terça-feira, 27 de outubro de 2009

105 anos do jornal L´Humanité, França - PCF

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L´HUMANITÉ
Novo look aos 105 anos

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris em 27/10/2009

Ele vende em torno de 50 mil exemplares por dia, não é encontrado em todas as bancas de Paris, chega apenas às maiores cidades francesas mas tem um público fiel – comunistas ou simpatizantes, na grande maioria – que garante sua existência cada vez mais ameaçada.

Aos 105 anos, o jornal L´Humanité fez uma reforma gráfica e editorial para continuar brigando por seu lugar nas bancas. A última grande reforma do diário foi em 2003, poucos meses antes das comemorações do centenário, em 2004 [ver, neste Observatório, "L´Humanité: cem anos de engajamento"].

Este ano, o diário fundado por Jean Jaurès, em 18 de abril de 1904, resolveu consultar o leitorado antes de passar por uma reforma para se adaptar às exigências do leitor da era internet. Mas apesar de não ter mais a foice e o martelo no logotipo nem ser mais o "órgão oficial do Partido Comunista Francês", o L´Humanité não pretende ser um jornal neutro.

Na edição de 13 de outubro, quando estreava a nova diagramação, o ex-diretor da Redação Patrick Le Hyaric, eleito este ano deputado para o Parlamento Europeu pelo Partido Comunista, defendeu os partis pris do jornal. Entre eles estão a defesa da causa palestina, dos estrangeiros em situação irregular na França, ameaçados de expulsão, muitos deles para países em guerra (como os afegãos e os iraquianos, entre outros), a denúncia dos favores do governo aos bancos e a ameaça que a ideologia sarkozysta representa para o serviço público francês.

Trunfo maior


Como interatividade é a palavra-chave da comunicação da era da internet, o jornal ouviu os leitores, que responderam a um questionário opinando sobre o que deveria ser mantido e o que deveria mudar. Segundo a direção, essa consulta democrática ao leitorado é inédita entre os jornais diários. Há leitores que manifestaram o desejo de ver o jornal tão eclético e aberto que possa se tornar o jornal de leitores não-comunistas. Alguns pediram que o jornal não sacrifique o espaço concedido à cultura, que fale mais de desenvolvimento sustentável não-capitalista, e que tenha matérias mais curtas, em linguagem tão direta e clara quanto possível, para explicar os eufemismos e as manipulações do poder. E que faça mais matérias investigativas exclusivas.

O L´Huma nunca vendeu a falsa idéia de que faz jornalismo objetivo. Foi o "órgão oficial do Partido Comunista Francês" de 1920 a 1994 e, apesar de continuar sendo próximo do PCF, está aberto a todas as lutas da esquerda francesa, com oposição sistemática ao governo Sarkozy. A diagramação mudou, o jornal tem cores em todas as páginas, mas o espírito combativo do jornalismo de esquerda se manteve inalterado.

Em cada nova mudança, o L´Humanité foi se adaptando aos novos tempos. Em 1994, a menção "órgão central do PCF" foi substituída por "jornal do PCF". Em 1999, esse laço com o partido foi eliminado do jornal. O Partido Comunista continua sendo o editor, mas não dita a linha editorial. E os militantes do PCF vão para as ruas distribuir ou vender o jornal em frequentes campanhas de assinaturas. Outros contribuem financeiramente sempre que a situação financeira do diário é periclitante e que ele resolve lançar um apelo a subscrições.

Essa mobilização militante é o grande trunfo do jornal que tem nos eleitores comunistas o suporte para levar adiante a utopia de Jean Jaurès de um jornal "feito para transformar a sociedade" ou "trabalhar pela realização da humanidade".

Relação singular

No ano passado, o L´Humanité teve que se render aos fatos e colocou à venda a sede histórica do jornal, em Saint-Denis, ao norte de Paris, um belo projeto de Oscar Niemeyer, autor também do projeto da sede do Partido Comunista Francês.

Em maio de 2008, a redação abandonou o prédio de Niemeyer em que se instalara desde 1989 e passou a ocupar um imóvel situado perto do Stade de France.

Colocada à venda por 15 milhões de euros, a sede do jornal ainda não encontrou comprador, o que obrigou o diário a recorrer aos leitores para pagar dívidas, já que o jornal não tem anunciantes e conta como única fonte de renda a venda nas bancas e as doações dos leitores reunidos em uma "associação de amigos do L´Humanité".

Em menos de um mês, o jornal angariou mais de 1 milhão de euros doados por leitores engajados que mantêm com o cotidiano uma relação singular. Ser leitor do L´Huma é antes de tudo um ato militante. E nenhum desses leitores quer ver o jornal desaparecer do cenário da mídia francesa.

Extraído de Observatório da Imprensa - versão para impressão

ou página original da Web do Observatório da Imprensa
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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Maurice Bazin, pioneiro na divulgação científica

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Morre o físico e educador francês Maurice Bazin, pioneiro na divulgação científica

22/10/2009

O intelectual trabalhou para criar formas de aproximar ciência e a comunidade, por meio de experiências pedagógicas de sucesso. Como consultor do Instituto Socioambiental (ISA), assessorou os povos indígenas do Alto Rio Negro no reencontro de suas etnomatemáticas.

