custo fica cerca de três vezes mais caro. Aqui, o caminho seria um decreto presidencial rompendo a burocracia existente.

O quarto problema está relacionado com a administração dos projetos, sobretudo daqueles que envolvem maior soma de recursos. Em alguns casos, projetos envolvendo somas consideráveis estão sendo depositados em contas pessoais, ainda que especiais, do coordenador. O correto seria a utilização de fundações especializadas e que comprovadamente vêm realizando um bom trabalho. Aqui, mais uma vez são criadas dificuldades em função de ações equivocadas de algumas fundações. As existentes estão vivendo sob a ameaça constante de serem fechadas. Em vez de punir exemplarmente quem atuou de forma irregular, generaliza-se e se considera como suspeitas todas as fundações.

Fica, neste início de ano, este desabafo esperando que a comunidade científica se movimente no sentido de vencermos os desafios e podermos atingir novos patamares na produção científica brasileira.


*Além de professor titular da UFRJ, Wanderley de Souza é diretor de programas do Inmetro, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina e ex-secretário executivo de Ciência e Tecnologia do estado do Rio e do governo federal.

00:22 - 27/01/2010
Extraído de JBonline
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