domingo, 29 de agosto de 2010

SP: Ensino mútuo na Educação

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Ensino mútuo na Educação

Marcos Francisco Martins*


Matérias veiculadas recentemente em jornais de grande circulação afirmam que as autoridades educacionais do Estado de São Paulo pretendem implantar o “ensino mútuo” na rede de ensino, um método há muito conhecido e difundido mundo afora, e agora apresentado como a mais nova alternativa ao péssimo desempenho dos alunos das escolas estaduais aferido por sucessivos métodos de avaliação.

A recente proposta de ensino mútuo anunciada para melhorar a qualidade do ensino paulista almeja, segundo as informações, utilizar alunos do ensino médio para auxiliar estudantes dos 6º e 7º anos do ensino fundamental em duas sessões semanais de “tira-dúvidas”, o que se constitui, na verdade, em um projeto de reforço escolar. Cada aluno-monitor receberá pelo trabalho R$ 115,00 a título de bolsa auxílio, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e por ONG´s, segundo um modelo elaborado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

A proposta de ensino mútuo não é nenhuma novidade na história da educação. Pelo contrário, ela foi desenvolvida principalmente por Joseph Lancaster (1778-1838), um protestante que pregava o ensino mútuo, a repetição para a memorização e a disciplina corpo-mente com objetivos morais, por exemplo: o combate à ociosidade e à preguiça. O método Lancaster consistia numa proposta segundo a qual um único mestre ensinasse, com a ajuda de outros alunos-monitores, até mil alunos a ler, escrever e contar em cerca de oito meses. Tendo como origem a Inglaterra, foi aplicado em várias partes do mundo. No Brasil, sob a vigência de Dom João VI, o ensino mútuo esteve presente nas províncias de Minas Gerais e Mato Grosso, por exemplo. Além disso, a Primeira Lei Geral da Educação Pública no Brasil independente, aprovada em 15 de outubro de 1827, instituiu como obrigatório o ensino mútuo, sobretudo pela falta de professores e pelos almejados resultados prometidos em relação à massificação da educação.

Pelo que se vê, pode-se dizer que as autoridades da área da Educação em São Paulo não superaram ainda a visão educacional romântica de um ex e recente Secretário Estadual que resumia os problemas educacionais a uma simples questão de afeto. Tanto assim que até mesmo o atual Governador, chamado a falar sobre a proposta de ensino mútuo, destacou o fato de que o “rendimento” dos alunos poderá melhorar com o ensino mediado pela relação aluno-aluno.

Contudo, não é apenas o fato de essa proposta anunciada remontar ao século XIX que estimula a ponderação crítica sobre ela, mas também outras questões de maior relevância. Por exemplo: se o Governo Paulista pretende realmente melhorar a qualidade do ensino, não seria melhor investir os recursos destinados aos futuros alunos-monitores na qualificação de seus próprios professores? Ou mesmo utilizar o dinheiro para contratar novos profissionais da educação para se dedicar a essa importante tarefa?

Esquecem-se as autoridades da educação do fato de que quem prepara o aluno-monitor também é o professor, o que nos leva a reiterar a tese de que não haverá alternativa à educação paulista sem um sistema adequado de formação dos profissionais da educação e seu reconhecimento social e profissional por meio, inclusive e principalmente, de melhores salários.

Infelizmente, em cada uma das muitas propostas anunciadas pela Secretaria Estadual de Educação em período recente, o professor não tem tido status digno de respeito pelos sucessivos governos paulistas. Denunciada a péssima qualidade do ensino, inclusive pelos mecanismos estaduais de avaliação, corre-se a culpar o professor. Quando ele reprovava o aluno, a culpa recaía sobre ele por ser autoritário e desatualizado em relação aos novos métodos de ensino e de avaliação. Quando ele é obrigado à aprovação automaticamente, a culpa também recaí sobre ele pela qualidade do ensino ter atingido níveis risíveis, não fossem trágicos. Agora, como ele continua sendo culpado, troca-se o professor pelo aluno. Será que se mais esse projeto não der certo vão culpar os alunos-monitores pelo não aprendizado dos demais e pela continuidade do fracasso escolar em São Paulo?


* Marcos Francisco Martins – pesquisador do CNPq e professor da UFSCar-Campus Sorocaba -

Matéria recebida do autor e publicada em “Correio Popular”, 04.08.2010, Coluna Opinião, p. A3 (Campinas-SP)


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