Maurice Jacques Bazin (1934 -2009) nasceu na França e se formou na Escola Politécnica de Paris. Era Ph.D. em física nuclear experimental de altas energias pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos; doutor em ciências pela Universidade de Paris; e doutor honorário da Open University, na Inglaterra.

Ele foi consultor do ISA, colaborando com o Programa Rio Negro. Com os Tuyuka, ajudou a produzir o "Guia para Continuar Pesquisando Nossa Maneira de Medir e Contar", na língua indígena, abordando conceitos matemáticos próprios da etnia.

Dono de interesses múltiplos, Bazin interagiu e participou de diversos projetos socioeducativos bem-sucedidos, a partir de iniciativas participativas, que buscam a distribuição do saber científico usando como ponto de partida situações da vida cotidiana, ao ar livre e em lugares públicos.

Até 1975, foi professor das Universidades de Princeton e Rutgers, nos Estados Unidos. Na décade de 1980 foi para o Rio de Janeiro, depois de dois anos como professor em Portugal, e trabalhou no Departamento de Física da Universidade Católica do Rio de Janeiro, dedicando-se à melhoria do sistema de ensino de física básica.

Foi pioneiro na divulgação científica, sendo um dos idealizadores e fundadores do primeiro museu interativo de Ciências do Rio de Janeiro, Espaço Ciência Viva, em 1983. No mesmo ano, em Campinas (SP), ajudou a tornar realidade o Museu História Viva. Membro do Instituto de Politica Linguistica (IPOL) assessorou o programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do município de Florianópolis (SC).

Faleceu na tarde da última segunda-feira, 19 de outubro, no Rio de Janeiro, em decorrência de complicações de uma cirurgia cardíaca. Deixa três filhos e uma filha adolescente.

Fonte: ISA, Instituto Socioambiental
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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Da propriedade intelectual à economia do conhecimento

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Caros amigos,

O eixo central de geração de valor desloca-se do conteúdo material para o conteúdo de conhecimento incorporado aos processos produtivos. Com isso criou-se uma batalha ideológica e econômica em torno do direito de acesso ao conhecimento. O acesso livre e praticamente gratuito ao conhecimento e à cultura que as novas tecnologias permitem é uma benção e não uma ameaça. Constituem um vetor fundamental de redução dos desequilíbrios sociais e da generalização das tecnologias necessárias à proteção ambiental do planeta. Tentar travar o avanço deste processo, restringir o acesso a conhecimento e criminalizar os que dele fazem uso não faz o mínimo sentido. Faz sentido sim estudar novas regras do jogo capazes de assegurar um lugar ao sol aos diversos participantes do processo.

Publiquei recentemente no site (16.10), em Artigos Online, um artigo de 30 páginas sobre esse tema, Da propriedade intelectual à economia do conhecimento. O texto constitui antes de tudo uma sistematização dos argumentos, revisando alguns dos principais autores sobre o assunto.

Um abraço,
Ladislau


Recebido do Eminente Professor Economista Ladislau Dowbor* - contatoladislau@gmail.com
Em segunda-feira, 19 de outubro de 2009 09:40


Uma visita ao site do Professor é viagem de lucidez e comprometimento. Axé!

* Economista político graduado na Universidade de Lausanne, Suiça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976). Atualmente, é professor titular da pós-graduação da PUC-SP e presta consultoria para agências da ONU, governos e instituições.

Clique para ver seus artigos em Le Monde Diplomatique.

Você pode fazer seu cadastro para receber as novas produções do Professor. Envie um e-mail para contatoladislau@gmail.com

O Professor Ladislau Dowbor tem intensa produção editada, mas por questão de princípio disponibiliza tudo "livre para baixar" em seu site http://www.dowbor.org... Quem quiser publicar com ele, já sabe sobre isso, de antemão.

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Desemprego por desalento

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Desalento paulistano

19/10/2009 - Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Pessoas desempregadas há mais de um ano e que nos últimos 30 dias desistiram de procurar trabalho são enquadradas na situação de “desemprego por desalento”. Na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, cerca de 121 mil indivíduos se encontravam nessa situação em agosto de 2009, segundo dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).

Por que razões esses indivíduos tomam a decisão de interromper a busca pelo emprego? O que significa sociologicamente o desemprego por desalento? O que essa condição acarreta? Essas são questões que a socióloga Fabiana Jardim procura responder no livro Entre desalento e invenção: experiências de desemprego em São Paulo, que acaba de ser lançado.

O livro, que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, é resultado do trabalho de mestrado de Fabiana, realizado entre 2002 e 2004 no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). O estudo, orientado pela professora Heloisa Helena de Souza Martins, foi feito com Bolsa da FAPESP.

De acordo com Fabiana, o estudo, cujo eixo central são entrevistas com pessoas que haviam passado pelo desemprego por desalento, concluiu que o significado sociológico dessa condição está ligado às dificuldades experimentadas para interpretar o significado e o sentido das rápidas mudanças ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas.

“A pesquisa teve origem em um certo desconcerto com essa categoria. Eu queria compreender como se dá essa interrupção pela busca do emprego. E entender seu significado não apenas do ponto de vista estatístico, em relação ao dinamismo do mercado de trabalho, mas da perspectiva dos efeitos sobre as pessoas e sobre sua adesão aos valores do trabalho”, disse à Agência FAPESP.

Segundo Fabiana, o desemprego por desalento é uma categoria estatística utilizada pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) desde 1984. O objetivo principal de sua adoção era incluir nas estatísticas de desemprego pessoas que, ao interromper a busca por emprego, não eram consideradas desempregadas pelos critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo.

“Em um mercado de trabalho tão heterogêneo como o nosso, o desemprego aberto é uma categoria que acaba não retratando todas as situações de privação de trabalho. O desemprego por desalento foi, então, uma tentativa de contabilizar formas de desemprego oculto. Assim como as pessoas que estão trabalhando por horas insuficientes e com rendimentos insuficientes passaram a ser classificadas como casos de desemprego oculto por trabalho precário”, explicou.

Fabiana realizou o trabalho de campo entre 2002 e 2004, no Centro de Solidariedade de Osasco (SP), onde entrevistou pessoas que, em algum momento de suas trajetórias, haviam passado pela condição de desemprego oculto pelo desalento.

“Como as informações são sigilosas, não seria possível identificar as pessoas classificadas pelo Seade nessa categoria naquele momento preciso. Fui, então, a esse local de procura de emprego e ali, conversando, pude identificar quem estava desempregado há mais de um ano”, contou.

A categoria de desemprego oculto por desalento, segundo Fabiana, é bastante específica: são desempregados há mais de 12 meses que interromperam a busca no período de referência de 30 dias – mas que procuraram emprego em algum momento do período de um ano.

“Ao todo, fiz a análise de sete histórias de vida: um homem adulto, duas mulheres e quatro jovens, sendo uma mulher e três homens. O desemprego por desalento acaba incluindo nas estatísticas aqueles que estão nas fronteiras da categoria do desemprego – e por isso incide particularmente em mulheres e jovens”, disse.

Desemprego recorrente

Em um dos capítulos, intitulado Uma vida de trabalho, a autora se detém sobre a história de “José”, que, segundo ela, tem características que tornam possível a discussão dos aspectos mais típicos de trajetórias de trabalho iniciadas em meados da década de 1970 e resultaram, no início do século 21, em casos de desalento.

“Como a maior parte dos homens que entrou no mercado de trabalho nos anos 1970, José sempre conseguiu circular no mercado de trabalho formal sem muita dificuldade, mesmo não tendo profissão definida. Mas, desempregado em 2002, ele toma a decisão de desistir de procurar emprego. O motivo é que não consegue entender a nova dinâmica de busca pelo trabalho”, disse a socióloga.

Segundo Fabiana, a história corrobora estudos realizados por autores como Nadya Guimarães – pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP – que revelaram uma mudança de padrões no mundo do trabalho: do emprego recorrente, passa-se para um padrão de desemprego recorrente.

“José não consegue mais entender como procurar emprego. Em décadas anteriores, ele passava pelas fábricas, tinha contato direto com os empregadores e conseguia uma vaga ao mostrar disposição para trabalhar. Mas atualmente o funcionamento desse mercado é diferente. É preciso ir às agências de emprego – o que, para homens desempregados e com mais de 40 anos, é uma grande angústia. Vários entrevistados diziam ir às agências apenas porque era preciso fazer algo. Mas, ao preencher a ficha, já percebiam que estavam fora do perfil do trabalhador ideal”, disse.

No caso de José, segundo Fabiana, o desalento traduz sociologicamente uma dificuldade específica de um momento de transição do mercado de trabalho, da reestruturação produtiva e da emergência das novas formas de intermediação.

“A pessoa acaba desistindo do jogo, porque não conhece suas novas regras. Essa mudança na lógica do trabalho e do emprego ocorreu especialmente em meados da década de 1990, com a proliferação das agências de emprego. Isso de alguma forma também está ligado ao processo de privatização”, disse.

Entre os jovens, segundo Fabiana, o desalento já tem outro significado: alguns desistem por cansaço e revolta. “Eles reclamam que têm escolaridade, têm segundo grau completo, têm cursos de qualificação. Mas manifestam desânimo ou raiva porque, mesmo com essa qualificação, não conseguem trabalho. É como se seguissem à risca as regras do jogo, mas fossem trapaceados por um sistema irracional, aleatório, dependente da sorte”, sugeriu.


Entre desalento e invenção: experiências de desemprego em São Paulo
Autora: Fabiana Jardim / 2009 / R$ 30 ; Páginas.: 238
Mais informações: www.annablume.com

extraído de Agencia FAPESP
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Trabalho morto: Marx e Lênin mereceriam Nobel de Economia

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Trabalho morto: Marx e Lênin mereceriam Nobel de Economia

13/10/2009 - Copyleft

Marx previu a miséria crescente dos trabalhadores e Lênin previu a subordinação da produção de bens à acumulação de lucros do capital financeiro com a compra e venda de instrumentos de papel. As suas previsões são de longe superiores aos "modelos de risco" aos quais tem sido atribuído o Prêmio Nobel e estão mais próximos da moeda do que as previsões do presidente do Federal Reserve, de secretários do Tesouro dos EUA e de economistas nobelizados tais como Paul Krugman, o qual acredita que mais crédito e mais dívida são a solução para a crise econômica. A análise é de Paul Craig Roberts.

Paul Craig Roberts (*) - Counterpunch

Data: 13/10/2009

"O capital é trabalho morto, o qual, como um vampiro, vive apenas para sugar o trabalho vivo, e quanto mais sobreviver, mais trabalho sugará". (Karl Marx)

Se Karl Marx e V. I. Lênin hoje estivessem vivos, seriam os principais candidatos ao Prêmio Nobel de Ciência Econômica.

Marx previu a miséria crescente dos trabalhadores e Lênin previu a subordinação da produção de bens à acumulação de lucros do capital financeiro com a compra e venda de instrumentos de papel. As suas previsões são de longe superiores aos "modelos de risco" aos quais tem sido atribuído o Prêmio Nobel e estão mais próximos da moeda do que as previsões do presidente do Federal Reserve, de secretários do Tesouro dos EUA e de economistas nobelizados tais como Paul Krugman, o qual acredita que mais crédito e mais dívida são a solução para a crise econômica.

Na primeira década do século XXI não houve qualquer aumento no rendimento real dos trabalhadores americanos. Houve sim um declínio agudo na sua riqueza. No século XXI os americanos sofreram dois grandes crashes no mercado de acções e a destruição da sua riqueza imobiliária.

Alguns estudos concluíram que os rendimentos reais dos americanos, excepto para a oligarquia financeira dos super ricos, são menores hoje do que na década de 1980 e mesmo da de 1970. Não examinei estes estudos de rendimento familiar para determinar se eles foram enviesados pelo aumento nos divórcios e pela percentagem de famílias monoparentais. Contudo, durante a última década é claro que o salário líquido real declinou.

A causa principal deste declínio é a deslocalização (offshoring) de empregos americanos de alto valor acrescentado. Tanto empregos na manufatura como em serviços profissionais, tais como engenharia de software e trabalho com tecnologia de informação, foram relocalizados em países com forças de trabalho grandes e baratas.

A aniquilação de empregos classe média foi disfarçada pelo crescimento na dívida do consumidor. Quando os rendimentos dos norteamericanos cessaram de crescer, a dívida do consumidor expandiu-se para substituir o crescimento do rendimento e manter a procura do consumir em ascensão. Ao contrário de aumentos nos rendimentos do consumidor devidos ao crescimento da produtividade, há um limite para a expansão do endividamento. Quando aquele limite é atingido, a economia cessa de crescer.

A pauperização dos trabalhadores não resultou do agravamento de crises de super-produção de bens e serviços mas sim do poder do capital financeiro para forçar a relocalização da produção para mercados internos em terras estrangeiras. As pressões da Wall Street, incluindo pressões de tomadas de controle (takeovers), forçaram firmas manufatureiras americanas a "aumentar os rendimentos dos acionistas". Isto foi feito pela substituição de trabalho americano por trabalho barato estrangeiro.

Corporações deslocalizadas ou que passam a encomendar fora a sua produção manufactureira, divorciando portanto os rendimentos dos americanos da produção dos bens que eles consomem. O passo seguinte no processo aproveitou-se da alta velocidade da Internet para mover empregos em serviços profissionais, tais como engenharia, para fora. O terceiro passo foi substituir o resto da força de trabalho interna por estrangeiros trazidos para cá a um terço do salário com o H-1B [1] , L-1 [2] e outros vistos de trabalho.

Este processo pelo qual o capital financeiro destruiu as perspectivas de emprego de norteamericanos foi endossado pelo economistas do "livre mercado", os quais receberam privilégios pela deslocalização de firmas em troca da propaganda de que os americanos beneficiar-se-ia com uma "Nova Economia" baseada em serviços financeiros, e pelos seus sócios no negócio da educação, os quais justificavam vistos de trabalho para estrangeiros com base na mentira de que a América produz poucos engenheiros e cientistas.

Nos dias de Marx, a religião era o ópio das massas. Hoje são os media. Basta ver a informação dos media que facilita a capacidade da oligarquia financeira de iludir o povo.

A oligarquia financeira está a anunciar uma recuperação enquanto o desemprego nos EUA e os arrestos de lares estão em aumento. Este anúncio deve a sua credibilidade às altas posições de onde vêem, aos problemas de informação sobre folhas de pagamento que exageram o emprego e à eliminação para dentro do buraco da memória de qualquer americano desempregado durante mais de um ano.

Em 2 de Outubro o estatístico John William do www.shadowstats.com informou que o Bureau of Labor Statistics havia anunciado uma revisão da sua estimativa preliminar do indicador anual do emprego em 2009. O BLS descobriu que o emprego em 2009 fora super-declarado em cerca de um 1 milhão de postos de trabalho. John Williams acredita que a diferença foi realmente de dois milhões de postos de trabalho. Ele informa que "o modelo nascimento-morte actualmente acrescenta [um ilusório] ganho líquido de cerca de 900 mil empregos por ano à informação sobre emprego".

O número de empregos nas folhas de pagamentos não agrícolas é sempre a manchete da informação. Contudo, Williams acredita que o inquérito às famílias de desempregados é estatisticamente mais correcto do que o inquérito às folhas de pagamento. O BLS nunca foi capaz de reconciliar a diferença nos números nos dois inquéritos ao emprego. Na sexta-feira passada, o número de empregos perdidos apresentado nas manchetes era de 263 mil para o mês de Setembro. Contudo, o número no inquérito às famílias era de 785 mil empregos perdidos no mês de Setembro.

A manchete da taxa de desemprego de 9,8% é uma medida reduzida ao essencial que em grande medida subdeclara o desemprego. As agências de informação do governo sabem disto e relatam outro número de desempregados, conhecido como U-6. Esta medida do desemprego nos EUA fixava-se nos 17% em Setembro de 2009.

Quando os trabalhadores desencorajados pelo desemprego a longo prazo são acrescentados outra vez ao total dos desempregados, a taxa de desemprego em Setembro de 2009 eleva-se a 21,4%.

O desemprego de cidadãos americanos poderia realmente ser ainda mais alto. Quando a Microsoft ou alguma outra firma substitui milhares de trabalhadores americanos por estrangeiros com vistos H-1B, a Microsoft não relata um declínio de empregados na folha de pagamento. No entanto, vários milhares de americanos ficam então sem empregos. Multiplique isto pelo número de firmas dos EUA que estão apoiar-se em companhias estrangeiras fornecedoras de mão-de-obra para tecnologia de informação ("body shops") para substituir a sua força de trabalho americana com trabalho barato estrangeiro ano após ano e o resultado são centenas de milhares de desempregados americanos não relatados.

Obviamente, com mais de um quinto da força de trabalho americana desempregada e os remanescentes enterrados em hipotecas e dívidas de cartões de crédito, a recuperação económica não está no quadro.

O que está acontecendo é que as centenas de milhares de milhões de dólares de dinheiro do TARP dado aos grandes bancos e os milhões de milhões (trillions) de dólares que foram acrescentados ao balanço da Reserva Federal foram despejados no mercado de acções, produzindo uma outra bolha, e na aquisição de bancos mais pequenos por bancos "demasiado grandes para falir". O resultado é mais concentração financeira.

A expansão da dívida subjacente a esta bolha corroeu novamente a credibilidade do dólar como divisa de reserva. Quando o dólar começar a ir, tomadores de decisão em pânico elevarão as taxas de juros a fim de proteger a capacidade de contração de empréstimos do Tesouro. Quando as taxas de juros ascendem, o que resta da economia dos EUA afundará.

Se o governo não pode contrair empréstimos, ele imprimirá dinheiro para pagar as suas contas. A hiper-inflação atingirá a população norteamericana. O desemprego maciço e a inflação maciça infligirão ao povo norteamericano uma miséria que nem mesmo Marx e Lênin poderiam conceber.

Enquanto isso, economistas da América continuam fingindo que estão lidando com uma recessão normal do pós-guerra que requer meramente uma expansão da moeda e do crédito a fim de restaurar o crescimento econômico. 07/Outubro/2009

[1] H-1B: categoria de visto para não imigrantes que permite ao patronato dos EUA procurar ajuda temporária de estrangeiros qualificados que tenham bacharelado.

[2] L-1: documento de visto para entrar nos EUA como não imigrante e válido por períodos de tempo de até três anos. São geralmente concedidos para empregados de companhias internacionais com escritórios nos EUA.

[*] Ex-secretário assistente do Tesouro na administração Reagan, co-autor de The Tyranny of Good Intentions. (PaulCraigRoberts@yahoo.com)

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/roberts10072009.html

Este artigo (em português) encontra-se em http://resistir.info/.

Extraído de Carta Maior - versão impressão

ou Carta Maior
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Unicamp totalmente digital

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Unicamp 100% digital

14/10/2009

Agência FAPESP – Com o total de 30.871 teses e dissertações em sua Biblioteca Digital, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se tornou a primeira universidade brasileira a ter 100% dessa produção em formato eletrônico e com acesso livre pela internet.

Desde 2004, quem quiser baixar uma cópia dos trabalhos precisa se cadastrar, o que tem permitido um controle detalhado dos acessos.

“Até o momento foram 4,3 milhões de downloads. A maior média é da área de humanidades e artes, com 1,6 milhão de downloads e 7.705 teses, média de 217 cópias por pesquisa. A média geral, considerando todas as áreas, é de 143 downloads por tese”, disse Luiz Atílio Vicentini, coordenador da Biblioteca Central Cesar Lattes e do Sistema de Bibliotecas da Unicamp.

A Biblioteca Digital da Unicamp passou dos 20 milhões de visitas, com um grande salto ocorrido a partir de 2005, quando o acervo foi indexado ao Google. “De 1 milhão naquele ano, a quantidade de visitas foi para mais de 3 milhões em 2006; em 2008 foram 6,5 milhões de acessos e, este ano, já temos mais de 5 milhões. Registramos picos de 30 mil visitas por dia”, disse Vicentini ao portal da universidade.

De acordo com o coordenador, há mais de 800 mil usuários cadastrados. O último levantamento apontou quase 24 mil downloads por usuários de 73 países, com destaque para Espanha e Portugal.

O estudo mais acessado, intitulado O conhecimento matemático e o uso de jogos na sala de aula, foi apresentado por Regina Célia Grando na Faculdade de Educação e teve até o dia 13 de outubro 8.485 downloads e 43.784 visitas.

Mais informações: http://libdigi.unicamp.br

Estraído de Agencia FAPESP
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terça-feira, 13 de outubro de 2009

Extinção de curso superior... E se a moda pega?

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Extinção de curso superior não gera danos morais

O pedido de danos morais contra a Universidade Potiguar, por causa do não reconhecimento de um curso pelo Ministério da Educação, foi indeferido na 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Tal petição foi feita por um aluno da instituição matriculado no curso de comércio exterior que, posteriormente, foi extinto. Entretanto, o estudante teve a oportunidade de ingressar em secretariado executivo.

O autor alegou danos morais por ter recebido a informação do não reconhecimento da graduação pelo MEC quando já havia cursado 1 ano e 10 meses e estava prestes a se formar.

A Universidade Potiguar disse que tem autonomia na criação, expansão, modificação e extinção dos seus cursos, na forma dos art. 207 da CF e 53 da Lei 9.394/96.

Os desembargadores destacaram que as universidades possuem autonomia didático-financeira e uma de suas atribuições se refere à criação, organização e extinção de cursos e programas de educação superior, como dispõe o artigo 53, I da Lei nº 9.394/96 e o artigo 207 da Constituição Federal.

“Por outra ótica, deve ser ressaltado que o autor prestou vestibular, foi aprovado e matriculou-se no Curso de Gerência de Comércio Exterior (chamado curso de origem) oferecido pela UNP, entidade mantida pela APEC, era ciente de que o mesmo era apenas autorizado pelo MEC, tendo arriscado, no decorrer do curso, o pretendido reconhecimento”, esclareceu o relator, o juiz convocado Ibanez Monteiro.

Para o relator, o pedido de danos morais não ficou configurado, pois a universidade colocou à disposição do aluno a escolha de um novo curso e com pagamento reduzido das mensalidades.

Apelação Cível nº 2009.007223-5

Fonte: TJRN

Extraído de Lion & Advogados Associados
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SciELO integrada por Bolívia

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Bolívia passa a integrar Rede SciELO
13/10/2009

Agência FAPESP – A Bolívia é o 15º país a integrar a Rede SciELO (Scientific Eletronic Library Online), com a publicação on-line em acesso aberto de uma coleção formada por periódicos científicos nacionais selecionados.

A Rede SciELO opera de forma descentralizada, na qual cada país assume a responsabilidade da gestão, operação e financiamento da publicação eletrônica da coleção nacional dos periódicos, obedecendo aos critérios estabelecidos pelo programa SciELO.

O programa SciELO foi criado em 1997 por meio de uma parceria entre a FAPESP e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), reunindo periódicos científicos brasileiros.

A Rede SciELO disponibiliza coleções de oito países: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Cuba, Venezuela, Espanha e Portugal. Além disso, a rede possui coleções em desenvolvimento de outros seis países, além da Bolívia: México, África do Sul, Costa Rica, Paraguai, Peru e Uruguai.

De acordo com informações divulgadas pela Bireme, o anúncio da integração da Bolívia à Rede SciELO sinaliza um avanço para a pesquisa e a comunicação científica boliviana, considerando que a operação de uma coleção nacional no âmbito da rede deverá contribuir para aumentar a visibilidade e o acesso à produção científica publicada no país.

Seguindo a política de desenvolvimento da Rede SciELO, a coleção foi aprovada inicialmente para ingresso na condição probatória, denominada “coleção em desenvolvimento”, com vistas à sua futura certificação quando todos os requisitos SciELO forem cumpridos.

A implantação da coleção SciELO Bolívia é resultado do trabalho conjunto de diferentes instituições bolivianas, como a Universidad Mayor de San Andrés, Programa de Investigación Estratégica en Bolivia, Universidad Católica Boliviana e Asociación Boliviana de Editores de Revistas Biomédicas.

A coleção SciELO Bolívia conta atualmente com oito títulos, 37 fascículos com mais de 500 artigos publicados: Biofarbo, Cuadernos Hospital de Clínicas, Ecologia en Bolívia, Revista Boliviana de Física, Revista Boliviana de Química, Revista de la Sociedad Boliviana de Pediatría, Tinkazos - Revista Boliviana de Ciencias Sociales e Umbrales.

A Coordenação Executiva da coleção está sob a responsabilidade do Vice-Ministério de Ciência e Tecnologia por meio do Sistema Boliviano de Información Científica y Tecnológica (SIBICyT), e a Coordenação Técnica encontra-se a cargo da Biblioteca Central da Universidad Mayor de San Andrés.

www.bireme.br

Fonte: Agencia FAPESP
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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

As veias da América Latina continuam abertas

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"As veias da América Latina continuam abertas"
07/10/2009

"O que eu descrevia continua sendo certo. O sistema internacional de poder faz com que a riqueza siga sendo alimentada pela pobreza alheia. Sim, as veias da América Latina ainda seguem abertas", diz Eduardo Galeano em reportagem publicada no jornal espahol El País. O escritor uruguaio recebeu semana passada, em Madri, a Medalha de Ouro do Círculo de Belas Artes. Na reportagem, ele conta que seu mestre, Juan Carlos Onetti disse-lhe algo que não esqueceu: "As únicas palavras dignas de existir são aquelas melhores que o silêncio".

Javier Rodríguez Marcos (El País) - IHU Online Data: 07/10/2009

Com cabeça de senador romano e consciência de tribuno da plebe, Eduardo Galeano sempre tem presente uma frase de José Martí: "Todas as glórias do mundo cabem em um grão de milho". Ele diz isso porque, na semana passada, deram-lhe, em Madri, a Medalha de Ouro do Círculo de Belas Artes. "É uma alegria, claro. Não pratico falsa humildade, mas também não me esqueço de Martí e digo a mim mesmo: ei, tranquilo, devagar pelas pedras". No dia seguinte, além disso, recebeu um prêmio da ONG Save the Children.

A reportagem é de Javier Rodríguez Marcos, publicada no jornal espanhol El País, 06-10-2009.
A tradução é de Moisés Sbardelotto, para o IHU (Instituto Humanitas Unisinos).

Aos 69 anos, o escritor uruguaio é uma pedra no sapato dos vencedores da história, uma espécie de best-seller furtivo da esquerda. No ano passado, durante o tour espanhol de apresentação de seu último livro, "Espelhos. Uma história quase universal" (L&PM Editores, 2008), ele lotou cada salão de atos em que pisou, chegando inclusive a transbordar o Auditório de Galícia, em Santiago de Compostela, com capacidade para mil pessoas. No próximo dia 14, ele encerrará esta nova visita à Espanha com uma leitura de sua obra no Auditório Marcelino Camacho de Comisiones Obreras, em Madri.

Galeano conseguiu levantar paixões com livros sem gênero preciso, mas escritos com um estilo fragmentário e seco que ele opõe à "tradição retórico do peito estufado. Aprendi a desfrutar dizendo mais com menos", diz, em seu hotel madrileno de sempre, a um passo da Puerta del Sol. Ali, ele conta que seu mestre, Juan Carlos Onetti, "que não dava conselhos", disse-lhe algo que não esqueceu: "Como ele era bastante mentiroso, para dar prestígio a suas palavras, ele costumava dizer que eram provérbios chineses. Um dia me soltou: 'As únicas palavras dignas de existir são aquelas melhores do que o silêncio".

O autor de "Dias e noites de amor e de guerra" (L&PM Editores, 2001), briga há anos contra o silêncio. Agora, luta também contra o medo. Mais do que as eleições presidenciais que ocorrem no Uruguai no dia 25 de outubro, interessam-lhe os dois plebiscitos que ocorrerão nesse dia. Um pretende derrogar a lei que impede o castigo contra os militares da ditadura: "O Estado não pode renunciar a fazer justiça porque a impunidade estimula o delito". Há 20 anos, foi realizado um referendo com o mesmo objetivo. E com um resultado ruim. "Lançaram toneladas de bombas de medo", conta o escritor. "Dizia-se que, se a lei fosse anulada, a violência voltaria, e as pessoas votaram assustadas".

Aquele primeiro plebiscito dos anos 80 foi promovido por uma comissão, na qual, junto com Galeano, estava Mario Benedetti. Desde a morte deste, em maio passado, seu amigo faz parte da fundação que herdou o legado do poeta para promover a literatura jovem: "Era um insólito caso de escritor generoso. O nosso grupo é uma agremiação egoísta que ocupa a jaula dos pavões reais. A cada um dói o êxito do outro. Ao Mario não". Com relação às reclamações do irmão de Benedetti, incomodado com o testamento, Galeano é diplomático: "Isso está superado. Ninguém se salva das confusões de herança".

O dinheiro misturado com as confusões leva inevitavelmente ao futebol, um assunto ao qual o escritor dedicou centenas de páginas, dentre elas as que formam um clássico da literatura desportiva: "Futebol ao sol e à sombra" (L&PM Editores, 2004). É obsceno pagar milhões de euros por um jogador? "O futebol profissional é a indústria de entretenimento mais importante do mundo. Além do mais, é um esporte que parece religião: a religião de todos os ateus. O que é preciso ter claro é que o Machado dizia: agora, qualquer ignorante confunde valor e preço".

Por outro lado, no anedotário diplomático internacional ficou gravado o fato de que Hugo Chávez presenteasse Obama com o livro mais popular (30 edições em inglês) do autor montevideano, "As veias abertas da América Latina" (Ed. Paz e Terra, 2007, na 46ª edição em português), um ensaio de 1971 que seu próprio autor descreve como "uma contra-história econômica e política com fins de divulgação de dados desconhecidos". E acrescenta: "O que eu descrevia continua sendo certo. O sistema internacional de poder faz com que a riqueza siga sendo alimentada pela pobreza alheia. Sim, as veias da América Latina ainda seguem abertas".

Galeano não acredita que presidente dos Estados Unidos tenha lido o livro. "Duvido. Foi só um gesto. Além disso, a edição era em espanhol". A eleição de Obama pareceu-lhe uma vitória contra o racismo, mas lhe decepcionou que ele aumentou o orçamento da Defesa: "Os políticos mais bem intencionados acabam presos a uma maquinaria que os devora". E o que lhe parece sua política para com a América Latina? "Ele tem boas intenções, mas há problema de treinamento. Os norte-americanos estão há um século e meio fabricando ditaduras, e, na hora de se entender com países democráticos, eles têm dificuldades. O desconcerto diante do que ocorreu em Honduras é uma amostra".

O segundo plebiscito que espera o escritor ao voltar para casa quer outorgar o voto aos uruguaios que não vivem ali, "uma quinta parte da população!". Ele mesmo teve que se exilar e sabe o que é sobreviver sem direitos: "Não tinha documentos, porque a ditadura os negava. Quando eu vivia em Barcelona, tinha que ir à polícia todos os meses. Faziam-me repetir os formulários e mudar cem vezes de guichê. No final, no campo da profissão, eu colocava: 'escritor'. E entre parênteses: 'de formulários'". Ninguém se deu conta.

Fonte: Carta Maior

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Tragédia da vida cotidiana

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Reflexão sobre o crime de Roman Polanski no contexto mundial

Terça, 6 de outubro de 2009, 08h48
Christopher Hitchens
Do The New York Times


  • Assim que você percebe a existência do código de ética chamado "excepcionalismo de Hollywood", acaba enxergando-o em qualquer lugar. Paul Shaffer, o maestro do programa de David Letterman, em seu livro "We'll Be Here for the Rest of Our Lives" (Estaremos Aqui para o Resto de Nossas Vidas) - com o sugestivo subtítulo "Uma Vibrante Saga do Showbizz" - achou que precisava dizer algumas palavras sobre a notória condenação por assassinato (cuja vítima ninguém mais lembra o nome) cometido pelo produtor musical Phil Spector. Então ele resolve dizer o seguinte: "Eu lamento pela tragédia envolvendo Phil recentemente". Isso nem chega a ser um comentário, muito menos um comentário respeitoso.

A palavra "tragédia" também foi utilizada recentemente associada ao nome de Roman Polanski. Nesse caso, parece-me um pouco mais justificada. Polanski dirigiu diversas tragédias na tela e também foi vítima de algumas infelicidades privadas. Mas a mídia agora usa "tragédia" sempre que algo ruim ocorre com pessoas boas - ou pior: pessoas famosas.

  • Os tipos de tragédia que realmente merecem esse nome são dois: hegeliana e grega. Hegel dizia que a tragédia representava dois direitos que entram em conflito. Os gregos viam a tragédia como a situação em que o homem era vítima de uma armadilha do destino. A palavra que se tem do segundo tipo de tragédia, "húbris", se aplica de várias formas a Polanski. (Pessoalmente, acho um exemplo da húbris quando ele lançou uma adaptação da famosa tragédia de Shakespeare e chamou-a de "MacBeth, um filme de Roman Polanski".) O diretor também achou que seu status de celebridade lhe daria o direito de oferecer bebida a uma garota de 13 anos, seguida de Quaalude, uma droga relaxante muscular sobre cujos efeitos não gostamos nem de pensar. Temos que admitir que isso demonstra um certo desvio de caráter.

Mas a história não terminou por aí. Em julho de 2005, Polanski aproveitou as leis britânicas para processar meus colegas da revista Vanity Fair e colher os dividendos da sua indignação. Não importam as supostas acusações - de acordo com o artigo, ele teria seduzido uma modelo escandinava com a promessa de torná-la a próxima Sharon Tate - o que importa é o absurdo de sua ousadia ao processar uma publicação por algo que envolva seus parâmetros morais.

Ele declarou: "Acho que nenhum homem se portaria dessa forma". Como assim? A corte britânica sequer deu-se o trabalho de exigir que Polanski se apresentasse no país - onde, aliás, ele nunca morou. Permitiram que ele participasse através de videoconferência, antes de lhe depositarem o dinheiro.

Isso tudo já me deu um frio na espinha. Então, em dezembro, Polanski entrou na justiça para que o caso em que se declarou culpado de abuso sexual, em Los Angeles, na década de 1970, fosse sumariamente encerrado.

Na realidade, não me espanta que a promotoria tenha reaberto um caso tão antigo. O que me causa o maior espanto é que Polanski tenha ficado tanto tempo livre, solto por aí e colhendo os louros de processos por suposta difamação, zombando da justiça e da lei.

É perturbador também que a vítima de três décadas atrás o tenha perdoado e não deseje que o caso seja reaberto - mas não faria diferença alguma se ela tivesse a mesma atitude na época. A lei condena quem molesta crianças sexualmente e o faz, em parte, para evitar que mais crianças sejam molestadas. A partir de uma ocorrência individual, seja ela qual for, estabelecemos um precedente. E isso é uma bênção.

  • Há apenas três semanas, no Iêmen, a garota Fawziya Youssef, de 12 anos, sangrou até morrer quando tentava parir seu bebê natimorto. O parto agonizante durou horas. Ela havia se casado aos 11 anos com um homem com o dobro de sua idade. A tragédia de Fawziya não é um caso isolado no Iêmen, onde aproximadamente um quarto das mulheres casa até os 15 anos e muitas estão noivas bem antes disso.

O escândalo dessa garota - e veja que "escândalo" é um eufemismo, quando a situação envolve estupro, tortura, escravidão e incesto - também faz parte do cotidiano na Arábia Saudita e vários países da região onde, além disso, adiciona-se a mutilação da genitália feminina nos primeiros anos de vida. No Irã - onde a revolução islâmica diminuiu a idade mínima para o casamento a 9 anos - a idade legal agora é 13, mas não chega a ser uma lei respeitada pela Guarda Revolucionária ao pé da letra.

  • Quem assim desejar, pode apelar para o relativismo cultural - diferentes padrões para sociedades e tradições distintas - mas o fato é que o profeta Maomé foi prometido à esposa Aisha quando ela tinha 6 anos de idade, e casaram-se quando ela tinha 9, o que serve de "estímulo", para quem gosta desse tipo de coisa e faz de tudo para mantê-la dentro da lei. Enquanto isso, o principal líder da igreja católica norte-americana é cardeal no Vaticano e há décadas trabalha para encobrir e viabilizar o abuso sexual institucionalizado de menores. Eu preferiria viver num país em que as crianças fossem protegidas e seus algozes sujeitos às penas da lei ou, pelo menos, sofressem desaprovação - o que para Hollywood não parece ser a mesma coisa.

Christopher Hitchens é jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor do livro "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo". Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

Fonte: Terra Magazine
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